Batista Custódio, o ousado e polêmico criador do Diário da Manhã, morre aos 88 anos

24 novembro 2023 às 11h20

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O jornalista Batista Custódio dos Santos morreu na sexta-feira, 24, aos 88 anos (faria 89 em abril). Ele tinha câncer. No lugar de um obituário tradicional, vou contar, em dropes, algumas histórias a respeito do empresário — que sempre se considerou mais jornalista do que empresário (e, de fato, seus jornais sempre foram mal administrados) — que editou o “Cinco de Março” e o “Diário da Manhã”.
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Cinco de Março
A sociedade temia o “Cinco de Março. Dizia-que, às segundas-feiras, Goiânia (e talvez Goiás) tremia quando começava a circular. O jornal era disputado nas bancas. Era um misto de jornalismo investigativo e sensacionalismo, de agressividade ímpar.
O “Cinco de Março” contava com uma redação talentosa. Dizia-se que Consuelo Nasser copidescava tudo — até o francês Flaubert, autor de “Madame Bovary”. A jornalista, que havia estudado Direito no Rio de Janeiro e era leitora devota de Dostoiévski, era uma editora de primeira linha.
Durante anos dizia-se que Consuelo Nasser escrevia artigos para Batista Custódio assinar. Nada mais falso. Ela podia até fazer a revisão dos textos, mas ele escrevia — e bem. Eu mesmo revisei vários artigos do articulista — todos bem-informados e bem-escritos.
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Diário da Manhã
O nascimento do “Diário da Manhã” aposentou o “Cinco de Março”, que ficara no passado. Os tempos modernos exigiam outro tipo de jornalismo, (mais) fiel aos fatos.
O “DM” era o oposto do “Cinco de Março”. Era semelhante ao concorrente “O Popular”, porém com pegada mais crítica.
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Consuelo Nasser
Consuelo Nasser era o braço direito de Batista Custódio. Ela escrevia artigos, pautava e copidescava o material dos repórteres. Depois da crise do jornal, na primeira metade da década de 1980, o casamento entrou em crise e cada um foi para seu lado.
Feminista na prática, Consuelo Nasser criou o Centro de Valorização da Mulher (Cevam). Ela dizia que, com o Cevam, descobriu que mulheres das classes média e alta apanhavam dos maridos e, por receio de escândalo, não os denunciavam.
Ela vivia uma relação de amor e ódio com Batista Custódio. Se criticavam, mas se respeitavam. Eram pais de Fábio Nasser. Júlio Nasser, filho de Consuelo Nasser, foi adotado por Batista Custódio (Júlio, sempre educado e diplomático, e Batista Custódio sempre se deram muito bem).
Fábio Nasser e Consuelo Nasser se mataram.
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Washington Novaes
Para fazer o “Diário da Manhã”, Batista Custódio contou, inicialmente, com mão de obra local — jornalistas de primeira linha como Hélio Rocha, Javier Godinho, Djalba Lima, Marco Antônio da Silva Lemos, Fleurymar de Souza, Abadia Lima, Lorimá Dionízio (Mazinho), Luiz Carlos Bordoni, Carlos Honorato, Alziro Zarur, Jayro Rodrigues, Lisa França, Lúcia Pedreira Barros, Shirley Camilo, Aimée Beatriz, Mara Moreira, Phaulo Gonçalves (o rei do humor), Wilson Silveira, Wilson Silvestre, Isanulfo Cordeiro, Rachel Azeredo, Raquel Mourão, Rosalvo Leomeu, Vilmar Alves, Antônio Carlos Moura, Edmilson Souza Lima, Edson Souza, José Luiz de Oliveira, Lauro da Veiga Jardim, Luiz “Gugu” Augusto, Luiz Augusto Pampinha, Luiz Carlos (colunista social), entre vários outros.
Em seguida, depois de consultar Mino Carta e Claudio Abramo, Batista Custódio contratou Washington Novaes, que havia trabalhado em vários jornais do Rio de Janeiro e São Paulo e na TV Globo.
Washington Novaes era um profissional de primeira linha e foi, de fato, uma grande contratação. O jornalista, com o apoio da equipe local — que era de alta qualidade — e dos chamados “estrangeiros”, criou um grande jornal, que chegou a repercutir no país.
