Histórias como a de Rute e Weverton ocorrem aos montes e merecem ser contadas, mas solução definitiva não depende da comoção

Rute entrega a Weverton uma das caixas de bombom que a família ganhou em doações após a história repercutir | Foto: Reprodução/TV Anhanguera

Uma história comovente da semana de Natal com certeza foi a que envolveu as famílias Moreira e Silva, no Setor Polo Centro 1, em Anápolis, a 55 quilômetros de Goiânia.

Patrícia Balbino da Silva, de 40 anos, havia ganhado, em uma doação, uma caixa de Bis. Era o chocolate ideal para as crianças: os bombons poderiam ser divididos igualitariamente entre oito filhos – Sara (a mais velha, grávida aos 19 anos), Samuel, Lucas, Raquel, Israel, Rute, Tiago, e Davi. Todos nomes bíblicos.

Rute e Davi foram para a porta de casa comer sua cota de doces. Foi quando dois garotos vizinhos viram a cena. Correram até lá, surpreenderam a dupla e tomaram o bombom do caçula de Patrícia. A irmã Rute ficou indignada com o furto e correu atrás. Um dos meninos jogou o chocolate no chão e esmagou. O outro era Weverton. Rute foi acertar as contas com ele e acabou alvejada com uma pedrada na cabeça. O garoto então correu para casa.

Ferida, a menina foi levada pelos bombeiros para fazer um curativo. Logo estava de volta ao lar. Em seguida, Patrícia repreendeu a menina por ter ido atrás do garoto, em vez de simplesmente deixá-lo com o chocolate. A mãe convenceu a filha a perdoar Weverton.

Do outro lado do roteiro, a coisa havia ficado mais complicada. O menino mora com a irmã mais velha, que é cozinheira, e sua mãe, Luciene Alves Moreira Duarte, relatou que a Polícia Militar acabou sendo chamada à casa da filha. Os policiais falaram que eles teriam de ir para a delegacia. O menino não se recuperou do trauma e não pode ver uma viatura, segundo Luciene. Ambas as famílias têm como meio de vida a coleta de recicláveis.

A história, com seus detalhes todos – brigas, escassez, polícia etc. – é uma entre milhares que ocorrem todos os dias entre crianças, principalmente as mais pobres. Provavelmente ficaria apenas nisso, se não tivesse chegado à imprensa, primeiramente pelo Bom Dia Goiás, da TV Anhanguera. Quando caiu no portal G1, o caso ganhou repercussão nacional. E a vida das famílias do Polo Centro 1 mudaram.

Família de Rute (de faixa na cabeça), com a mãe, Patrícia, do lado esquerdo | Foto: Reprodução

Chegaram muitas doações para a família de Rute. Principalmente, muitas, muitas caixas de bombom. A ponto de ela dividir com os vizinhos, de modo especial com seu “rival” Weverton. Desta vez, por conta da divulgação, a ceia foi farta para eles e para as pessoas mais próximas.

Se a imprensa fosse produzir continuamente matérias com crônicas da vida real como a de Rute e Weverton e de famílias como as de Patrícia e Luciene, cada emissora, cada jornal, cada rádio, cada portal, enfim, todo veículo precisaria se tornar monotemático. Para ficar bem entendido: não há erro algum da mídia em contar esses episódios e, por meio da divulgação, isso levar conforto a pessoas tão maltratadas.

Brasileiro costuma ser generoso, principalmente nesses tempos. Mas é preciso mais: a comoção muda a situação temporária, mas a solução definitiva passa por políticas públicas – que a imprensa precisa cobrar das autoridades devidas.

Pode-se dizer que a história de Rute e Weverton teve uma sequência feliz. Mas o final dela ninguém sabe. Onde estarão as famílias no próximo Natal? Na mesma situação de vulnerabilidade social, remediada pelo acaso nestes dias? E Rute e Weverton, o que serão daqui a dez anos?