“Qualidade de quem é muito apegado às tradições”. Essa é uma das definições cunhadas sobre a palavra conservadorismo. Para o Dicionário Conciso de Política de Oxford, é “uma filosofia política que aspira a preservação do que pensa ser o melhor na sociedade e que se opõe a mudanças radicais”. No Brasil, as primeiras ideias conservadoras chegaram com a família real, que trouxe consigo a tradição política portuguesa, no início do século 19. Antes dos portugueses, cerca de 3,5 milhões de indígenas ocupavam as terras brasileiras.  

Na França, a política conservadora começou com a posição das cadeiras da Assembleia, algumas localizadas à direita do presidente e outras, à esquerda. Do lado direito, sentavam-se os nobres, que se definiam como a ala mais conservadora. Mas por que eles se sentavam desse lado? Porque a direita era o lado nobre e porque, segundo a tradição cristã, é uma honra se sentar ao lado direito de Deus, ou se sentar à mesa à direita de um patriarca ou uma matriarca, conforme explica Pierre Bréchon, cientista político e professor.

O economista José da Silva Lisboa é um dos principais responsáveis pela difusão do conservadorismo no Brasil. Foi ele quem traduziu a literatura conservadora e liberal econômica para o português, interpretando obras de Edmund Burke, pai do conservadorismo, e de Adam Smith, pai do liberalismo econômico. Com a Nova República, as ideias perderam um pouco a força, dando espaço para o progressismo e para a “nova política”.

O conservadorismo, no entanto, voltou com todas as forças nos anos 60. Em 1961, Jânio Quadros, presidente brasileiro, renunciou e deixou o cargo para seu vice, João Goulart. Jango, como era conhecido, procurou promover reformas estruturais no País. Com isso, logo a oposição se articulou e tentou desmoralizar e manchar a imagem do presidente, associando-o ao comunismo. O maior risco para o Brasil, conservador em suas raízes, diziam, começou a ser o de uma suposta revolução comunista, que pregava ideais de uma sociedade igualitária e dizia que mudanças radicais precisariam acontecer.

No dia 19 de março de 1964, 500 mil pessoas se reuniram na primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em São Paulo. O nome da marcha e seus cartazes deixavam claro o adversário daqueles que se opunham à mudança e à “revolução”: o inimigo do Brasil tornou-se o comunismo. As manifestações espalharam-se por todo o Brasil.

Em 2013, a direita começou a se articular novamente e os movimentos conservadores ganharam força no País depois das manifestações de junho, movidas primeiramente pela cobrança de melhores serviços públicos, como o transporte coletivo. O alcance deles foi tão grande que os movimentos conseguiram derrubar o então governo vigente, de Dilma Rousseff (PT)) e, três anos depois, eleger Jair Bolsonaro. O agora ex-presidente, representante da direita e defensor dos “cidadãos de bem”, trouxe a pauta de costumes para a discussão novamente.

Abraçado na causa conservadora, Jair chegou ao poder sob o discurso de defender a família, a igreja e as instituições tradicionais. “Deus, pátria, família e liberdade”, lema defendido em 1964, era a bandeira defendida pelo ex-militar, que se identificava como cristão e conservador.

Agora, com um governo de esquerda no poder, o risco do comunismo ressurge como um vilão, um fantasma e um mal que assola o País. O ministro do  Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, recentemente teve de parar um julgamento para explicar a um advogado presente que no Brasil não havia comunismo. E nunca houve.

Barroso disse que no Brasil não há vestígio de ditadura do proletariado e que o poder do mercado e do empresariado é bem maior. “Faria Lima tem mais influência”, brincou o ministro. No Brasil, 1% da população possui metade da riqueza total. O número de milionários no País dobrou de 2021 para 2022, chegando a mais de 413 mil. Os dados, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do IBGE, mostram que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo.

Na questão do ataque às minorias, o Brasil segue como o país que mais mata transexuais no mundo. A cada 23 minutos morre um jovem negro. No intervalo de uma hora, mais de 500 mulheres são agredidas no Brasil. Tudo isso não parece incomodar a ala conservadora. A direita brasileira se articula para derrubar o casamento homoafetivo, autorizado pelo STF há mais de 12 anos. A Câmara dos Deputados tenta aprovar um projeto de lei que retira direitos da população LGBTQIAPN+. Os deputados conservadores se organizam para criminalizar movimentos populares, como o MST, e para impedir que pautas progressistas avancem.

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Foi também nesta semana que o País perdeu tempo para debater uma causa regressista e conservadora: o marco temporal. A tese jurídica diz que os povos indígenas têm direito apenas às terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. O marco temporal foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal na semana passada.

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Os conservadores que defendem a liberdade política e econômica, a individualidade, o nacionalismo, a desigualdade social, a ordem e a moral, a racionalidade e a tradição, escolhem conservar as tradições, por piores que sejam. O apego às tradições, por mais vazias que elas sejam, traz a resistência a tudo que é novo, progressista, que aponta para frente e traz avanços ao País. O resultado prático disso é que anos correm sobre anos e “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”, como diz a clássica canção escrita por Belchior.

“O que vemos é o esforço de uma classe dominante, hegemônica, para manter os marginalizados do sistema submissos, subjugados”, disse Marx Arriaga Navarro, diretor-geral da Secretaria de Educação Pública do México, país, que assim como o Brasil, sofre com a “guerra cultural” entre a esquerda e a direita. Figura central nessa disputa, o educador Paulo Freire, um dos pedagogos brasileiros mais estudados no mundo, foi alvo recente do neoliberalismo e teve seus livros queimados.

O conservadorismo nega o futuro, mas quer você queira ou não, o novo sempre vem.