A história está repleta de exemplos em que futebol e política caminharam juntos em escândalos para promoção de times, políticos, empresas. Episódios assim estão mais próximos de nós do que podemos imaginar, por vezes até em situações locais.

Na última segunda-feira, um protagonista desses esquemas morreu vítima de um quadro de infecção pulmonar aguda provocada por leucemia. Estou falando de Silvio Berlusconi, um dos maiores dirigentes da história do A.C. Milan e também ex-ministro da Itália.

Como antigo dono do clube Rossoneri, ele conseguiu resgatar o time de uma crise que parecia não ter fim e colecionou dezenas de títulos importantes, como troféus de Champions League, Série A, Coppa Italia, entre outros. Como político, Berlusconi acumulou acusações de corrupção, escândalos sexuais e declarações polêmicas.

Milan

Antes de entrar para a política, Berlusconi, que era empresário do ramo de comunicação, decidiu comprar o Milan em 1986. No início daquela década, o time de Milão vivia talvez a pior fase da história e amargava dois rebaixamentos para a segunda divisão. Assim que comprou o clube rossonero, o dirigente montou um time histórico com um famoso trio holandês: Frank Rijkaard, Ruud Gullit e Marco Van Basten. Para comandar o time em campo, o técnico contratado foi Arrigo Sacchi.

Rapidamente o Milan deu retorno em campo e passou a disputar o futebol italiano com o Napoli, que na época vivia uma grande fase com a dupla Maradona e Careca. Em 1989 e 1990, os Rossoneri ganharam duas Champions League seguidas.

O sucesso do Milan foi projetando Silvio Berlusconi também. Em 1992, a política italiana foi surpreendia pela Operação Mãos Limpas, que liderou uma incansável luta contra a corrupção, mirando políticos, empresários e indivíduos envolvidos em esquemas de suborno, favorecimento em contratos públicos e outras práticas ilícitas. Foi a oportunidade perfeita para a ascensão de Berlusconi.

Primeiro-ministro

Depois de 645 condenações, cerca de 900 prisões, na extinção de cinco partidos de diferentes tendências, na condenação do ex-premier e então líder do Partido Socialista, Bettino Craxi, que morreu na Tunísia, para onde escapou para não ser preso, em pelo menos seis suicídios de investigados, incluindo um parlamentar, e numa elite política e econômica acuada, Silvio Berlusconi se tornava primeiro-ministro da Itália em 1994.

Em sua entrada na política, ele criou o partido Forza Italia em uma coalisão de partidos de direita e extrema direita. Um dos aliados era o Movimento Social Italiano (MSI), que foi o sucessor de um dos maiores grupos neofascistas da Europa no período pós-guerra. Berlusconi dizia que havia decidido se “ocupar da coisa pública” para combater o comunismo e “viver em um país iliberal governado pelas forças imaturas e por homens ligados a fios duplos, com um passado política e economicamente falidos”.

Acontece que até a Operação Mãos Limpas sobrou para o ex-ministro com alegações de que a Fininvest, sua holding, teria subornado funcionários da Receita Federal italiana, contribuíram para impulsionar a transferência do procurador da República, Antonio Di Pietro, personagem central na deflagração da operação, para outro tribunal. No entanto, nessa época, ele já havia se destacado em meio à devastação política na Itália, inclusive com seu próprio irmão entre os detidos, e conquistado o comando do país.

Posteriormente, uma das condenações de Berlusconi no final dos anos 1990, depois revertida, foi sobre cerca de US$ 12 milhões, na época, de contribuição para o Partido Socialista de Craxi. Enquanto isso, o Milan ganharia outra Champions League em 1994, além de outros títulos locais no futebol italiano. Há quem diga que o sucesso Rossoneri, inclusive, estaria ligado aos escândalos de corrupção do dirigente na política.

Retorno à política

Berlusconi retornou ao poder em 2001 e governou por 4 anos e 11 meses, até 2006. Durante esse período, ele estabeleceu sólidas relações no cenário internacional, aproximando-se de figuras como George W. Bush, Vladimir Putin e Muammar al-Gaddafi. Sua terceira passagem pelo cargo ocorreu entre 2008 e 2011, com duração de três anos e seis meses.

No entanto, o final da década de Berlusconi no poder ficou marcado por escândalos sexuais e uma série de gafes, incluindo gestos obscenos em fotos durante encontros multilaterais. Esses episódios começaram a afetar negativamente a imagem do primeiro-ministro.

Ao todo, Berlusconi enfrentou mais de 60 processos por uma variedade de crimes, que vão desde corrupção e prostituição de menores até associação com a máfia. Surpreendentemente, ele conseguiu se livrar da maioria dessas acusações. Sua única condenação ocorreu em 2013, 21 anos após o início da operação Mãos Limpas, quando a Justiça decidiu que ele deveria cumprir quatro anos de prisão por fraude fiscal. No entanto, ele conseguiu evitar a prisão cumprindo uma pena alternativa, realizando serviço social por 10 meses.

Em março de 2013, ele foi eleito senador, mas acabou perdendo seu mandato no final daquele ano devido a uma decisão judicial que o tornou inelegível. No entanto, a Justiça reverteu essa decisão após ele completar seu serviço comunitário. Posteriormente, ele ocupou o cargo de eurodeputado, para o qual foi eleito em 2019.

No ano passado, ele retornou ao Senado, obtendo mais de 50% dos votos para representar o distrito de Monza. Além de sua carreira política, ele também era proprietário do clube de futebol que também se chamava Monza, promovido à primeira divisão da liga nacional na última temporada depois de uma escalada da terceirona.

Mais sucesso no Milan

A vitoriosa década de 1990, com o título europeu mencionado, contou com a chegada de Fabio Capello em 1991. Ele foi jogador do Milan e, no mesmo ano da contratação, venceu a Serie A de forma invicta, com 58 vitórias seguidas, além de mais seis títulos.

Já nos anos 2000, o sucesso ficou a cargo de Carlo Ancelotti, que esteve no Milan de 2001 a 2009, conquistando duas Champions, em 2004 e 2007, juntamente com outros troféus. Foram 31 anos de Berlusconi à frente do Milan, com 29 títulos conquistados. Em 2017, ele vendeu o clube por 740 milhões de euros a um consórcio chinês.

Com toda essa história, o questionamento que fica é: até que ponto vale a pena ter sucesso em um clube ou no futebol? Para isso é necessário escândalos atrás de escândalos? Fato é que Silvio Berlusconi deixa saudade no Milan, mas não na Itália.