Entre os jornalistas que vieram para Goiás estavam Reynaldo Jardim (o jornalista e poeta que reinventou, ao lado de Janio de Freitas, o “Jornal do Brasil”), Marco Antônio Coelho, Pindé (José Antônio Menezes) e Aloizio Biondi. Janio de Freitas, Mino Carta e José Guilherme Merquior escreviam artigos exclusivos para o jornal.
O “DM” passou a ter forte ligação com a sociedade, sobretudo com representantes populares dos bairros, por intermédio de um conselho. Até nisso o jornal era moderno.
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Crise com Iris Rezende
Por que o “Diário da Manhã” fechou as portas? Trabalhei lá de 1987 a 1993 e ouvi várias histórias. A dominante é: o jornal decidiu criticar Iris Rezende, eleito governador em 1982 e tendo assumido em 1983, e deu-se mal.
Na versão divulgada na redação por Batista Custódio, Iris Rezende, como governador, teria promovido uma perseguição implacável ao jornal. Se um empresário anunciava em suas páginas, era, na versão do criador do jornal, perseguido e auditores fiscais eram enviados para vasculhar suas contas.
Relatava-se, na redação, que alguns empresários repassavam dinheiro e pediam para o anúncio não sair.
Jornalistas que trabalharam na empresa apontam que a história da perseguição de Iris Rezende é verdadeira. Mas adicionam a informação de que havia um caos administrativo-financeiro (“gastava-se de maneira desmedida e mal”, me disse um ex-editor). A redação era tida como muito dispendiosa e, como havia uma fartura de recursos — proporcionados pelo governo de Ary Valadão —, os gestores não se preocuparam com qualquer enxugamento.
Batista Custódio e Consuelo Nasser era mais jornalistas do que empresários. No momento necessário “faltou” empresa para sustentar o jornal, que, naquela época, era excelente.
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Amigos na redação
Batista Custódio não era um grande leitor de obras cruciais, mas absorvia bem o que lia ou ouvia (numa entrevista de quase 100 mil caracteres, Conselho Nasser disse ao Jornal Opção que chegava a gravar fitas para ele ouvir). É provável que não tenha lido Proust, James Joyce e Samuel Beckett. Apreciava o romântico Castro Alves. Era muito atarefado, vivia para o jornalismo. Seu lazer era frequentar a fazenda de Baliza, às margens do Rio Araguaia. De lá voltava revigorado.
Se não era um intelectual refinado, Batista Custódio era um homem inteligente e sabia tudo de jornalismo. Gostava de jornalismo. Comia e bebia jornalismo.
O jornalista não era politicamente correto, mas mantinha uma convivência estreita com os jornalistas. Era tipo Roberto Marinho — fazia amizade com os repórteres e editores.
Apreciava bons jornalistas, sobretudo os que escreviam bem e pensavam, e os contratava. Mas se considerava “o” jornalista. Um par? Talvez Carlos Lacerda (que o influenciou na arte de ser polemista destemido) e Alfredo Nasser (tio de Consuelo Nasser).
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Relação com políticos
O jornalista de política às vezes precisa raciocinar como políticos para entendê-los. Batista Custódio se preocupava em entender como o político pensava. Às vezes dava conselhos aos políticos e, eventualmente, era ouvido (dizem que políticos ouvem apenas suas próprias vozes, sobretudo depois de ano de poder). Conselhos que ele, muitas vezes, não seguia. Conviveu com gerações de governadores, como Mauro Borges (a respeito do qual tinha reservas graves), Otávio Lage, Leonino Caiado, Irapuan Costa Junior (dizia: “É um dos poucos políticos que realmente leem e pensam”), Ary Valadão (talvez o governador com quem melhor se relacionou), Iris Rezende (a relação começou boa e se deteriorou; no final, eram inimigos cordiais, se se pode dizer assim), Henrique Santillo, Marconi Perillo, Alcides Rodrigues e Ronaldo Caiado (de quem gostava, sobretudo pela lealdade e pela decência. Na década de 1980, o hoje governador ajudou muito o jornal).
