Bolsonaro pauta e galvaniza a atenção da mídia, mesmo daquela que o critica

29 agosto 2021 às 00h02

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Thais Oyama frisa que Bolsonaro vê a imprensa como inimiga, mas, de alguma maneira, a mídia ecoa exatamente aquilo que o presidente quer

O presidente Jair Bolsonaro parece o rei do improviso — um jazzista da política. Mas não é bem assim. Trata-se, na verdade, de um rei do marketing. Orientado ou não pelos epígonos patropis de Steve Bannon, descobriu um método eficaz para manter a imprensa como uma espécie de “subordinada descontente”. Pode-se até criticá-lo, em artigos e, até, reportagens. Mas não se pode deixar de falar de suas ações e palavreado. Durante as comiciatas, conhecidas como motociatas, repórteres de todo o Brasil são escalados para cobri-las, dando um espaço invulgar tanto ao que faz o “candidato” — pouco — quanto às suas diatribes verbais, muitas. Portanto, talvez não seja equivocado sugerir que, de uma maneira ou de outra, Bolsonaro “escraviza” o olhar da mídia, obrigando-a a mostrá-lo em tempo integral. Há uma promoção extensiva da campanha eleitoral extemporânea do Trump tropiniquim.

A ideia chave de Bolsonaro parece ser a seguinte: “Falem bem ou mal, mas o que importa é que falem de mim”. Porque, assim, além do que diz ganhar ampla exposição, sua fala tonitruante — sintética e formulada, de propósito, para ser repetida —, esconde a fala dos outros personagens da cena brasileira. O ex-presidente Lula da Silva, até por liderar as pesquisas de intenção de voto, “fura”, por vezes, o bloqueio. Recentemente, quiçá para chamar a atenção do público — para provar que está bem, aos 75 anos —, apareceu de sunga, ao lado de sua namorada Rosângela “Janja” da Silva. Suas pernas, musculosas, lembram as de um Arnold Alois Schwarzenegger mignon quando jovem. Os mais atentos chegaram a apontar o volume escondido pela cueca do petista.

O gaúcho Eduardo Leite, do PSDB, é tido como um governador eficiente, porém só ganhou destaque na mídia quando decidiu anunciar que é homossexual e que tem um namorado. Ciro Gomes está “sumido”. Na verdade, Bolsonaro “sufoca” seus adversários, com a ajuda, indireta, da mídia, que, ao colocá-lo ante os holofotes, retira os demais.
Não se está sugerindo que a mídia deixe de cobrir os atos de Bolsonaro. O que se está propondo é que a cobertura seja mais matizada, com a incorporação das ações de outros personagens. Não há um governador de Estado que esteja fazendo uma gestão que possa chamar a atenção do país, ao ser descrita pela mídia?

A jornalista Thais Oyama, apresentadora do programa “Jornalistas e Etc.”, no UOL, concedeu uma entrevista interessantíssima à repórter Denise Alves, do Portal Imprensa. O que se comentou, nos quatro parágrafos anteriores, não mereceu a atenção da ex-repórter da revista “Veja”, o que não retira a vitalidade do que diz.
Inquirida sobre a polarização política e as crises e sua relação com o jornalismo Thais Oyama assinala: “Do ponto de vista do repórter, é muito interessante, instigante, estimulante, porque não falta notícia e obriga que” se “trabalhe em um ritmo de dedicação intenso. É desafiador e interessante cobrir política em um país com um governo tão extraordinário — não necessariamente no bom sentido — como” o de Bolsonaro. A repórter ressalva: “Mas, ao mesmo tempo, faz com que a gente perca a notação do todo. São tantas crises, tantos acontecimentos diários, de relevância, que acabamos perdendo a noção da floresta. O tamanho dessa crise institucional ainda está para ser avaliado por nós, jornalistas. Vamos ficando tão envolvidos, tão acostumados, que terminamos por banalizar ou subestimar a gravidade de algumas falas, gestos e acontecimentos”.
Jornalistas críticos do governo de Bolsonaro estão sob ataque dos mictórios do ódio e, claro, do próprio presidente. Thais Oyama diz que fica impressionada “com a impotência do jornalista” — como Daniela Lima e Patrícia Campos Mello — ante os “ataques massivos de ódio e fake news”. “Não existe jurisprudência consolidada para” garantir “uma denúncia e uma” penalização “para quem espalhe mentiras a respeito do que disse [ou não disse] um jornalista. Os instrumentos jurídicos são precários porque tudo é relativamente novo”. A tropa de choque do bolsonarismo postou uma fala, nas redes sociais, que não era de Daniela Lima, mas ficou como se fosse da jornalista. Os danos não puderam “mais ser remediados”. Os jornalistas estão “desprotegidos” ante o ataque organizado que se torna viral em questão de minutos.
A liberdade de impressa está a perigo? Embora não seja otimista, Thais Oyama frisa que “a liberdade de imprensa no Brasil tem se mantido a duras penas”. As pressões do governo, inclusive tentando travar o setor financeiro de jornais e de uma emissora de televisão, a Globo — há boicote de anúncios e conclama-se empresários aliados a não anunciarem em determinados veículos —, “até agora foram infrutíferas. As empresas continuam exercendo seu direito e dever de criticar e fiscalizar o governo”.
Há uma alguma saída? Thais Oyama avalia que não: “As coisas só vão se resolver entre governo e imprensa quando o governo for outro. Este, realmente, já se provou incorrigível. Bolsonaro vê a imprensa como inimiga, incita os bolsonaristas a fazerem o mesmo”.
Thais Oyama é autora do livro “Tormenta: O Governo Bolsonaro — Crises, Intrigas e Segredos” (Companhia das Letras, 272 páginas). O livro, porque Bolsonaro não deixa ser Bolsonaro, só radicalizando-se, permanece atual.