A lista de benesses para os servidores públicos é tão extensa quanto vergonhosa: auxílio moradia para quem tem casa própria, vale alimentação acima do salário mínimo, auxílio vestuário para quem usa terno, indenização de transporte para quem tem motorista e outros. O pior é tudo isso sendo financiado com recursos públicos em um país onde mais de 10 milhões brasileiros passam fome.

O escracho é tamanho que nesta segunda-feira, 22, por exemplo, o site Metrópoles noticiou que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) pagou super-remunerações a técnicos e analistas judiciários nos últimos meses. Um técnico lotado no Núcleo de Suporte a Redes Convergentes teve rendimento bruto de R$ 883,6 mil em dezembro de 2022 – o maior valor registrado nas folhas de pagamento do TJDFT. Ele recebeu R$ 633,9 mil líquidos naquele mês. O tribunal justificou que o pagamento foi dentro da legalidade, o que realmente pode ser verdade, mas não deixa de ser absurdo.

Diante da disposição das lideranças no Congresso em fazer avançar uma reforma administrativa, o governo dá sinais de que poderá deixar uma posição avessa a esse debate. Em reação ao que parece ser um inevitável avanço da pauta, a ministra da Gestão da Inovação, Dweck, chegou a indicar que o Executivo apresentará um projeto alternativo à principal iniciativa já em tramitação, a proposta de emenda constitucional 32, de 2020.

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A PEC, concebida pela equipe econômica de Jair Bolsonaro (PL) e aprovada em comissão especial da Câmara em 2021, diminui o alcance da estabilidade do funcionalismo, abre mecanismos mais flexíveis de contratação, disciplina a concessão de benefícios e cria algum espaço para redução de salários e ajustes na folha de pagamento. No entanto, não estão previstos dispositivos como avaliação de desempenho e critérios de demissão, que não dependem de mudança constitucional e ficariam para regulamentação posterior — já prevista pela Constituição, mas nunca levada a cabo.

Ainda não conhecemos detalhes do que proporá o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas já foi revelada a preferência por legislação ordinária e normativos que circunscrevam a reforma a temas como estrutura e progressão de carreiras e barreiras a supersalários. Medidas como a limitação do alcance da estabilidade funcional e a redução de salários iniciais para melhor alinhamento com o setor privado, necessária ao menos no nível federal, devem continuar a sofrer ferrenha oposição da esquerda e do PT, que mantêm alinhamento aos interesses corporativistas dos servidores.

Dada a resistência do governo, é improvável que se obtenha entendimento em prol de uma reforma ampla, como foi possível no caso da mudança tributária. No entanto, não se deve desperdiçar a oportunidade para avanços urgentes que melhorem a qualidade do serviço público e tragam impacto para o cidadão. Existe um consenso de que limitar o número de carreiras e ampliar a flexibilidade da gestão de pessoas é essencial. Há falta de quadros em certas áreas e sobras em outras, o que pode ser mitigado sem necessidade de novas contratações.

Da mesma forma, não é mais possível adiar a regulamentação da avaliação por desempenho, que pode e deve servir como ferramenta de remuneração diferenciada no caso do bom servidor e, sendo o caso, de demissão do mau. Também cumpre limitar os ganhos excessivos do topo do funcionalismo, caso do Judiciário e do Ministério Público, habituados a definir seus próprios privilégios. A equidade é outro componente necessário de uma reforma que não pode mais tardar.

Sobre a opinião expressa neste artigo, o Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário Federal de Goiás – Sinjufego declarou o seguinte:

“Dos benefícios citados na reportagem, apenas o auxílio-alimentação, recebido abaixo do salário mínimo, é destinado aos servidores do Poder Judiciário Federal. Esses servidores não recebem auxílio moradia, auxílio vestuário nem indenização de transporte com motorista.

É preciso destacar que o montante recebido pelo servidor do TJDFT, que integra a carreira de servidor e não de Juiz, é um valor pontual que decorre de decisão judicial transitada em julgado de reconhecimento de passivo trabalhista. O servidor foi demitido injustamente, fato reconhecido pelo Justiça, o que o levou a ser indenizado com o pagamento de todo o salário do período.

Matéria desse formato só serve para atiçar a fogueira dos que querem a Reforma Administrativa que, entre outros pontos, acaba com a estabilidade do ocupante do cargo público, o que certamente será a farra bilionária para as empresas terceirizadas, bem como para os poderosos de plantão que pedirão demissão dos servidores que ousarem não atender seus interesses.”