Na aleatoriedade programada dos algoritmos que regem as redes sociais, o Facebook me enviou esses dias os melhores momentos de um jogo amistoso de 1963  entre Santos e Hamburgo – na verdade, o contrário, porque disputado em terras alemãs. O adversário dos paulistas era considerado o melhor time do futebol europeu naquela temporada, conforme diz a narração do vídeo.

Assisti aquela meia dúzia de minutos como se fosse “ao vivo”, sem saber qual seria o resultado. O jogo terminou 3 a 3, mas isso foi o de menos: o que chamava a atenção eram os movimentos corporais de Pelé (autor de dois dos três gols santistas, o outro foi de Coutinho): o jeito de correr, de tocar na bola, de caminhar e até mesmo de comemorar os gols. Algo único.

Um dos prazeres da imprensa esportiva mundial nas últimas semanas – seja com o título da Argentina comandado por Lionel Messi, seja com a morte de Pelé – foi fazer analogias para saber quem é o maior jogador de todos os tempos. Este texto é nosso pitaco nessa história, com cinco argumentos para dizer que nunca houve nem haverá um jogador como o Rei.

1) Único vencedor de três Copas como jogador

Com Pelé na seleção, o Brasil conquistou três Copas no espaço-tempo de 12 anos, algo improvável de que aconteça outra vez. Mais do que isso: são poucos os atletas que chegam a jogar em quatro copas (55, ao todo). Desses, apenas 15 ganharam ao menos uma Copa do Mundo. Dos 15, só 3 ergueram a taça mais de uma vez, todos brasileiros: Djalma Santos (1958 e 1962), Cafu (1994 e 2002) e… Pelé, o único presente no tri (1958, 1962 e 1970). Nos moldes atuais, se não mudarem a competição para um prazo bienal – ideia estapafúrdia da Fifa, mas que realmente existe –, será muito difícil alguém alcançar a marca do camisa 10 canarinho.

2) Disparidade técnica em relação aos jogadores da época

A comparação entre atletas de épocas diferentes é complexa e complicada, difícil mesmo, mas não inviável. Uma das formas de fazê-la é relacionar o nível de determinado jogador aos demais de seu tempo: por exemplo, Lionel Messi é superior em relação aos demais jogadores, não há dúvidas, mas em que nível? Certamente, não no nível que Pelé demonstrava em relação a seus colegas. É importante registrar isso também porque ele não tinha nenhum trabalho especial de treinamento ou de fortalecimento muscular – como Messi e Zico tiveram, por exemplo.

3) O único craque que também foi goleiro

No futebol, até 1958 não era permitido substituir jogadores. De 1958 a 1970, só havia substituição em caso de contusão. Somente em 1970 houve a inovação das substituições técnicas e táticas, apenas no número de duas por equipe. Foi assim que, por uma década e meia, Pelé foi uma espécie de goleiro reserva do Santos. Como tal, atuou em quatro jogos oficiais, saindo da linha para assumir as luvas (ou nem isso, porque não era então um equipamento obrigatório) depois de o goleiro da equipe se machucar ou ser expulso. E, dizem – aliás, o próprio Edson Arantes do Nascimento dizia –, o Rei dava conta do recado também com as mãos.

4) Excelência em todos os fundamentos

Passe. Lançamento. Finalização de perna direita (ou de esquerda). Cabeceio. Bola parada. Desarme. Explosão muscular. Posicionamento. Visão de jogo. Drible. Velocidade. Controle de bola. Na ficha dos grandes craques da história, todos eles têm alguma dificuldade em algum quesito. Ronaldo, o “Fenômeno”, não era um grande cabeceador. Messi e Maradona não chutam bem com a perna direita; Garrinha também não costumava finalizar com a canhota. Cristiano Ronaldo não nasceu para roubar bolas. Rivellino odiava bater pênaltis. Quem viu Pelé jogar, da arquibancada ou dentro do gramado, como companheiro de equipe ou rival, diz que ele era nota 10 em todos os atributos.

https://www.youtube.com/watch?v=dMhJR3t_nlw

5) Jogadas inovadoras

Mesmo antes da morte de Pelé, viralizou um vídeo em que mostrava que tudo o que de melhor foi feito por jogadores que vieram depois dele – as bicicletas de Cristiano Ronaldo, a precisão de Messi, as arrancadas de Ronaldo, os malabarismos de Ronaldinho Gaúcho, o drible singular de Zidane, tudo isso já fora feito por Pelé. Com um adicional de dificuldade: o Rei jogava em gramados geralmente maltratados, com bolas mais pesadas e chuteiras pouco desenvolvidas. Mais ainda: sem dezenas de câmeras – às vezes, sem registro nenhum – para documentar os feitos. Imagine se todos os jogos de Pelé, como ocorreu com os Messi e CR7, tivessem sido filmados…

A qualidade precária dos registros, quase sempre monoangular, será imediatamente esquecida pela plástica dos movimentos. É algo hipnotizante, sedutor

Mais do que argumentos, se alguém quiser bancar uma contestação sobre a primazia do maior jogador de todos os tempos, primeiro pergunte o quanto ele conhece de futebol. Depois, o quando ele viu de Pelé. Por fim, apresente alguns vídeos do Rei em campo. A qualidade precária dos registros, quase sempre monoangular, será imediatamente esquecida pela plástica dos movimentos. É algo hipnotizante, sedutor.

Mas se depois disso tudo, o contendor mantiver a mesma opinião, o caso é de teimosia pura e simples diante dos fatos. Você terá encontrado um terraplanista do futebol. Aí, então, não há mais o que discutir.