10 livros cruciais para entender o Dia D na Normandia em junho de 1944

23 junho 2024 às 00h01

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“Dizem que o ator Michael Caine mandou seus filhos de volta para a Grã-Bretanha depois que eles aprenderam numa escola americana que a Segunda Guerra Mundial começou em 1941.” — Norman Davies, “Europa na Guerra — 1939-1945” (Record, 599 páginas, tradução de Vitor Paolozzi).
Até 1943, pelo menos, a Alemanha do nazista Adolf Hitler (1889-1945) estava vencendo a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Mas desde a célebre batalha de Kursk, vencida pela soviéticos, o regime totalitário havia começado a esfacelar.
Há 80 anos, no dia 6 de junho de 1944, os Aliados (ingleses, americanos, franceses, canadenses) desembarcaram na Normandia — no Dia D — e impuseram uma derrota acachapante aos alemães. Frise-se que, em seguida, a guerra não parou — continuou por mais algum tempo.
O doutor em história Icles Rodrigues ressalva que “o Dia D foi, sem dúvida, uma batalha muito importante porque ajudou a acelerar o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas não foi ‘o início do fim’. Nem ‘a batalha que salvou o mundo’”.
Icles Rodrigues, autor de um livro crítico sobre o endeusamento do Dia D, um artifício político, acrescenta: “A ideia de que o Dia D teria sido ‘o início do fim’ foi inventada pelos aliados ocidentais, especialmente os Estados Unidos, para fazer parecer que só ali, em 6 de junho de 1944, a Alemanha começou a perder a guerra. No entanto, desde a derrota em Kursk, quase um ano antes, a Alemanha já não tinha chances reais de vencer. Desde então, os alemães nunca mais realizaram uma ofensiva” (retirei a fala do pesquisador patropi da reportagem “Dia D, 80 anos: a história do único brasileiro presente no desembarque na Normandia”). Sobre a luta em que os soviéticos venceram os nazistas, recomendo: “Kursk 1943 — La Batalla Más Grande de la Segunda Guerra Mundial” (Ediciones Salamina, 323 páginas, tradução de Isidoro Villena), do doutor em história Roman Töppel, e “Kursk, 1943 — La Batalla Decisiva” (Editorial Malabar, 594 páginas), do diplomata e doutor em História Álvaro Lozano.
O que prova o Dia D, na Normandia? Duas cousas. Primeiro, o óbvio: a superioridade dos Aliados. Segundo, o menos óbvio: os alemães — sozinhos — ainda estavam fortes em 1944.

Um brasileiro lutou na Normandia em 1944
O brasileiro que lutou na Normandia é o piloto Pierre Henri Clostermann (1921-2006). Filho de franceses, nasceu em Curitiba. Em 1940, com a França invadida pelos nazistas, seu pai, Jacques Clostermann, deu-lhe um ultimato: “Junte-se ao general De Gaule ou não será mais meu filho”.
Pierre Henri não titubeou: alistado na Força Aérea Francesa Livre (FAFL), serviu na Real Força Aérea Britânica (RAF). Pilotando aviões como Spitfire e Tempest, abateu 33 aviões inimigos, tendo destruído 225 caminhões, 72 locomotivas, cinco tanques, dois lança-torpedos e um submarino.
Ao todo Pierre Henri participou de 432 missões. Ele é autor do best-seller “O Grande Circo”, que vendeu mais de 3 milhões de exemplares. Depois da guerra, foi deputado na França. Morreu aos 85 anos.
A Segunda Guerra Mundial foi uma das grandes tragédias do século 20. Pelo menos 60 milhões (pode ter sido mais) de pessoas morreram. Os nazistas mataram 6 milhões de judeus em campos de concentração e extermínio (muitos deles foram executados — a tiros — no Leste Europeu). Ciganos, testemunhas de Jeová e homossexuais também foram assassinados. Assim como adversários políticos, como comunistas e socialdemocratas.
1 — La Historia Secreta del Día D — Ben Macintyre

“La Historia Secreta del Día D — La Verdad Sobre os Superspías Que Enganãron a Hitler” (Crítica, 474 páginas, tradução de Ricardo Artola), de Ben Macintyre, é um desses livros de história com revelações extraordinárias.
Os militares aliados derrotaram, no chamado Dia D (o correto talvez fosse Dias Ds), em 6 de junho de 1944, as poderosas forças armadas da Alemanha do nazista Adolf Hitler. A guerra se decide nos finalmentes, quer dizer, nos campos de batalha.
