Escolha de Zanin para o STF mostra que Lula e o PT se cansaram de ser republicanos

02 junho 2023 às 14h49

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Podem acusar os petistas de qualquer coisa, menos de, enquanto governo, não terem respeitado a Constituição e as leis, mesmo além do que estava escrito.
Quando optaram por escolher ministros para o Supremo Tribunal Federal (STF) de acordo com critérios técnicos e procuradores-gerais da República (PGRs) pelo topo de listas tríplices da própria classe, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff levaram a democracia brasileira a níveis não vistos anteriormente. Basta olhar o histórico.
Por exemplo, para o STF, em 1992, Fernando Collor de Mello escolheu o primo, Marco Aurélio Mello, que, por acaso ou não, nunca votou contra seu parente. Geraldo Brindeiro, conduzido e reconduzido por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) à Procuradoria-Geral da República durante todo seu governo, não passou pela lista tríplice. Coincidentemente (ou não), ficou conhecido como “engavetador-geral da República”: não fazia andar nenhuma denúncia contra o tucano ou seus aliados.
Da mesma forma procedeu Augusto Aras, o escolhido e reconduzido por Jair Bolsonaro (PL). Como PGR, diante de denúncias graves contra o presidente, mesmo sob a cena sombria de uma pandemia, não buscou apurar nada. Teve na subprocuradora, Lindôra Araújo, uma grande parceira no mesmo intuito.
Entre um e outro, Michel Temer (MDB) pegou mais leve, não escolhendo o primeiro nome da lista tríplice para a PGR, mas o segundo, de Raquel Dodge.
Pode-se argumentar que a escolha de um grupo de procuradores votantes não é necessariamente a melhor para a sociedade – como se constatou mesmo, pelas extrapolações da Operação Lava Jato acobertadas pelo PGR Rodrigo Janot, nomeado por Dilma, que não era –, mas parecia ser o mais democrático que um presidente da República poderia fazer no caso.
Lula fez assim. Dilma, também. No caso do STF, os petistas não fizeram nenhuma escolha pessoal próxima, embora fossem nomes alinhados a seus princípios progressistas – como realmente são todos. Isso é normal numa democracia saudável.
Escolhido por Lula, Joaquim Barbosa condenou petistas do primeiro time, como José Dirceu e Delúbio Soares, no caso do mensalão. Fez o que considerou certo, embora usando um princípio não tradicional do nosso direito, mas do alemão, para condenar Dirceu. Mas isso também estava no escopo da democracia.
Quando Lula foi impedido de se tornar ministro de Dilma, a decisão de Gilmar Mendes teve como argumento um grampo ilegal envolvendo a presidente e vazado por Sergio Moro na Operação Lava Jato. Isso já denunciava uma democracia se adoentando.
Quando ministros – note-se, todos escolhidos por Lula e Dilma, à exceção de Alexandre de Moraes (indicado por Temer) –, impuseram o placar de 6 a 5 para não conceder ao ex-presidente o habeas corpus e, assim, livrá-lo de uma prisão em segunda instância, a democracia já estava na UTI. Menos pela decisão em si, embora contestável pelo que diz a Constituição sobre transitado em julgado, mas por ter se seguido a uma ameaça de intervenção militar feita no Twitter pelo então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas.
Agora, depois de Bolsonaro ter indicado, para ministros do Supremo, Kassio Nunes Marques – apadrinhado pelo advogado da família, Frederico Wassef – e o “terrivelmente evangélico” André Mendonça, o petista resolveu também tocar a mesma música: indicou nada menos do que seu próprio advogado, Cristiano Zanin.
É um acinte? Sim, inclusive da perspectiva do PT da década de 80, 90 e até dos anos 2000.
A questão é que Lula e seus correligionários resolveram jogar com a lei: é ilegal nomear Zanin? Não é. Então, que se nomeie. “Ah, mas ninguém nunca nomeou o próprio advogado para o STF…”. Mas antes, por lá, já haviam nomeado um primo do presidente; depois, um parceiro de um controverso (para dizer o mínimo) advogado da família presidencial; por último, alguém escolhido por conta de um acerto com um grupo religioso. Nada republicano, também.
É preciso entender, nesse cenário, a escolha de Zanin por alguém que pegou quase 600 dias de cadeia por processos que depois foram anulados pela Corte Suprema – a mesma que autorizou seu encarceramento. Processos cuja sentenças foram proferidas por um juiz que seria considerado suspeito, depois de ter largado a toga para se tornar ministro do maior beneficiado pela condenação.
O modo como Zanin entrará no STF não melhora, de forma alguma, o quadro ruinoso da democracia. Mas, olhando em perspectiva, também não o piora tanto assim como parece. O PT só se adequou ao jogo jogado, há tanto tempo, fora do republicanismo.