CartaCapital mexe na ligação de FHC e filho com a Braskem-Odebrecht mas ignora conexão de Lula
09 abril 2016 às 10h54
COMPARTILHAR
O recado da revista de Mino Carta é tolstoiano: todas as famílias têm problemas — inclusive as de Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso
A parte de cima da “CartaCapital”, de 6 de abril, estampa: “Exclusivo — Os negócios de FHC e família, aqui e no exterior”. A reportagem é lícita? É. Por que não seria? Se a maioria das publicações menciona o ex-presidente Lula e os negócios de seus filhos, com amplo destaque, não há problema algum em escarafunchar os negócios do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de seu filho, Paulo Henrique Cardoso. Resta saber se os negócios do tucano e de seu rebento são lícitos.
O diretor de redação da revista, Mino Carta, é amigo e aliado de Lula da Silva. Tanto que a “CartaCapital” é a única publicação impressa de alguma expressão que sugere que o possível impeachment da presidente Dilma Rousseff é “golpe” e sublinha que há uma conspiração muito bem orquestrada para “retirar” o PT do poder. A reportagem “Negócios de família” pode ser uma resposta às reportagens de revistas, como “Veja”,“Época” e “IstoÉ”, e jornais, como “O Estado de S. Paulo”, “O Globo” e “Folha de S. Paulo”, sobre os filhos do petista-chefe. O recado é tolstoiano: todas as famílias têm problemas — umas mais, outras menos. Não é só a de Lula da Silva. “Todas as famílias felizes se assemelham; cada família infeliz é infeliz à sua maneira”, escreveu Liev Tolstói no romance “Anna Kariênina”.
A reportagem de “CartaCapital” é, no limite, relativamente consistente. Não há comprovação cabal de que FHC e Paulo Henrique Cardoso tenham cometido ilegalidades flagrantes, sobretudo corrupção. Mas fica evidente a ligação de Paulo Henrique com a Braskem-Odebrecht e que FHC tinha uma offshore no exterior. Sublinhe-se que o texto do repórter Lúcio de Castro é cauteloso e os “suspeitos” que quiseram falar foram ouvidos.
A revista frisa que Paulo Henrique tem ou tinha negócios com a Odebrecht — a Geni da hora — e offshores no Panamá e no Reino Unido. O empresário manteve transações com Gregorio Centurión, auxiliar do presidente da Argentina, Mauricio Macri, que, partícipe de um escândalo, se matou, em 2010. Eles foram sócios na Analiti(K). A acusação de corrupção — o setor público dispensava licitações — se deu quando Centurión era secretário de Comunicação da Prefeitura de Buenos Aires.
O relato da “CartaCapital”: “Paulo Henrique Cardoso manteve durante uma década negócios com a Braskem, uma sociedade entre a Odebrecht e a Petrobrás, por meio da World Wide Partnership Importação e Exportação, empresa de comércio de produtos petroquímicos”. O filho de Fernando Henrique é ou era sócio da WWP. A revista estabelece conexão entre o filho de FHC e a Odebrecht, insista-se, mas sem apresentar evidências incontestáveis de ligação venal.
O Instituto FHC explicou a relação da WWP com a Braskem: “São empresas privadas legalmente constituídas e declaradas. Paulo Henrique não faz mais parte da WWP”. A Braskem apresentou sua versão: “A Braskem assinou acordo com a WWP em 2004, detentora exclusiva de tecnologia para a fabricação de resinas especiais de PVC. Por meio desse acordo, a Braskem produziu e distribuiu essas resinas voltadas para aplicação de especialidades vinílicas até 2013, quando as relações comerciais foram encerradas. (…) O contrato assinado com a WWP representou menos de 0,01% do faturamento da companhia”.
Sobre as relações da Braskem — leia-se Odebrecht — com Lula da Silva, que governou o Brasil de 2003 a 2010, a “CartaCapital” não publica nenhuma linha. Vale, portanto, transcrever trechos da reportagem “PF acha prova de que Lula, presidente, atendeu a pedido de lobista da Odebrecht”, da revista “Época” (de sexta-feira, 1º). O intertítulo da matéria é: “E-mail recuperado pela Lava Jato é novo indício de tráfico de influência do ex-presidente, ainda no poder, em favor da Braskem — controlada pela Odebrecht — em negócio no México”.