Entretanto, a vitória não começou no campo de batalha, e sim quando os Aliados conseguiram despistar os alemães, insinuando que desembarcariam num determinado ponto, em Calais, mas atacaram noutro lugar, na Normandia.
Os alemães foram ludibriados por uma armação articulada pelo serviço secreto inglês. Tom (Tar) Robertson), do MI5, montou, com auxílio de outros colegas, uma rede de espionagem e contraespionagem altamente eficiente.
O MI5 treinava um agente, às vezes um indivíduo relativamente comum, e o qualificava para se tornar um agente duplo — tanto inglês quanto alemão. Aquele que parecia espionar para os alemães estava muito mais espionando para os britânicos. Era o “Sistema da Doble Cruz” (Dupla Cruz).
Na Conferência de Teerã, em novembro de 1943, Churchill disse a Stálin: “Em tempos de guerra, a verdade é tão preciosa que sempre deveria estar protegida por uma série de mentiras”. O ditador soviético retrucou, não muito satisfeito com o palavrório do aliado: “Isto é o que chamamos de astúcia militar”.
Os britânicos montaram a Operação Bodyguard para despistar o governo de Hitler a respeito do ataque na França.
Espiões a serviço dos britânicos começaram a passar informações secretas e falsas, às vezes apenas relativamente verdadeiras, para os alemães, que caíram como patinhos. Graças à rede, a invasão da Normandia foi tremendamente facilitada. A Operação Fortitude deu os melhores resultados.
O excelente livro de Ben Macintyre conta a história dos espiões que os britânicos infiltraram nas redes nazistas. Cinco espiões formaram o núcleo da Dupla Cruz. “Os Espiões do Dia D eram, sem dúvida, uma das unidades militares mais estranhas. Incluíam uma peruana bissexual, Elvira Concepción Josefina de la Fuente Chaudoir (a história dela é interessantíssima); um pequeno piloto polonês, Roman Czerniawki; uma francesa volúvel, Lily Sergeyev; um sérvio sedutor, Dusan “Dusko” Popov, e um espanhol profundamente excêntrico, Juan Pujol García (Garbo), que era criador de galinhas.”
Há um livro mais geral, de Max Hastings: “La Guerra Secreta — Espías, Códigos y Guerrillas, 1939-1945” (Crítica, 790 páginas, tradução de Cecilia Belza e David León). O escritor e fascista brasileiro Plínio Salgado é citado, na página 591. O brasileiro teria “prometido grandes coisas para a causa alemã”, mas “não deu em nada”.
Os dois livros não foram traduzidos no Brasil. Em português pode ser consultado “Garbo — O Espião Que Derrotou Hitler” (Relume Dumará, 339 páginas, tradução de Luciana Aché), do jornalista espanhol Javier Juárez.
2
Alemanes en Normandía — Richard Hargreaves

Poucos livros tratam do Dia D incluindo de maneira ampla a visão dos alemães. “Alemanes en Normandia — Desde el Desembarco Hasta la Toma de París” (Inedita Editores, 404 páginas, tradução de Darío Romaní), de Richard Hargreaves, mostra como os germânicos reagiram ao ataque dos Aliados, em 1944.
Hargreaves diz que sua narrativa busca contar uma “história humana de homens que combateram, e em muitos casos morreram, defendendo a Festung Europa; de como atuaram e reagiram, desde Hitler e Erwin Rommel, até o mais humilde soldado entrincheirado para salvar a vida, na Normandia, sob um bombardeio de morteiros e bombas. (…) Não importa o odioso que era o regime ao qual servia, o soldado alemão na Normandia lutou de maneira valorosa e, em sua maioria, honradamente, e sempre contra uma imensa superioridade material e numérica do inimigo”.
Os alemães estavam conscientes de que 1944 seria o ano decisivo da guerra. “Cada homem [alemão] sabia que 1944 seria o ano decisivo no Oeste”, ou seja, na retomada dos países invadidos pelos nazistas, como a França e a Bélgica. “O moral” dos militares germânicos “era alta”.
O general Erich Marcks, ligado a Rommel, “estava seguro de que a invasão se daria na Normandia”. Mas o oficial “acreditava” que os aliados seriam derrotados pelos alemães. O general Friedrich Dollmann também avaliava que os Aliados atacariam na Normandia.
O suboficial Helmut Gunther afirmou: “Na Rússia havíamos lutado homens contra homens. Sabíamos que na Normandia haveria um combate de homens contra máquinas. Já não esperávamos uma vitória total, mas sentíamos um absoluto sentido de lealdade”.
