Em “Bang”, Emicida desabafa sobre sua realidade. Nela, os amigos do gueto morrem, o rap se perde em vaidade, a sociedade é racista e não possui o mínimo de consciência de classe. O rapper discorre ainda sobre os prejuízos da falsa fama e a ilusão da felicidade. Ao citar “São velhas agonias, novas tecnologias” na faixa do álbum O Glorioso Retorno de Quem esteve aqui, ele se refere à eterna busca por soluções para as questões que percorrem a humanidade desde a sua formação. A fome, o desemprego, a desigualdade, a violência, o racismo, o tráfico de pessoas, a depressão e a solidão ainda são realidades no mundo. Apenas 4% da população tem acesso à Inteligência Artificial. Quem tem se beneficiado com a transformação digital? Para quem o mundo tem melhorado? 

“Quando a IA se encontra com a Inteligência Humana”, ministrada pelo futurista e professor Gil Giardelli, foi destaque do CoopTech, seminário de inovação realizado na última semana em Goiânia. Com humanidade, sensibilidade e cuidado, ele falou sobre o fim das fronteiras com o avanço da tecnologia, explorou a criatividade humana, revelando como a inteligência humana e a artificial se influenciam mutuamente. Além disso, o professor explicou o medo da população que teme ser substituída pela tecnologia e pela Inteligência Artificial (IA). A transformação digital, acelerada pela pandemia da Covid-19, escancarou problemas sociais e mostrou como a população não estava preparada para um avanço tão rápido da tecnologia no país.

“Com grandes mudanças, é comum o pânico, todo dia vemos uma notícia trazendo pânico tecnológico e informando que o mundo vai acabar com o avanço da tecnologia. É o fim das fronteiras e a aldeia global em prática. A partir daí, para quem serão pagos os impostos? Como será a nova lei trabalhista? Teremos que repensar o mundo”, questionou Giardelli. 

O professor refletiu sobre a mudança nas relações sociais e citou o filme “Her”, dirigido por Spike Jonze, onde um homem solitário que se relaciona amorosamente com um sistema operacional eletrônico. Ele também questionou os problemas decorrentes do avanço tecnológico desenfreado. Recentemente, em seu novo relatório anual, a Internet Watch Foundation (IWF) disse ter encontrado quase 3 mil imagens de abuso infantil feitas por inteligência artificial que violam as regras do Reino Unido. Apenas em 2022, a ONG NCMEC (National Center for Missing & Exploited Children) recebeu mais de 31,9 milhões de denúncias de material de abuso infantil, sendo mais de 611 mil advindos do Brasil.

A inteligência artificial (IA) tem se mostrado uma ferramenta revolucionária, capaz de auxiliar desde atividades cotidianas até em análise de dados para descobertas científicas. Ao mesmo tempo, tem sido usada de forma criminosa e dificultado o combate à pedofilia, aos crimes cibernéticos e revelado facetas obscuras do ser humano. Para Giardelli, o avanço desenfreado da tecnologia prejudicou as relações sociais e evidenciou a solidão humana. 

Ele citou o exemplo de um dia em que estava participando de uma feira de robótica na cidade de Tóquio, no Japão. Os pets robôs no Japão já existiam antes do isolamento social imposto pela pandemia e também têm sido bastante comercializados em Nova York, nos Estados Unidos. Na feira, uma senhora, de aproximadamente 78 anos, comprou um cachorrinho robô e o Gil Giardelli ficou intrigado pensando “Por que não adotar um dos milhares de caramelos que existem por aí?”. Ele, então, resolveu se aproximar da idosa e perguntar o porquê da preferência. “Porque eu não preciso levar ele para passear, quando estiver cansada é só desligar e não me sinto tão sozinha”, disse ela. Para a senhora, já debilitada fisicamente, morar sozinha e cuidar de um cachorro de verdade era difícil, mas o robô possibilitava uma vida menos solitária. Veja aqui o vídeo de uma propaganda do cachorro robô.

Gil Giardelli durante palestra no CoopTech. | Foto: Divulgação

“Pandemia” na saúde mental 

Novos dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados nesta sexta-feira, 27, revelaram que os indicadores de envelhecimento da população brasileira atingiram níveis recordes. A faixa etária de 65 anos ou mais agora representa 10,9% da população total do país, levando o Brasil para a principal preocupação dos países mais desenvolvidos: o envelhecimento da população. Países, como o Reino Unido, criaram ‘ministérios da solidão’ para combater a solitude de 9 milhões de britânicos que vivem sozinhos e 1,2 milhão de idosos que se sentem permanentemente solitários, em isolamento que foi agravado pela crise do coronavírus.

A velhice é uma das fases mais difíceis da vida, onde o abandono, a solidão e os problemas de saúde se tornam realidades recorrentes. Um terço dos idosos brasileiros relatam sintomas depressivos, revelou pesquisa da Unicamp. Em Goiás, frequentemente a Polícia Civil resgata idosos em situação de maus tratos. É preciso um olhar mais atento à essa população que tanto já contribuiu para o País.

Não só os idosos, mas o Brasil apresenta uma multidão de ansiosos e deprimidos. É uma espécie de “2ª pandemia”, só que agora na saúde mental. “É tristeza o nome da doença, a pior que tem”. O país adoece mentalmente e o governo faz muito pouco ou quase nada para diminuir os índices de suicídios, cada vez mais altos. O total de óbitos no país por lesões autoprovocadas dobrou de cerca de 7.000 para 14 mil nos últimos 20 anos, segundo o Datasus. 

Para o psicólogo Leandro Borges, a sociedade está cada vez mais cética e procurando respostas na ciência. “A pós-modernidade é marcada pela queda da tradição. As coisas que cimentavam a sociedade até então não cimentam mais”, explicou. O mundo é cada vez mais veloz, a gente espera dele e ele espera de nós, cantou Lenine. A sociedade tem o desafio de acompanhar as rápidas mudanças enquanto tenta não se adoecer com elas. 

Novas tecnologias não anulam velhas agonias  

Iniciativas como a dos pets robôs são bons exemplos da tecnologia usada a favor do ser humano, mas a transformação digital e a IA não parecem ser capazes de resolver os problemas mais antigos da humanidade. As questões da alma, essas só podem ser resolvidas com olhares mais humanos. A palavra “empatia” se tornou massante de tão usada, então falaremos de alteridade: reconhecer-se no lugar do outro. “Empatia é perceber que algo está errado, compaixão é arregaçar as mangas e ajudar na solução”, explicou Giardelli durante a palestra. 

“Há evidências de que algo fantástico está vindo por aí, juntando o melhor dos humanos com o melhor da tecnologia. O conceito de aldeia cósmica vai mudar. Tudo indica que vamos nos encontrar com as pessoas que já se foram em novas vidas, em outras dimensões. O ser humano é único e incapaz de ser substituído. A Ia só uma área de inteligência, enquanto o ser humano tem 6”, finalizou o professor e futurista. 

Quem é quem nessa multidão?
Hei, olhe ao seu redor, camarada
Pra que as trevas não levem seu brilho
Pra que as coisas não saiam do trilho
Em todo momento atenção
Hei, olhe ao seu redor, camarada
Pra que as trevas não levem seu brilho
Pra que as coisas não saiam do trilho

Adriana Drê em Bang, de 2013.