O debate mais caloroso da internet nos últimos tempos é sobre o projeto de lei que equipara o aborto ao crime de homicídio simples, conhecida como “PL do aborto. As pessoas se referem assim ao projeto, pois ele faz com que uma vítima de estupro possa ficar mais tempo presa do que seu violentador. Isso é, caso ela escolha abortar após as 22 semanas. O Estado, que deveria ser laico, parece cada vez mais influenciado pela bancada evangélica, que não, necessariamente, reflete os ensinamos de Cristo.

Quando vivemos em uma sociedade em que falar sobre sexo é tabu, pode ser que até mesmo a tentativa de dialogar sobre doenças sexualmente transmissíveis, gravidez precoce e identificação de abusos sexuais se torne uma grande mentira sensacionalista. Muitos ainda acreditam que o projeto de educação sexual fala sobre ensinar a fazer sexo. E caso o Lula fosse eleito, não disseram que haveria kit gay nas escolas?

Para começar, é importante destacar que nascem 44 bebês de mães adolescentes por hora no Brasil, segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, quanto aos casos de estupro, 61,4% das vítimas tinham no máximo 13 anos de idade, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023. Vale ressaltar também que 68,3% dos casos acontecem dentro da própria casa.

Muitas vezes, as vítimas de abuso precisam primeiro lidar com a família, que tenta esconder ou relevar o ocorrido “pela boa convivência”. Depois, podem ou não saber que tem a opção de abortar, e optando por essa opção, ainda vão enfrentar médicos e juízes que são contrários à decisão e tentam convencê-la do contrário.

O foco está hoje no aborto e nas vítimas de abuso, quando deveria estar nas mudanças reais: o aborto era legal em casos de estupro, risco de vida à mulher, ou anencefalia fetal (quando não há formação do cérebro do feto), independentemente do tempo de gestação. Justamente porque esses casos são urgentes, e não deve-se impor barreiras para impedir o fim de uma gravidez indesejada nessas situações. Agora, além de passar por isso, essa mulher ainda pode ser presa por mais tempo do que um estuprador.

Muitas pessoas estão indignadas com o retrocesso, pois esses direitos existem desde 1940, isso é o quanto a bancada evangélica e de extrema-direita parecem querer retroceder. Agora, talvez mais importante do que se indignar com a situação é observar que está, de fato, acontecendo. O projeto de lei, proposto por Sóstenes Cavalcante (PL) recebeu 32 assinaturas de outros deputados que consideram esta uma matéria de urgência.

Segundo o levantamento da GloboNews quanto ao posicionamento das deputadas federais, 46% da bancada feminina não quis se manifestar sobre o assunto. Provavelmente porque é ano de eleição municipal, e ninguém quer se indispor, seja com a massa de manobra religiosa ou com outros políticos. O medo de sofrer algum tipo de desgaste que reflita no resultado das urnas é maior do que o medo de estar vinculada ao retrocesso dos direitos reprodutivos.

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