Rommel disse ao subordinado Helmuth Lang: “A guerra se ganhará ou se perderá nas praias. Tanto para os Aliados quanto para a Alemanha será o dia mais longo”.
Herbert Werner relatou: “Nunca falávamos da invasão, mas pensávamos incessantemente nela… e em nossa morte”.
Hitler, Rundstedt e Rommel, como os oficiais alemães, não acreditavam que os Aliados atacariam na Normandia, e sim em Calais.
No dia do ataque, oficiais alemães estavam jogando cartas. “Os aviões voavam tão baixo que tínhamos a sensação de que quase tocavam o telhado”, escreveu o general Joseph Reinchert. Os militares “não tinham ideia do que estava ocorrendo”.
Ainda que pegos de surpresa, os alemães reagiram furiosamente, atacando os militares aliados. Na praia Omaha as tropas da Alemanha mataram centenas de aliados. Mas, como afirma Hargreaves, “na Normandia não havia uma Muralha do Atlântico — só uma linha de fortificações esporádicas e incompletas”.
“Três horas depois de os americanos terem colocado os pés em Omaha, sua posição seguia sendo precária. A área [a praia] estava repleta de mortos e feridos, seu equipamento estava no fundo do mar ou esparramado pela praia junto às crateras provocadas pelos morteiros”, anota Hargreaves.
Porém, com a intensa pressão dos Aliados, muitos soldados alemães se rendaram ou abandonaram seus bunkers e fugiram. Mesmo assim, “o soldado alemão em Omaha deu tudo de si”.
Os comandos alemães, de Hitler aos generais, falharam mais do que os quase inermes soldados, que esperavam uma ajuda (aviões, por exemplo) que não chegou. O que faltou? Decisão. Hitler e os generais demoraram a reagir e, mesmo quando o fizeram, não atuaram de forma articulada, por exemplo com o apoio dos aviões da Luftwaffe. A superioridade aérea dos aliados alarmou o general Fritz Bayerlein.
“Ficou-nos muito claro que nós enfrentávamos uma força irresistível que não poderíamos conter”, assinalou o oficial Werner Fiebig. “As coisas pareciam bastante tristes já que não víamos possibilidade de expulsá-los [os aliados]. A sensação de não poder enfrentar, de que tudo era em vão, já se havia infiltrado em nossos pensamentos”, lamentou o oficial Helmut Liebeskind.
Apesar do desânimo, os soldados e oficiais alemães continuaram a lutar e Rommel acreditava na vitória. “O problema era que os contra-ataques alemães se davam de modo desordenado. Depois de três dias de batalha, o exército alemão não havia conseguido lançar uma só contraofensiva coordenada.”
Hargreaves postula que “nenhum fator pesou mais para os homens que defendiam a Normandia que o poder dos Aliados no ar”. “Simplesmente não há resposta a isto”, escreveu Rommel para sua mulher.
Entretanto, Hargreaves ressalva: “As dificuldades na Normandia iam além da carência de uma força aérea eficaz. O Landser [soldado] sofria uma materialschlacht, uma batalha de desgaste, em uma escala sem paralelo. A tremenda magnitude do ataque aliado e o massacre que as tropas alemãs sofriam em terra por causa dos ataques dos caças-bombardeiros, do canhonaço naval, e dos morteiros e das peças de campanha que o inimigo havia levado para terra eram simplesmente muito pesados. Quadros inteiros de oficiais subalternos haviam sido aniquilados — deixando Rommel e Rundstedt um tanto às escuras sobre os combates na costa”.
Depois de acreditar na vitória, Rommel admitiu, em carta para sua mulher, que era o fim. Não havia como vencer os Aliados na Normandia. A guerra estava perdida.
3
O Dia D — Icles Rodrigues

A Segunda Guerra Mundial parece ser um assunto de ingleses (os melhores historiadores do período são britânicos. Falo de Richard Evans, Richard Overy, Andrew Roberts, Antony Beevor, Ian Kershaw e Max Hastings), alemães (Peter Longerich e Brendan Simms são extraordinários) e americanos. Os franceses estão, quem sabe, no quarto lugar. Pesquisadores brasileiros escrevem pouco sobre a batalha que reconfigurou o mundo no século 20. Francisco Ferraz, Dennison de Oliveira, Cesar Maximiano publicaram obras de qualidade sobre os pracinhas — militares patropis que lutaram, na Itália, contra o nazifascismo. Poucos enfrentaram a “batalha geral”. Ferraz e Oliveira têm livros bons sobre a luta global, mas sintéticos.
