Desde a manhã desta quarta-feira, 3, Jair Bolsonaro (PL) tem sido comparado ao gângster Al Capone. Apesar de ter sido responsável por massacres, o “Scarface” foi preso por um crime burocrático −  fraudar seu imposto de renda. O paralelo é exagerado, mas inevitável após uma sequência de graves notícias negativas para o ex-presidente, do incentivo aos atos golpistas de 8 de janeiro ao contrabando de jóias árabes. O cartão de vacinação adulterado de Bolsonaro seria como imposto de renda fraudado de Capone: apenas uma ponta solta a ser puxada para revelar crimes maiores.  

Já no fim da tarde da quarta-feira, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a apreensão do passaporte de Jair Bolsonaro. O significativo é que a decisão se dá no mesmo âmbito de inquérito do esquema de fraude de cartões de vacina, e já indica que autoridades não pretendem considerar o crime “burocrático” o fim da investigação. 

Nas redes, defensores do ex-presidente alegam que trata-se de uma perseguição desproporcional. A operação da Polícia Federal com mandado de busca na casa de Bolsonaro e de seu então ajudante de ordens, Mauro Cid, seria injustificada, pois a saúde do presidente só diz respeito a ele próprio, de acordo com o bolsonarismo. Seus celulares teriam sido apreendidos não porque são provas de um crime, mas para cavar uma incriminação mais grave. 

Primeiro, é necessário eliminar a ideia de que o suposto crime é sem gravidade. Com a adulteração do documento, Bolsonaro teria usado o poder do cargo para ordenar falsificação de registros públicos (inclusive adulterando documentos de uma menor de idade). Se confirmar-se, a enganação teria tapeado também autoridades sanitárias de outros países, que admitiram a entrada em seu território de um estrangeiro não vacinado, contrariando suas próprias leis. 

Entretanto, Bolsonaro não é o inimigo público número um, como foi Al Capone, mas um político com peso eleitoral. Encontrar um pretexto para deter o gângster americano era de interesse público. Quanto a Bolsonaro, são os pretextos que estão contra o interesse público. As possíveis provas de um crime não podem se tornar subterfúgios para punir outro crime, subentendido. Se a ponta solta for puxada com força demais, a investigação dará legitimidade à alegação de perseguição desproporcional.