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Lauda e cueca sujas
Uma história curiosa: na década de 1980, os jornalistas datilografavam suas reportagens em laudas, em seguida era feita a revisão e o material era enviado para compor. Certo dia, Batista Custódio pediu para ler uma reportagem. Ao olhar as laudas, ele disse: “Mas que sujeira. Chego a pensar que sua cueca também é suja”. O repórter riu. O editor leu, cuidadosamente, o texto e aí se corrigiu: “Você escreve bem”. Mas não retirou a história da cueca.
Mesmo envelhecido, Batista Custódio não deixava de frequentar a redação, de orientar a feitura da capa e de sugerir pautas. Era mesmo uma “força da natureza” — expressão que adorava usar.
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Parnasiano, romântico e realista
Batista Custódio escrevia bem? Muito bem. E era dono de um estilo ímpar. Porque misturava vários estilos. A forma de seus artigos era parnasiana, com os floreios típicos. A mensagem parecia romântica, mas era, no geral, realista. Suas frases, sempre bem construídas — como se fossem “mensagens” (aforismos) —, eram de poeta parnasiano misturado com poeta romântico.
O estilo de Batista Custódio era, não raro, literário. Nem sempre dava a atenção devida aos fatos. Porque era um jornalista imaginativo — o que não é nenhum demérito.
Adorava política e conversar com políticos.
Deixou vários escritos e pretendia publicar um grande livro sobre a história política de Goiás. A obra se tornou uma espécie de dom Sebastião sem Alcácer-Quibir. Batista Custódio sabia tudo ou quase tudo sobre os bastidores da história do Estado.
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Matando um morto
A faceta mais conhecida de Batista Custódio era a de polemista. Ele escreveu artigos memoráveis, corajosos, firmes. Certa feita, numa guerra — mais do que polêmica — com o “jornalista” Edson Nunes, escreveu um artigo virulento com o título de “Matando um morto”.
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Mundo digital e as ideias fora do lugar
Batista Custódio, como mestre da máquina de escrever — que batucava de forma frenética (escrevia rápido, mas revisava o texto de maneira cuidadosa) —, não se empolgou com o jornalismo digital, que veio para ficar e para avançar. Aos poucos, ele foi ficando fora do lugar.
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Morreu pobre e não apreciava luxo
Lembro-me de Batista Custódio fumando na redação. Fumava muito. É, certamente, a origem do câncer que o matou.
O jornalista apreciava roupas e comidas simples (tinha apenas de ser bem-feita). Às vezes, na redação, sobretudo à noite, comíamos comida que mandava buscar em sua casa. Não era adepto de uma vida luxuosa. Não morreu rico. Pelo contrário, faleceu pobre.
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Vitamina B12 e o Fumaça
Assim como Consuelo Nassar e Juscelino Kubitschek, Batista Custódio era adicto de medicamentos. O farmacêutico Fumaça — não anotei seu nome — aplicava injeções de vitamina B12 no jornalista. Antes, ia à sede do jornal, na Avenida 24 de Outubro, e depois na outra sede, no Setor Leste Universitário.
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Espírita, místico e o Guru do Abraço
Batista Custódio era uma espécie de panteísta? Talvez. Ele era, por certo, místico. Ou, mais precisamente, espírita (adorava cartas psicografadas. Era admirador ardoroso de Chico Xavier). Houve uma época que se empolgou com Carlos Pacini. Os repórteres tinham de escrever matérias sobre o “Guru do Abraço”.
Atores famosos, como Carlos Augusto Strazzer, Heloísa Millet e Lucélia Santos, visitavam a redação acompanhados de Carlos Pacini, que morava no Setor Jaó.
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Ferrovia Norte-Sul e Sarney
Ousado e visionário, Batista Custódio decidiu, na segunda metade da década de 1980, editar um caderno-livro sobre a construção da Ferrovia Norte-Sul. Para editá-lo, contratou Washington Novaes. O jornalista elaborou um belo projeto, contando com a participação de artistas plásticos — como Siron Franco e Fernando Costa Filho — e escritores, como Carmo Bernardes (que, tendo recebido um cheque sem fundos, quase abandonou o projeto).
No início, eu, Fábio Nasser e, salvo engano, Britz Lopes éramos os repórteres. Depois, chegou Eloí Calage, com seu belo texto de jornalista e escritora.
Ao término do caderno-livro, eu e Eloí Calage nos tornamos editores-assistentes. Antônio Soh era o diagramador. Excelente, por sinal. Me ajudou muito.