Mas Icles Rodrigues, doutor em história pela Universidade Federal de Santa Catarina, enfrentou o monstro e publicou um livro muito bom: “O Dia D — Como a História se Tornou Mito” (Contexto, 335 páginas).
O livro de Icles Rodrigues tem a vantagem de conter uma história crítica, não é mais um oba-oba sobre o Dia D, na Normandia, e o poderio devastador dos Aliados — irmanados ingleses, americanos, franceses, canadenses (e até um brasileiro) — contra os nazistas de Adolf Hitler e Erwin Rommel.
Icles Rodrigues começa esclarecendo que “a letra ‘D’ é uma abreviação de day, o que na prática faz com que a expressão signifique ‘Dia dia’, designando o dia de um ataque. Contudo, ao final da Segunda Guerra Mundial, o termo acabou se estabelecendo como referente apenas ao dia em que a Operação Overlord resultou na chegada de centenas de milhares de soldados aliados ao litoral norte da França”.
O foco de Icles Rodrigues “é menos a batalha em si e mais o entendimento de como ocorre a mitificação do evento histórico que ganhou magnitude, a partir de seu aniversário de 40 anos, por meio da atuação política de diferentes governos, da indústria cultural, do mercado editorial, das memórias publicadas de ex-combatentes e dos desdobramentos da memória coletiva”.
Entre os que mitificam a história do Dia D estão Stephen E. Ambrose, Tom Brokaw e Steven Spielberg (diretor do filme “O Resgate do Soldado Ryan” e da série “Band of Brothers”). De acordo com Icles Rodrigues, no plano político, o governo do presidente Ronald Reagan, dos Estados Unidos, “deu o pontapé inicial para o esforço sistemático de mitificação do Dia D”.
Ao contrário de outros autores, Icles Rodrigues valoriza a Resistência Francesa. “A Resistência foi mais eficiente por quilo de explosivos empregado do que os ataques aéreos. A resistência colaborou com o sucesso da invasão cortando fios de comunicação e dificultando muito o contato dos alemães durante a Operação Overlord.”
4
O Dia D — Antony Beevor

O britânico Antony Beevor é um dos mais qualificados historiadores da Segunda Guerra Mundial. Escreveu vários livros sobre o assunto. Todos de qualidade. “O Dia D — A Batalha Pela Normandia” (Record, 712 páginas, tradução de Maria Beatriz de Medina) é um dos deles.
Quando os Aliados estavam preparando o ataque à Normandia, o comandante-supremo Eisenhower pediu para localizarem um soldado de seu Estado, o Kansas.
Enviaram o jovem Oyler, de Wellington, cidade do Kansas. O general perguntou se o militar tinha medo, e ele admitiu que sim. O futuro presidente americano respondeu: “É, só um idiota não teria medo. Mas o truque é ficar em movimento. Quando a gente para, quando começa a pensar, perde o foco. Perde a concentração. Vira baixa. A ideia, a ideia perfeita, é ficar em movimento”. Os soldados gostavam da prosa simples e direta de generalíssimo.
Antony Beevor conta histórias de soldados e oficiais tanto aliados quanto nazistas. Ao construir uma história geral da batalha na Normandia — e mesmo antes dos ataques —, o historiador não deixa escapar a questão individual, a singularidade de cada um, com seus medos e sua coragem, no teatro da pré-guerra e da guerra.
Os alemães perderam a batalha na Normandia. Mas a região ficou arrasada. Porém, assinala Antony Beevor, “o cruel martírio da Normandia salvara o resto da França. (…) No total, 19.890 franceses foram mortos durante a libertação da Normandia, e um número ainda maior ficou gravemente ferido. Isso sem falar dos 15 mil franceses mortos e 19 mil feridos durante o bombardeio preparatório da Operação Overlord nos primeiros cinco meses de 1944. Dá o que pensar o fato de que 70 civis franceses foram mortos pela ação aliada no decorrer da guerra, número que excede o total de britânicos mortos pelo bombardeio alemão”.
De acordo com Antony Beevor, “as baixas continuaram a aumentar depois da libertação devido às granadas e minas não detonadas. Perto de Troarn, dizem que morreu mais gente depois da batalha do que durante a luta. Muitas crianças morreram ao brincar com as granadas e a munição que encontravam, abandonadas pelos dois lados”.
