As diferenças entre a “live” de Bolsonaro e a “conversa” de Lula

10 setembro 2023 às 00h01

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Desde junho, geralmente às terças-feiras, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem protagonizando o programa Conversa com o Presidente, tendo o experiente jornalista Marcos Uchôa como apresentador. Há pontos positivos e negativos na investida comunicacional do governo atual, mas o fato é que nem de longe a ação lembra as lives que o antecessor, Jair Bolsonaro (PL) comandava também semanalmente, às quintas-feiras.
Primeiramente, pelo formato: o Conversa é basicamente um podcast profissionalizado, com um padrão claro de trabalho de equipe para fazê-lo ir ao ar, mesmo durante as viagens presidenciais. Tentando manter a assiduidade e o nível de qualidade, é transmitido de vários lugares – quando Lula foi para a reunião do Mercosul, por exemplo, o programa teve ao fundo a visão das Cataratas do Iguaçu a partir das terras argentinas. Mas o fato é que cumpre a função de ser algo essencial para a transmissão da informação: pode ser ouvido lavando louça, dirigindo ou fazendo uma caminhada. Uchôa é um excelente condutor das pautas e faz a comunicação fluir de forma assertiva e contínua.
Já Bolsonaro foi sempre seu próprio âncora e praticamente fazia questão de que seu programa fosse não apenas escutado, mas também que as pessoas parassem para vê-lo, dentro do estilo, diga-se, pouco discreto que o caracteriza pessoalmente. A transmissão ocorria, na maior parte das vezes, do próprio Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente, em meio a uma espécie de “caos planejado”, com apenas uma câmera em posição frontal diante de uma mesa onde estava tudo cuidadosamente desorganizado pela assessoria, visando transparecer a imagem de espontaneidade que seus apoiadores amam. A seu lado, sempre estava um (ou uma) intérprete de Libras e, de vez em quando, algum convidado.
Enquanto o petista, para a transmissão no YouTube, utiliza o oficial CanalGov, o ex-presidente fazia seus programas por meio de seu canal privado, o que, por si só, já traz um componente importante: canal oficial tem assistentes, canal particular tem seguidores.
Outra diferença importante é em relação ao conteúdo. Com a preciosa ajuda de Uchôa – que chegou a ser candidato a deputado federal pelo PSB no Rio, mas desistiu antes das eleições –, Lula dá informes sobre sua agenda da semana ou fala sobre eventos anteriores, mas insere questões macro com as quais seu antecessor nunca se importou. Apesar de se dirigir ao público olhando frequentemente para uma das câmeras, a postura do petista em seu programa não busca um nicho específico. Assim como ocorria no cercadinho do Alvorada, também nas lives semanais Bolsonaro sempre fazia questão de marcar território, como se dissesse “estou falando para meus eleitores”.
A diferença de profundidade e densidade dos temas também é notável. A assessoria de Lula o abastece de dados, os quais o presidente explora de forma eficiente durante o podcast. Bolsonaro, sempre com uma caneta Bic na mão, recebia bilhetinhos dos assessores durante a live e intermeava tudo o que dizia com piadinhas de gosto duvidoso, mas bem ao gosto por informalidade e quebra de protocolo de seu público.
Não dá para negar o carisma de ambos os protagonistas, cada um a seu modo. Do ponto de vista informativo e de qualidade na prestação de serviços, o programa do atual presidente está anos-luz à frente. A questão é que não só de profissionalismo se vive nas redes sociais, muito pelo contrário. A audiência das lives bolsonaristas era muitas vezes maior e nada indica que haverá uma reversão desses números por parte dos petistas.
Até porque os objetivos são diferentes: o governo atual criou o programa também na busca de dar ao presidente um canal de contato mais controlado com a imprensa. Afinal, o que Lula nela fala, como a declaração sobre desejo de que os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal fossem em sigilo, vai repercutir na mídia. Já a live de Bolsonaro, muito mais personalista, era “apenas” mais um de seus meios para engajar sua base.
Dessa forma, uma comparação entre as duas atividades fica prejudicada, já que, apesar de parecer, a finalidade das lives de Bolsonaro – que nunca chegaram a ter um nome oficial – e as edições da Conversa com o Presidente de Lula são bem diversas umas das outras.