Deportação: uma viagem indesejada

29 janeiro 2025 às 09h17

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Entre as várias viagens que uma pessoa pode fazer, existe uma que não tem malas cheias de sonhos ou sorrisos. Não há chance de voltar, não há escolha: a deportação. Ser forçado a deixar um lugar onde se nutriram sonhos é como ver o chão sumir debaixo dos pés.
Recentemente, um voo dos Estados Unidos teve como destino final o Brasil. Essa não era uma viagem normal. O avião, que deveria ir a Belo Horizonte, parou em Manaus. Dentro dele, um calor sufocante, devido ao ar-condicionado quebrado, tornou a cabine um pesadelo.
Imagine o calor insuportável em uma cabine lotada de crianças, adultos e idosos – muitos com problemas de saúde – enfrentando situações extremas. E, como se isso não bastasse, os adultos estavam algemados e acorrentados.
Esse quadro desumano não é um caso isolado. Mostra o conflito entre a soberania dos países e os direitos humanos. No século XVI, Jean Bodin argumentou que os Estados têm o direito de decidir quem entra e sai.
Porém, após as guerras mundiais, o mundo precisou se reconstruir, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos surgiu. O Artigo 13 garante o direito de todos buscarem melhores condições de vida onde quiserem. É um paradoxo: o direito de partir enfrenta o direito de fechar as portas.
No entanto, o problema é maior que fronteiras. Em um mundo desigual, os imigrantes se tornaram descartáveis. O filósofo francês Michel Pêcheux fala sobre o poder das narrativas ideológicas: discursos que desvia o foco das verdadeiras causas dos problemas.
Nos Estados Unidos, enquanto famílias enfrentam dívidas de mais de dois trilhões de dólares em educação, bilionários como Elon Musk acumulam fortunas imensas. Para que a população não veja a origem de sua opressão, a culpa é atribuída a quem? Aos imigrantes.
É absurdo que, mesmo sendo tratados como inimigos, são os imigrantes que sustentam a economia. Quem colhe os morangos da Califórnia? Quem lava pratos em restaurantes? São os imigrantes, fazendo trabalhos que ninguém mais quer.
E, mesmo assim, a resposta é a expulsão, pois é mais fácil eliminar rostos invisíveis do que lidar com as contradições do sistema.
Essa situação não é apenas nos Estados Unidos. É global. Vivemos num mundo dividido entre centros, como os EUA, que concentram riquezas, e periferias, como a América Latina, onde a mão de obra é barata e o futuro é negado. Nesse contexto, deportações são apenas um sinal de um problema maior.
A questão é: até quando? Até quando os direitos humanos serão apenas palavras vazias em tratados? Até quando quem sustenta economias inteiras será visto como descartável?
Entre todas as viagens que existem, essa é a mais cruel. Não por causa das algemas, correntes ou calor. Mas porque, diferente de outras jornadas, essa não é uma opção. É uma punição imposta por um sistema que ignora a dignidade humana em favor da desigualdade.

*Ycarim Melgaço é doutor em Ciências Humanas, pós-Doutor em Economia e Gestão de Organizações. É colaborador do Jornal Opção.