O pesquisador ressalta que “só no departamento de Calvados, 76 mil pessoas perderam suas casas e praticamente tudo o que possuíam. A pilhagem e os danos desnecessários causados pelos militares aliados só aumentaram a amargura sentida por muitos nas emoções fortes e confusas da libertação”.
Nos vilarejos e áreas campestres, assinala Antony Beevor, “grandes extensões de terra foram devastadas, com crateras de bombas, árvores desfolhadas e pomares destruídos”. Morreram centenas de animais, como vacas.
Antony Beevor postula que, “apesar do desdém dos propagandistas soviéticos, a batalha da Normandia certamente foi comparável às da frente oriental. Durante os três meses do verão, a Wehrmacht [forças armadas da Alemanha] sofreu quase 240 mil baixas e perdeu mais 200 mil homens aprisionados pelos Aliados. O 21º Grupo de Exércitos, formado por britânicos, canadenses e poloneses, sofreu 83.045 baixas, e os americanos, 125.847. Além disso, as forças aéreas aliadas perderam 16.714 homens, mortos ou desaparecidos em ação”.
5
Normandía 1944 — James Holland

“Normandía 1944 — El Dia D y a Batalla por Francia” (Atico de los Libros, 928 páginas, tradução de Joan Eloi Roca), do historiador James Holland, é considerado um dos livros mais atualizados sobre a grande derrota na Alemanha e a grande vitória dos Aliados.
De acordo com James Holland, numa síntese fornecida pela editora, pesquisas anteriores “ignoraram a escala e complexidade do esforço bélico aliado, assim como as limitações táticas, operacionais e estratégicas das forças alemãs”.
James Holland obteve acesso a documentos e depoimentos inéditos, “que vão desde soldados rasos até generais, passando por pilotos de bombardeiros, enfermeiras e membros da Resistência” Francesa.
Ao mesmo tempo que é um pesquisador consciencioso, James Holland é visto como um excelente narrador. Então, une o rigor da pesquisa a um texto que o aproxima dos escritores. Por isso seus críticos dizem que a obra é uma narrativa épica.
A batalha da Normandia assemelha-se, quem sabe, à guerra de Troia. O “cavalo de Troia” foi a Operação Fortitude (Fortaleza), o sistema de espionagem, com agentes duplos, que enganou Hitler e seus generais. Os nazistas acreditavam que a guerra se travaria numa região, pois haviam “comprado” informações falsas, mas ela se deu na Normandia, o que abalou suas forças.
O livro ainda não foi traduzido no Brasil nem em Portugal. Pode ser lido em inglês, o idioma do autor da pesquisa, ou em espanhol.
Há quem diga que a obra de James Holland nasceu clássica.
6
Dia D — Nigel Cawthorne

“Dia D — Amanhecer de Heróis” (M. Books, 248 páginas, tradução de Ricardo Souza), de Nigel Cawthorne, não é um livro profundo, exaustivo. Mas tem seus méritos.
Em poucas páginas, e de maneira concisa, Cawthorne conta, com precisão, o que aconteceu na Normandia. Leitores que não têm a intenção de se tornar especialistas — no Brasil há vários “normandiólogos” — sairão relativamente bem-informados. A prosa do autor é clara e agradável.
Cawthorne começa informando que “os desembarques do Dia D fizeram parte da maior invasão marítima da história. Estavam na Normandia, para combater o sistema nazista, britânicos, americanos, canadenses, franceses e poloneses”. Judeus alemães e outros estrangeiros participaram das forças armadas aliadas. Era uma frente global contra o nazismo.
“Mais de 1 milhão de homens” participaram de uma das maiores guerra da história. Uma Guerra de Troia super ampliada.
John Kennedy, que mais tarde se tornou presidente dos Estados Unidos, disse que Winston Churchill, o primeiro-ministro da Inglaterra, “mobilizou a língua inglesa e enviou-a ao combate”. Não é apenas uma frase de efeito. De fato, o líder britânico, com suas palavras cortantes de incentivo, levantou não apenas os ingleses, e sim, talvez, a maioria dos europeus.
Em 1944, Hitler era uma espécie de rei sem nobreza da Europa, pois controlava a França, a Polônia, a Áustria (anexada), a Noruega, a Holanda e a Bélgica. Um pouco antes, em 1942, na primavera, “os alemães já haviam sofrido 1.150.000 baixas na Frente Oriental. No entanto, as baixas soviéticas superavam 4 milhões”.