Detalhe: José Sarney, com o qual mantivemos contatos, por causa do livro sobre a Ferrovia Norte-Sul, apreciava ouvir as histórias de Batista Custódio (uma delas dizia que o ditador Emilio Médici era leitor do “Cinco de Março”), que, desconfio, via como uma espécie de personagem que saltou da literatura para a vida, para a realidade. O livro teve o apoio de Henrique Santillo, então governador de Goiás.
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Leitor gosta de escândalos
Uma vez, acredito que em 1989, Batista Custódio me chamou e disse: “Euler, o jornal está bom. Mas está comportado. O povo ama um escândalo. Publique ao menos uns dois ou três por semana”. Depois, olhou para um repórter — salvo engano, Marconi Barroso — e disse: “Infeliz, cadê a reportagens sobre chupa-cabras e cavernas?”
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Políticos escolhem adjetivos para elogiá-los
Um dia, quando um político poderoso reclamou de um texto que o elogiava, Batista Custódio disse para os editores, todos jovens: “Políticos querem escolher até os adjetivos para serem elogiados”.
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Ministro das entressafras e das supersafras
Iris Rezende era conhecido como o “ministro das supersafras” (Mario Sergio Conti disse que alguém estava pagando ou queria pagar para quem publicasse isso em produtos da Editora Abril). Pois eu, errando, escrevi que o político goiano era o “ministro das entressafras”. No dia seguinte, Batista Custódio mandou me buscar — eu morava na Avenida T-4, no Setor Bueno — e o taxista, conhecido como Ciganinho, disse: “Seu Batista disse que é urgente”. Fui.
Batista Custódio me recebeu assim: “Infeliz, Iris é ministro das supersafras”. Depois, riu e, baixinho, disse: “Até gostei de seu erro”. Nos últimos tempos, ele e Iris Rezende conversavam e, se não eram amigos, se toleravam.
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Um jornalista de centro
Como definir Batista Custódio ideologicamente? Muito difícil. Possivelmente, era de centro (meio estilo camaleão). Mas convivia bem com a direita e a esquerda. Como editor, não fechava as portas para as várias correntes político-ideológicas do país.
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Escola de jornalismo
Fui editor-executivo do “Diário da Manhã” por vários anos. Trabalhei com Valdivino Braz, João Bosco Bittencourt, Deusmar Barreto, Roberta Tum, Cejana di Guimarães, Ferreira Júnior, Elaine Ponchio, Gilson Cavalcante, Venceslau Pimentel, Ulisses Aesse, Ton Alves, Isabel Lopes, Cida Almeida, Marco Monteiro, César Monteiro, Almir (cartunista), Humberto Silva, Elson Caldas, Norton Luiz, Herivelto Nunes, Marconi Barroso, Nilson Gomes, Edson Costa (que, como Batista Custódio, não aderiu ao computador. Usou, até morrer, uma máquina de datilografia, e colocava cadeado no teclado para ninguém utilizá-la), Marcos Vinicius, Carla Monteiro (que vai biografar Consuelo Nasser), Afonso Lopes, Rogério Lucas, Edna Santos, Bigode, Fumanchu, Mexicano, José Maria e Silva, Rodrigo Czepak, Britz Lopes e Renato Dias. O “DM” sempre foi uma grande escola de jornalismo. Aprendi muito no jornal.
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Camadas de mitologias
Com a morte, pode-se, finalmente, escrever a biografia de Batista Custódio — um jornalista com histórias em dois séculos, o 20 e o 21? Sim, é possível. Mas será preciso retirar as camadas de mitos que o cerca — alimentadas por amigos e aliados.
Mas, retirar as camadas de mitologias, não é o mesmo que negá-las. O objetivo é outro: construir um personagem, que, sendo grande, não prescinde da complexidade da verdade. Os grandes personagens continuam grandes quando seus biógrafos nuançam suas vidas. Batista Custódio, com virtudes e defeitos, era mesmo admirável. Trata-se de um personagem que talvez precise da literatura para se firmar como história. Avaliado pela média, é grande. Pelos extremos, não é. Mas o historiador consciencioso, mesmo apresentando os extremos, avalia pela média.
Leia sobre o Diário da Manhã e Washington Novaes