Por séculos, a mulher foi vista como propriedade e a ela cabia única e exclusivamente a tarefa do cuidado – da casa e dos filhos. Ao longo dos anos e sob duras penas, foram conquistando novos espaços na sociedade, ainda que sem a tão sonhada igualdade entre os gêneros.

Atualmente, as mulheres no Brasil são a maioria da população e grande parte é responsável por arcar com o sustento da família. Inseridas em um universo de contradições, conciliar vida pessoal, profissional e a maternidade ainda parece um desafio.

Com o intuito de ampliar o debate na semana do Dia Internacional da mulher, o Jornal Opção entrevistou Ana Carolina Coelho do ‘Conversas de Mãe’.

Como você enxergar os diferentes tipos de maternidade?

A maternidade é única e plural. O patriarcado nos coloca na posição de ser esposa e mãe. E espera-se um jeito certo de ser esposa e mãe. A grande questão que os femininos têm trazido é essa discussão de que nós somos únicas, e que nossas crianças são únicas. Portanto, os maternais são plurais e únicos. Toda essa discussão do nosso protagonismo e necessidade de visibilidade. Portanto essa discussão do machismo estrutural vai vindo a tona.

Qual a importância de ter um dia para falar da mulher?

Esse dia é um marco para a gente discutir a luta por equidade, a luta por direitos, a luta pelo o que a gente não conseguiu. Quando a gente fala que é o Dia Intencional da Mulher, não é que a gente não goste de rosas, não é que a gente não goste de flores. Só que as pessoas reduziram e capitalizaram e banalizaram a discussão. Nós não tem horários flexíveis para as mulheres que amamentam, não tem fraldário.

Como você vê a participação de mulheres nos espaços públicos e de liderança?

É fundamental que as mulheres ocupem espaços de liderança, é fundamental que as mulheres ocupem todos os espaços. Cada vez ocupando mais os lugares, para que todas as mulheres se sintam representadas e identificadas. Mulheres de segmentos empobrecidos, mulheres racializadas, mulheres nativas, mulheres plurais, múltiplas. Nós temos questões de diversos pontos de vista, por exemplo mães atípicas vão ter necessidades completamente diferentes das mães neurotípicas. Mães que vêm fazer na UFG cursos superiores e são de povos nativos vêm com demanda completamente diferentes de outros maternares. Não existe uma forma de ser mãe, existem várias formas, várias formas de de ser mulher.

Um dos desafios além dessa questão de ocupar espaços é também lidar com a culpa. Como você vê essa culpa da maternidade e de seguir uma carreira, um trabalho?

A culpa é um dos grandes dispositivos reguladores da maternidade e das mulheres. Nós nos sentimos culpadas por não estarmos cuidando da nossa família, culpadas por não estarmos dando atenção aso nossos filhos, culpadas por não estarmos cuidando da nossas casas, fazendo o papel que nos foi ensinado. Esse abandono da culpa é uma das coisas mais importantes e libertadoras que as mulheres tem que fazer nesse século e é uma das discussões mais importantes que a gente tem que travar.

Porque não tem que ter culpa materna. Nós somos as melhores mães que podemos quase sempre para nossos filhos e filhas. As mulheres que querem e são mães, mulheres que se empenham nos seus trabalhos, fazem seu melhor. E o melhor delas é muito bom, então não tem que ter essa culpa.

Como essa divisão do trabalho impacta as mulheres?

As pesquisas mostram que a gente passa dias e dias trabalhando em casa, com trabalho doméstico, com as crianças. Esse trabalho invisível que é o trabalho de cuidar do lar, que as pessoas chamam de amor, mas que é um cuidado. Lavar, passar, cozinhar e manter as pessoas vivas, bem, saudáveis, e que a gente faz e faz bem, mas à base do cansaço, da sobrecarga e da culpa

Essa divisão é importante pra que esse cansaço, essa sobrecarga e essa culpa sejam minorizados, sejam mais equitativos e mais justos numa sociedade que precisa pensar a estruturação de seus sistemas de privilegio, suas questões de racialização e a maneira como a gente capitaliza determinados serviços, para criar políticas públicas que regulamentem leis corretas e equitativas para todas as pessoas da sociedade.

Que a gente possa vivenciar afetos sem esse pedaço da gente que fica sempre olhando e pensando ‘Nossa a gente falou isso no ano passado, falou ano retrasado e está falando esse ano. Precisa continuar falando pra que algumas coisas mudam’. É preciso que muitas pessoas falem, que haja muitos espaços, que a gente amplie nossas vozes e tenha mais gente ao nosso lado para que a gente possa alcançar uma sociedade que seja boa de viver para todas as pessoas e que seja exemplo para nossas crianças, pessoas que vão viver numa sociedade melhor que a nossa.