Hitler e seus generais, a maioria deles, acreditavam na celebrada (pelos alemães) Muralha do Atlântico, que “foi o nome dado à linha de fortificações costeiras construídas pelos alemães e que se estendia desde o extremo norte da Noruega até a Espanha”. Talvez seja possível sugerir que, no fundo, era uma espécie de linha Maginot dos alemães. Quase uma ficção bélica.
Generais chegaram a sugerir a Hitler que seria “suicídio militar tentar defender uma linha longa e estática”. Mas o engano supremo foi acreditar que a batalha se daria “ao longo do Pas de Calais”, e não “ao longo da costa de Calvados, na Normandia”, lugar onde os aliados planejavam atacar e atacaram.
Os aliados entraram na Normandia na madrugada de 6 de junho de 1944, há 80 anos. Chegaram de paraquedas e pelo mar, num ataque de tal magnitude que surpreendeu e abalou os alemães.
O vilarejo de St. Mère-Église “foi a primeira localidade na França a ser libertada e a bandeira dos Estados Unidos foi pendurada em frente à prefeitura”. Mas os alemães reagiram e mataram vários americanos.
Como outros pesquisadores, Cawthorne conta histórias de soldados e oficiais que participaram do Dia D.
7
Normandia — David Mason

“Normandia — Do ‘Dia D’ à Derrocada” (Renes, 160 páginas, tradução de Edmond Jorge), de David Mason, é de 1968 e os estudos sobre o Dia D avançaram, com novas revelações.
Mas David Mason conta muito bem a história do Dia D e o livro custa poucos reais (não é difícil comprar um exemplar pelo Estante Virtual — por 8 reais).
Na introdução, sir Basil Liddell Hart, um grande estudioso das guerras, escreve: David Mason “relata com brilhantismo a impetuosa energia de Patton cujo recém-chegado 3º Exército agora se encarregava da ‘complementação’”.
Mas, ressalta Basil Liddell Hart, David Mason “também dá o devido crédito ao importante papel desempenhado por John S. Wood, comandante da 4ª Divisão Blindada que foi a ponta-de-lança da penetração decisiva em Avranches a 31 de junho, bem como do avanço explorador pela Bretanha”.
Basil Liddell Hart enfatiza que, “ademais, a narrativa de Mason põe em relevo a previsão excepcional de Wood, em contraste com seus superiores mais conservadores, e até mesmo com Patton, ao insistir numa conversão inicial para leste em lugar de se perder tempo e esforço em tentar capturar os portos da costa oeste da França, que se haviam tornado relativamente sem importância”.
David Mason valoriza mais o esforço americano, poderão sugerir os britânicos. “Mas, como foram os americanos que conseguiram abrir uma brecha para sair da cabeça-de-praia, por maior que fosse a contribuição indireta dos britânicos pela pressão e ameaça feita no outro flanco, esta dimensão que ele dá é correta”.
8
O Mais Longo dos Dias — Cornelius Ryan

Há livros que envelhecem mal e há livros que envelhecem bem. Amigos versados na Segunda Guerra Mundial, que costumo chamar de segundoguerrófilos, não têm tanto apreço por “O Mais Longo dos Dias” (L&PM, 374 páginas, tradução de William Lagos), de Cornelius Ryan. Pois, ao contrário deles, aprecio a história do escritor e jornalista irlandês. Porque ele conta muito bem o que aconteceu no Dia D, na Normandia, como prosador, dado o caráter literário do texto, por assim dizer, mas sem perder a dimensão histórica — quer dizer, a precisão factual.
O livro de Cornelius Ryan (1920-1976) exibe a guerra do Dia D como uma coisa viva. Durante a leitura, fica-se com a impressão de que se está praticamente participando dos combates, tal a força narrativa do autor. A obra é tão boa que gerou um belo filme, “O Mais Longo dos Dias” (uma fala de Rommel, tudo indica), com direção de Ken Annakin, Andrew Marton, Bernhard Wicki e Darry F. Zanuck e os atores Robert Mitchum, John Wayne, Richard Burton, Sean Connery, Henry Fonda, Sean Wayne. O roteiro é de Romain Gary, com a participação de outros, inclusive do autor.
Ao cobrir o Dia D, Cornelius Ryan era um “experiente” repórter de 24 anos e trabalhava para a agência de notícias Reuters e para o jornal britânico “London Daily Telegraph.
