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A constatação inescapável é que corremos a uma velocidade cada vez maior rumo a um desastre ecológico de proporções planetária e catastrófica

Gilvane Felipe

Especial para o Jornal Opção

O dia 29 de julho assinalou o fim de 2019. Pelo menos do ponto de vista ecológico, o ano se encerrou antes do final do sétimo mês do calendário.

“O Grito”, de Munch

Desde o final dos anos 60, cientistas preocupados com a incessante degradação do meio ambiente criaram o conceito de Pegada Ecológica para calcular o rastro da ação humana sobre o planeta em que vivemos em termos de recursos naturais que usamos, lixo e poluição que geramos, e destruição ambiental que provocamos.

Eles calcularam também a capacidade da Terra de suportar e de responder a essa ação humana, chamada Biocapacidade. Ou seja, a capacidade de renovar recursos consumidos, absorver rejeitos e reparar estragos sofridos.

O cálculo dessas duas variáveis é que dará como resultante o quanto já teremos gasto dessa capacidade planetária, que é, como sabemos, finita. O dia em que matematicamente esse limite é superado foi batizado como “Dia da Sobrecarga” ou “Earth Overshoot Day”, em inglês, ou ainda, “Jour du Depassement”, em francês.

Ocorre que desde o ano de 1970 nós já estouramos essa conta. Quer dizer, nós já gastamos mais do que a Terra conseguiria nos oferecer no período de um ano. Há 49 anos, em 1970, o dia da Sobrecarga ocorreu no dia 29 de dezembro, diminuindo-o em dois dias. E desde então o ano ecológico não mais deixou de encurtar: em 1979 foi em 29 de outubro; em 1989, 11 de outubro; em 1999, 29 de setembro; em 2009 caiu em 18 de agosto e agora, dez anos depois, em 2019 o ano se esgotou em 29 de julho.

É como se tivéssemos um depósito com toda a comida existente para o ano e ela acabasse muito antes do final. O colapso irreversível nessa conta ainda não aconteceu, muito por conta do que ainda resta de reservas naturais e que estão sendo avidamente consumidas a uma velocidade muito maior que aquela que o planeta levaria para se renovar.

Alguns historiadores já nomeiam os últimos 70 mil anos de Era Antropoceno, o tempo em que o Homo Sapiens se tornou o fator individual de mudança da ecologia global. O que é inédito.

Verdade é que sempre ocorreram grandes revoluções ecológicas e eventos que provocaram extinções em massa, como mudanças climáticas, movimentação de placas tectônicas, erupções vulcânicas e colisão de asteroides. Mas nunca, em 4 bilhões de anos, uma ação voluntária de uma única espécie teve tamanho peso na definição da vida na Terra.

Os dados são estarrecedores e variam de país a país, conforme o impacto que causam de acordo com seus respectivos modelos de produção e consumo. Na lista dos que mais impactam estão os produtores de petróleo, por serem os combustíveis fósseis o item responsável por cerca de 60% da Pegada Ecológica deixada pelo homem. Assim, por exemplo, no Qatar, o cálculo aponta que o ano por lá terminou em 11 de fevereiro; nos Emirados Árabes, em 8 de março e no Kuwait, dia 11 do mesmo mês.

Os EUA seguem a fila, esgotando seu ano ecológico em 15 de março; a vizinha Argentina em 26 de junho; e no Brasil, o ano de 2019 se esgotou no dia 31 de julho. Por aqui, o que mais pesa no cálculo é a queda na capacidade de regenerar os recursos ecológicos consumidos em terras agrícolas, pastagens e áreas de pesca.

A constatação inescapável é que corremos a uma velocidade cada vez maior rumo a um desastre ecológico de proporções planetária e catastrófica. É urgente que haja conscientização e principalmente reação unida dos diferentes países e cidadãos para mudarmos — e rapidamente — nossas políticas de produção e consumo, assim como aquelas em relação à proteção ambiental.

Medidas pensadas para desacelerar e até mesmo — quem sabe? — reverter essa tendência suicida da civilização humana já foram propostas e elas contemplam ações tanto em nível de países e corporações, como em nível de mudanças de hábitos e atitudes cotidianas dos indivíduos que, se volumosas, poderiam ser capazes de impactar positivamente toda a equação.

Nunca é demais dizer que esse problema concerne a todos os terráqueos e não apenas aos ecologistas, pois estamos todos em uma grande aeronave cuja ‘queda’ já foi anunciada e, não importa agora discutir em qual assento estamos sentados, o fato é que, se um acidente houver, todos seremos igual e mortalmente atingidos.

Gilvane Felipe é mestre em História pela Universidade Sorbonne de Paris, ex-secretário de C&T e de Cultura de Goiás e ex-superintendente do Sebrae-GO.