O relato do repórter Daniel Haidar, da “Época”: “Em um ato rotineiro, em dezembro de 2009 Cleantho de Paiva Leite Filho, diretor comercial da Braskem no México, enviou um e-mail pedindo ajuda a Roberto Prisco Ramos, seu colega de trabalho na empresa petroquímica controlada pela empreiteira Odebrecht. Naquele fim de ano, ao saber do teor da conversa, Ramos rapidamente encaminhou o pedido a outro colega, mais bem posicionado para resolver a questão, chamado Alexandrino Alencar. Diretor de relações institucionais da Odebrecht, Alexandrino tinha os contatos certos. ‘Preciso de sua ajuda em relação a este tema. Dar uma força para que LILS aceite um convite especial do Calderon e vá ao México no início de fevereiro’, dizia o texto de Ramos. Alexandrino era o homem da empresa designado para as relações com LILS – hoje a sigla que denomina uma conhecida empresa de palestras; na ocasião, era a sigla para Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente da República”.
Em seguida, Daniel Haidar acrescenta: “Em miúdos, a Odebrecht queria muito que LILS — para ela; presidente Lula, para os brasileiros — estivesse no México com o então presidente do país, Felipe Calderón, em uma reunião para assinatura de um contrato da Braskem com a mexicana Idesa. O acerto previa a construção de um complexo petroquímico de US$ 5,2 bilhões em Coatzacoalcos, no Estado de Veracruz. A presença de Lula daria um peso especial ao negócio, de grande interesse da empresa brasileira. Dois meses depois, nos dias 21 e 22 de fevereiro de 2010, Lula esteve no México para a 2ª Cúpula da América Latina e do Caribe sobre Integração e Desenvolvimento. No dia 23, Lula teve uma reunião com Calderón, na qual o principal resultado foi a comemoração da assinatura do contrato entre a Braskem e a Idesa”.
A se aceitar o que publicam a “CartaCapital” e a “Época”, a Braskem, pelo visto, era um negócio que interessava às famílias Cardoso e Silva. Vale a pena ter revistas com escopos editoriais e ideológicos diferentes para que a realidade se afigure mais ampla e menos partidarizada.
Lúcio de Castro registra que, “no ano passado, a Polícia Federal identificou uma comunicação entre o Instituto FHC e a Braskem para acertar o pagamento de uma doação da petroquímica”.
Em novembro de 2011, Paulo Henrique abriu uma offshore no Panamá, com o nome de World Wide Partnership, tendo como sócios Luiz Eduardo Ematne e Stephen Tomothy Fitzpatrick. Ouvido pela revista, Ematne disse que o filho do ex-presidente saiu da empresa. A WWP foi criada no Panamá com apoio do escritório Sucre, Arias e Reyes — “conhecido pela assistência na abertura de empresas de fachada para lavagem de dinheiro” em paraísos fiscais, como o Panamá. À “CartaCapital”, Paulo Henrique sustentou que “não faz parte mais da WWP e que a Ibiuna já foi encerrada. São negócios privados, todos devidamente declarados à Receita Federal”. Mas nada falou sobre a offshore do Panamá.
No Reino Unido, em sociedade com Fernando Henrique, Paulo Henrique criou a empresa Ibiuna LLP, em 2009. Versão do Instituto FHC: “A empresa citada foi efetivamente aberta em Londres, para recebimento de proventos de palestras. Sempre foi devidamente declarada no Imposto de Renda. Foi encerrada em 2013. O saldo equivalente a 5,5 mil reais foi repatriado ao Brasil via Banco central”.
Segundo pesquisa da “CartaCapital”, Paulo Henrique tem participação em nove empresas — “três em sociedade com FHC”: Ibiuna LLP, Goytacazes Participações e Córrego da Ponte.
Em 2009, Paulo Henrique abriu a Rádio Holding Participações, tendo como sócios a americana ABC Ventura Corp, Jobelino Vitoriano Locateli e José Tavares de Lucena. “Entre as sociedades representadas por Locateli está a Sport World Group, sócia da Traffic Sports World, que tem entre seus sócios o empresário J. Havilla, em prisão domiciliar nos Estados Unidos por participação no escândalo da Fifa.
A Goytacazes Participações foi criada por FHC, em parceria com a filha Luciana Cardoso, em fevereiro de 2012. Paulo Henrique tornou-se sócio em 2013.
Terminada a leitura da reportagem, o que o leitor (quase) isento, digamos um advogado ou um magistrado, teria a dizer? Por certo, que a revista não conseguiu comprovar que há irregularidades e corrupção nas empresas criadas por Fernando Henrique e Paulo Henrique.
Mas o objetivo da “CartaCapital” provavelmente não era dizer que pai e filhos são corruptos, e sim sugerir que, se forem investigados a fundo, e mesmo nem tão a fundo, problemas poderão ser registrados. É uma resposta, de alguma qualidade, produzida com cautela mais de advogados do que de jornalistas — que são mais ousados —, àqueles que “mexem” com Lula da Silva e seus filhos.