Cornelius Ryan começa o prefácio assim: “A Operação Overlord, a invasão da Europa pelos aliados, começou precisamente quinze minutos após a meia-noite de 6 de junho de 1944 — na primeira hora de um dia que seria para sempre conhecido como o ‘Dia D’. Nesse momento, alguns homens especialmente escolhidos da 82ª e da 101ª Divisões Aerotransportadas do exército americano saltaram de seus aviões à luz do luar sobre a Normandia”.
“Cinco minutos mais tarde e a 80 quilômetros de distância, um pequeno grupo de homens da 6ª Divisão Aerotransplantada britânica pulou de seus aeroplanos. Esses homens exerciam a função de batedores e tinham a missão de acender fogueiras para iluminar as zonas de lançamento dos paraquedistas e tropas de infantaria transportadas por planadores, que deveriam segui-los em breve”, anota Cornelius Ryan.
As tropas aliadas atacaram em cinco praias, no início da invasão: Utah, Omaha, Gold, Juno e Sword. “Quase 5 mil navios” transportaram “mais de 200 mil soldados, marinheiros e guardas costeiros”.
9
Overlord — Max Hastings

“Overlord — O Dia D e a Batalha da Normandia 1944” (Casa das Letras, 638 páginas, tradução de Isabel Veríssimo), de Max Hastings, é um dos melhores livros sobre a guerra travada na França. Trata-se de uma edição portuguesa.
Além de contar a história tradicional — a batalha entre Aliados e alemães —, Hastings relata o que aconteceu com os alemães, depois da derrota, quando fugiam dos inimigos, tentando escapar de bombardeios tão intensos quanto letais. “O grosso do exército alemão na Normandia ficou, para viver um dos grandes pesadelos da história da guerra na Brecha de Falaise. Massacradas com bomba de norte e de Sul e ataques de caças-bombardeiros desde o amanhecer até ao anoitecer, as longas colunas de homens, carruagens puxadas por cavalos e os poucos carros de combate e veículos sobreviventes seguiam lentamente para leste, passando pelos seus mortos não enterrados nas bermas das estradas e nos campos, pelas carcaças fedorentas de incontáveis centenas de cavalos e gado bovino, pelas ruínas de carros de combate Panther e meias-lagartas, carros e caminhões de campanha, as últimas esperanças dos exércitos de Hitler em França”.
Os alemães perderam 450 mil homens na Normandia — “240 mil dos quais mortos ou feridos”. Entre os Aliados as baixas chegaram a 209.672 homens, com 36.976 mortes. “As perdas britânicas e canadianas [canadenses] ascenderam a dois terços das que foram sofridas pelos americanos.”
Como os Aliados não conseguiram fechar rapidamente a brecha ao Sul de Falaise, parte significativa do exército alemão escapou. “Vale realçar que a fração de forças alemães que fugiu foi minúscula comparativamente com o que foi destruído. Apenas 24 carros de combate e 60 canhões atravessaram o Sena de ferry para leste. Pouco mais de 20 mil alemães escaparam à bolsa, apenas com a roupa que tinham no corpo e as suas armas pessoais.”
Hastings sugere que o general Omar N. Bradley, sabendo que o exército alemão “já estava a ser devastado por ataques aéreos e massacrado pela artilharia”, teria optado por não “exceder”. Os militares nazistas não ofereciam “risco significativo para os exércitos aliados”.
Como os Aliados venceram, pouco se discute a respeito das qualidades militares alemãs. Pois Hastings não foge ao debate. “Na batalha da Normandia, quando as tropas Aliadas enfrentaram alemães em termos iguais”, os militares de Hitler “prevaleceram quase sempre”.
De acordo com Hastings, “os Aliados não conseguiram penetrações decisivas em parte alguma contra as formações alemãs de elevada qualidade enquanto estas não foram desgastadas pelo atrito e arruinadas pelos ataques aéreos”.
O historiador britânico ressalta que “qualquer tentativa aliada de envolvimento antes de as forças alemães estarem à beira da destruição por desgaste teria sido muito prejudicial para os atacantes”.
O pesquisador enfatiza que, “na Normandia, os Aliados enfrentaram o melhor exército de combate de guerra, um dos maiores que o mundo já viu”.
“A qualidade das armas alemãs — acima de tudo os carros de combate — teve uma enorme importância”, frisa Hastings.
Segundo Hastings, “a liderança subalterna” dos alemães “foi muito superior à dos americanos, e talvez também dos britânicos”.
