Por Ycarim Melgaço

Teddy segue aguardando. Em silêncio. Com seu colete. Sem conseguir entender por que, em pleno ano de 2025, a empatia ainda precisa de uma liminar para alçar voo

O Cairo real, com sua população empobrecida, o fanatismo religioso, a precariedade das ruas, é cuidadosamente varrido para debaixo do tapete turístico

A palavra Copacabana tem ritmo. Tem promessas. E esconde em seu som tropical um segredo que vem das alturas, uma herança boliviana, uma santa que viajou muito

A “privatização” de Congonhas, na verdade, não passou de trocar uma estatal brasileira por uma espanhola: AENA — a única a se interessar na licitação

No fim das contas, a ilusão do turismo na terra de Van Gogh é como uma obra de arte feita sob medida para o olhar do turista – vibrante, sedutora, mas em última análise ilusória

O turismo se tornou uma linha de produção digital. Uma fábrica de roteiros previsíveis, ângulos prontos, experiências moldadas

Como uma empresa que ajudou a levar o homem à Lua pode ter problemas com suas peças?

O medo de voar não tem nada a ver com números ou estatísticas. Dizer que o avião é o transporte mais seguro não adianta para quem sente aquele frio na barriga ou tem pavor de decolar

Quem colhe os morangos da Califórnia? Quem lava pratos em restaurantes? Imigrantes sustentam a economia, fazendo trabalhos que ninguém mais quer

A América rejeita os imigrantes, mas depende deles. Lucra com turistas, mas cria barreiras. Prega a meritocracia, mas garante privilégios para poucos

Apenas 30% das praias têm água limpa, mas não há avisos sobre águas impróprias ou alertas em aplicativos de reservas. Falta supervisão contra despejos ilegais e planejamento urbano

Um ingresso para quatro dias na Disney custa US$ 118 por dia. No final, são US$ 475. Parece aceitável? Espere até converter para reais a R$ 6,15

A viagem parecia simples: decolar de Goiânia às 10h e aterrissar em Porto Seguro às 14h30 com uma rápida conexão em Confins, Belo Horizonte. Céu azul, pés na areia e água de coco gelada aguardavam no destino final. O que poderia dar errado? Pois bem, como diria Murphy: se algo pode dar errado, vai dar. E o pior é que ele estava lá, firme e forte, sentado ao meu lado na cabine.
Depois de rodar o céu do aeroporto de Confins, por várias vezes – como um carrossel aéreo – veio o primeiro aviso fatídico:
— “Aqui quem vos fala é o comandante. Devido ao mau tempo, não conseguiremos pousar no aeroporto de Confins, Belo Horizonte. Vamos alternar para o Galeão. Agradecemos a compreensão de todos.”
E lá fomos nós, rumo ao Rio de Janeiro.
Ah, o Rio de Janeiro! Um “city tour” aéreo improvisado pelo litoral carioca parecia até poético… mas só parecia. A poesia se perdeu depois de 50 minutos presos dentro da aeronave, ansioso assistindo ao reabastecimento como quem conta segundos em um relógio quebrado.
Finalmente, tanque cheio, voltamos para Confins e, enfim, dessa vez pousamos. Mas, Confins era apenas a conexão para Porto Seguro. O atraso revelou, sem piedade, a desorganização dos funcionários de terra. Irritados e impacientes, passageiros com diferentes destinos vociferavam reclamações contra jovens atendentes que, inexperientes, mal conseguiam conter o caos.
Pais com crianças aos berros tentavam manter a calma, mas o ambiente mais parecia um campo de batalha. Para minha triste surpresa, todos os voos para Porto Seguro já haviam partido. A solução oferecida pela cia aérea seria remarcação para o dia seguinte e um voucher de hospedagem e alimentação, o local era em Lagoa Santa, município limítrofe a Confins.
Agora, diga-me: o que significa Lagoa Santa quando você está com fome, exausto e com um jejum intermitente involuntário? Ao chegar ao hotel, minha surpresa foi digna de um roteiro de comédia pastelão: acabava de chegar a um pesque-pague com hospedagem. Para o jantar, a única opção era peixe direto da lagoa para a frigideira. A refeição foi simplesmente horrível. Depois de um dia inteiro à base de saquinhos de amendoim servidos a bordo, eu esperava algo minimamente decente. Ou, pelo menos, algo que não exigisse isca e anzol.
No dia seguinte – ou melhor, no segundo dia da viagem – lá estava eu, de volta ao aeroporto de Confins, pronto para mais uma tentativa de pousar em Porto Seguro. Pensei, desta vez vai dar certo! O voo parecia tranquilo… até que, na aproximação do destino, avistei na tela do avião um detalhe angustiante: o avião começava a voar em círculos. De novo, não, Murphy! – pensei, incrédulo.
E veio a voz que eu já conhecia bem:
— “Devido ao mau tempo, não conseguiremos pousar em Porto Seguro. Vamos alternar para Salvador. Agradecemos a compreensão de todos.”
Depois do reabastecimento na capital baiana, partimos para novamente Porto Seguro. Confesso que nem quis olhar para a tela à minha frente com mapa de rota. Mas, claro, não resisti. Lá estava ele, o maldito avião girando sobre o aeroporto de Porto Seguro, repetindo o mesmo espetáculo frustrante do dia anterior. E, então, o anúncio final:
— “Infelizmente, o tempo ainda encontra-se encoberto sobre Porto Seguro. Vamos permanecer em espera por cinco minutos. Caso não seja possível pousar, retornaremos a Confins. Agradecemos a compreensão.”
E voltamos a Confins.
No desembarque, veio outra solução: rápida, um voo noturno para Porto Seguro, com conexão no Galeão. Topar parecia a única opção lógica. Mas, é claro, deu errado novamente. Ao chegar ao Rio, descobri que minha reserva para Porto Seguro não estava confirmada.
Mais um voucher, desta vez, imaginem, para Copacabana.
Ah, Copacabana! Por um breve instante, sonhei com uma caminhada noturna pela praia, a brisa do mar e o som das ondas. Pura ilusão! O máximo que tive foi uma noite curta em um bom hotel – quase um prêmio de consolação – mas o voo era bem cedo, então madrugada me esperava, agora com embarque no aeroporto Santos Dumont.
Finalmente, no terceiro dia, segui para Porto Seguro, com direito a uma escala em São Paulo.
Sim, no terceiro dia – enfim –, pousamos em Porto, que, desta vez, estava, sim, muito Seguro.
E eu? Eu estava finalmente deitado na areia, com os pés na água salgada e uma água de coco gelada na mão. Murphy, meu velho, sinto lhe dizer, dessa vez você perdeu.

*Ycarim Melgaço é doutor em Ciências Humanas, pós-Doutor em Economia e Gestão de Organizações. É colaborador do Jornal Opção.