Big techs precisam repassar valores reais (e não migalhas) aos jornais e revistas que fazem jornalismo sério
21 maio 2023 às 00h00
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Jornais e revistas, notadamente, se tornaram servos das big techs. Suas informações, mesmo com determinados bloqueios, são utilizadas, à larga, por Google, Bing, Facebook, Instagram, Twitter etc. — quase sem limites.
O que os jornais e revistas — assim como as tevês e as rádios — ganham, em termos financeiros, por ter sua audiência ampliada pelos portais de busca e pelas redes sociais? Quase nada. Veículos pequenos, com estrutura barata e audiência alta, até podem se contentar com o que recebem. Porém, jornais como “Estadão”, “O Globo” e “Folha de S. Paulo”, com grandes estruturas, não têm como se contentar (e sobreviver) com as “esmolas” repassadas. As “dádivas” são concedidas em decorrência do acesso das reportagens, do material editorial.
O que fazer? Há ao menos dois caminhos: a criação de um fundo público e a negociação direta entre os meios de comunicação e as plataformas.
A Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert) e a Associação Nacional de Editores (Aner) defendem a negociação direta entre os veículos de comunicação e as plataformas. A rigor, isto já ocorre. Mas sob controle absoluto, não dos meios de comunicação, e sim das big techs. Elas decidem sobre a quantidade (e a qualidade: por exemplo, pessoas quase peladas colocadas no meio de reportagens sobre religião) de anúncios e sobre os valores a serem repassados (a base é a audiência dos jornais, avaliada a partir do acesso das reportagens).
No momento, o modelo é positivo para as big techs, mas não para os jornais, revistas, portais etc. Há uma espécie de trabalho análogo à escravidão… consentido (até quando?).
Associação de Jornalismo Digital (Ajor) e a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) sugerem a criação de um fundo público, com intermediação do governo federal. O fundo seria constituído a partir de repasse das redes sociais, dos aplicativos de mensagens e demais empresas de internet.
O Comitê Gestor da Internet no Brasil (GGI.br) divulgou um estudo, “Remuneração do Jornalismo pelas Plataformas Digitais”, na quarta-feira, 17, que discute a questão.
A Fenaj defende uma posição sensata combinando a criação do fundo público e a remuneração direta às empresas de comunicação. Com um adendo: os jornalistas também devem ser remunerados pelas big techs pelo conteúdo jornalístico produzido por eles. É um avanço.
Vários países começam a enquadrar as big techs, considerando que, embora não sejam produtoras de conteúdo, “chupam” tudo ou quase tudo que é publicado nos veículos de comunicação e ganham bilhões de dólares com a, digamos, pirataria. Uma pirataria cada vez menos consentida.
A Câmara dos Deputados está discutindo o assunto e as big techs reagem, negativamente, e não apenas na questão do necessário controle das fake news.
A remuneração dos empreendimentos jornalísticos é crucial para mantê-los no mercado, e com alta qualidade. O modelo de fornecer informação de graça é “bonitinho” — os leitores ficam satisfeitos —, mas não tem sustentação financeira a longo prazo. Jornais, revistas, portais e emissoras de televisão estão demitindo porque, surrupiados pelas big techs, têm custo alto e faturamento cada vez mais baixo.
A questão não pode ficar por conta apenas dos jornais, revistas e emissoras de televisão e rádio e das bigs. O Estado precisa ser convocado a interferir — antes que seja tarde para o mercado. A Europa e a Austrália saíram na frente e estão pressionando as big techs a reverem suas ações quanto ao conteúdo produzido pelas empresas de comunicação.