“Poucas unidades de infantaria americanas chegaram à Normandia com uma noção de estratégia básica — uma falha pela qual muitos homens pagaram com a vida”, anota Hastings. “A margem de superioridade profissional alemã foi suficiente para causar muitas dificuldades aos Aliados.”
Os generais Bernard L. Montgomery e Bradley sabiam das deficiências dos militares aliados, em nível de soldados e oficiais, mas, como postula Hastings, o objetivo era vencer a guerra. Para tanto, souberam usar a imensa estrutura aliada para derrotar as tropas de Hitler.
Hastings faz questão de admitir “que foi a superioridade de matériel dos Aliados que lhes permitiu prevalecer até ao fim, auxiliados por uma estratégia competente e um desempenho sólido da maioria dos seus homens na frente de combate”.
“A invasão” da Normandia, iniciada no dia 6 de junho de 1944, “foi um produto de organização e trabalho extraordinários, mas também de um maravilhoso engenho técnico”.
A Luftwaffe tinha 570 e os Aliados 14 mil aviões. No front ocidental, os alemães operavam com 100 carros de combate e os Aliados com 2 mil.
Hastings lembra que os alemães levaram a guerra até maio de 1945, quase um ano depois do brutal confronto na Normandia. Na batalha de Arnhem, os nazistas “encontraram força para deter o avanço do XXX Corpo de Horrocks”.
Mas, para o bem da Humanidade, os Aliados venceram a guerra. É o que, independentemente de discussões sobre forças mais poderosas ou não, realmente importa.
10
As Mulheres do Dia D — Sarah Rose

“As Mulheres do Dia D — A História Real das Espiãs Que Sabotaram os Nazistas e Ajudaram os Aliados a Vencerem a Guerra” (Sextante, 384 páginas, tradução de Bruno Fiuza e Roberta Clapp), de Sarah Rose, é um desses livros extraordinários que, de alguma maneira, reabrem a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) — tornando-a, por assim dizer, mais inclusiva.
Lendo as grandes histórias da Segunda Guerra Mundial fica-se com a impressão de que, entre 1939 e 1945, só existiam homens no mundo. As mulheres estavam, digamos, em Marte — esperando a batalha acabar. Mas a vida real manda um recado: isto é tão falso quanto uma nota de 500 reais.
As mulheres não estavam dormindo, nem escondidas. Estavam operando, ao lado dos homens, em vários fronts.
Na espionagem, por exemplo, pelo menos duas mulheres foram decisivas na formatação da Operação Fortitude, pelo qual os Aliados enganaram os nazistas da Alemanha. A francesa Lily Sergeyev e a peruana Elvira la Fuente Chaudoir participaram ativamente da operação para ludibriar os alemães — que “compraram” informações de que os Aliados desembarcariam em Pas de Calais, quando, na verdade, desembarcariam, como desembarcaram, na Normandia. As duas mulheres foram extremamente hábeis e importantes. Graças às suas ações, nem sempre valorizadas, menos homens morreram nos campos de batalha.
Sarah Rose, no seu livro, conta a história de três mulheres que contribuíram com a resistência ao nazismo, inclusive para e no Dia D.
Perseguida pelos alemães, a parisiense Andrée Borrel, ao mesmo tempo que colhia informação, explodia linhas de energia elétrica.
Odette Samson prestou serviços cruciais aos Aliados. Integrante da elite francesa, Lise de Baissac passou informações decisivas para os Aliados.
As três mulheres eram operacionais. Ou seja, pegaram no pesado, não lidaram apenas com informações. “Destruíram linhas de trem, emboscaram nazistas, tramaram fugas de prisioneiros e reuniram informações cruciais de Inteligência, preparando o terreno para o Dia D, o ponto de virada da guerra”, assinala Sarah Rose no seu belo livro.
Na União Soviética, várias mulheres atuaram na guerra como atiradoras de elite. Algumas snipers se consagraram por matar alemães. Outras pilotaram aviões.
Em definitivo, os historiadores precisam incluir as mulheres na história. Porque, na realidade, já estão na história — o que falta mesmo é o registro da participação delas na, digamos assim, formatação dos grandes fatos.
Na Segunda Guerra Mundial, e não está depreciando a profissão (uma das mais importantes), as mulheres não trabalharam apenas como enfermeiras.
O interesse de historiadoras e escritoras pela Segunda Guerra Mundial — que parecia interesse exclusivo de homens — vai, por certo, acabar (ou ao menos reduzir) com o latifúndio masculino neste campo.
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