Caminhamos a passos largos para uma legalização das drogas no Brasil, ao menos no que diz respeito ao cultivo, transporte e uso pessoal.

O Supremo Tribunal Federal, usurpando uma atribuição intransferível do Congresso Nacional, está examinando a questão e, quando escrevo, já registrou quatro votos de ministros a favor e nenhum contrário a essa descriminalização dos usuários. Praticamente já aprovou a medida.

A experiência não é nova. Já foi adotada em alguns lugares, entre os quais Uruguai, Holanda, alguns Estados dos EUA e em Portugal. O que dizem essas experiências?

Em nenhuma delas, salvo em Portugal, pode-se arriscar dizer que houve êxitos. Já mostramos isso, no Jornal Opção. À descriminalização seguiram-se aumento de tráfico, de mortes por overdose e por crimes violentos, onde foi implantada. Mas a imprensa fala muito no êxito português — dirá alguém mais condescendente. Examinemos mais de perto a questão portuguesa.  

Até 1974, quando se deu a Revolução dos Cravos, que afastou a ditadura salazarista e implantou um governo socialista em Portugal, o problema da droga era pequeno. Mas chegou com força, junto com a abertura do país para o turismo, até então incipiente, com a liberação dos costumes que o regime de esquerda proporcionou e com o aumento mundial do tráfico. Foi a pior época da história portuguesa das drogas.

A heroína, vinda do Sudeste Asiático e da Turquia, era a principal droga pesada consumida e se disseminou, nas décadas de 1980 e 1990, a ponto de viciar algo como 1,5% da população portuguesa (jovens principalmente), porcentagem deveras alarmante.

Duas grandes associações criminosas organizadas e armadas dominam regiões do Brasil, atuam em países vizinhos e contam com a leniência de tudo que é de esquerda nos três poderes e na imprensa. Uma medida liberatória de drogas só poderá, ao final, beneficiar essa enorme força marginal e tornar pior uma questão que já é ruim, muito ruim, no país.

A sociedade portuguesa é muito conservadora, religiosa e educada. Ao perceber a gravidade do que atacava sua juventude, reagiu, não só no interior das famílias, como pressionando o governo, que a princípio intensificou sua ação policial, sem muito sucesso.  Foi quando o governo resolveu mudar o foco, e em vez de reprimir o usuário e o traficante, focar o usuário como doente e continuar focando o traficante como criminoso.

Ao que parece, pois as estatísticas são deficientes, houve de início um relativo sucesso quando implantada a Lei 30/2000, debatida com a sociedade antes de sua aprovação.

O tráfico continuava sendo crime, e punido com rigor, e o uso de algumas drogas, desde que o usuário não portasse mais do que o equivalente a dez doses de consumo pessoal, ficava descriminalizado.

O usuário, flagrado com a droga, era encaminhado para uma “comissão de dissuasão”, onde estavam presentes médicos, psicólogos e advogados, que avaliavam caso a caso, sugerindo o tratamento adequado, ou a multa, em caso de recusa.

O tratamento, custeado pelo estado, consistia no acompanhamento, tratamento de doenças já existentes, orientação psicológica para abandonar o vício, vacinas, fornecimento de seringas descartáveis, higiene. E no caso da heroína, sua substituição pela metadona, uma outra droga, mas analgésica e desintoxicante, fornecida pelo governo, que proporciona alívio na dependência e não é prejudicial à saúde como a heroína.

A maconha, que curiosamente nunca foi uma droga de muito uso em Portugal, continuou proibida.

Por esses fatores, e mais pela agregação familiar que existe em Portugal, houve um sucesso inicial, que foi muito apregoado, principalmente pelas esquerdas defensoras da liberação de drogas e do desencarceramento.

Os viciados portugueses aceitavam o tratamento (ao contrário dos americanos, que preferiam pagar a multa), ainda que continuassem a tomar a metadona e no final dos anos 2000, mais de 24.000 deles tinham se submetido.

O consumo da heroína, contudo não caiu, conforme apregoavam os defensores da liberação. Ficou estável, até com pequeno crescimento, segundo o português IDT (Instituto da Droga e da Toxicodependência).

O que embalou os adeptos do sistema português foi a redução verificada, em década e meia, até 2015, de alguns índices, como o encarceramento por drogas (75% dos presos, no ano 2000 o eram por drogas; em 2015, com a não prisão dos usuários, caiu para 45%). A contaminação por HIV, que era de 104 casos por milhão em 2000, caiu para 42 em 2015, segundo o português Instituto Piaget para o Desenvolvimento.

O poder do narcotráfico

Mas não se pode descartar o poder do narcotráfico, pois se trata de uma das mais rentáveis atividades comerciais existentes, embora detestável e criminosa, arrastando consigo muitas outras.

Essa modalidade de crime organizado fatura mais de 400 bilhões de dólares anualmente, o equivalente à soma de todas as outras modalidades criminais somadas. O sonho português, que durou década e meia, está se desfazendo.

O crime organizado, que não quer perder faturamento, ataca em outras frentes. Tem aumentado em Portugal o consumo da cocaína, para a qual a metadona não é um sucedâneo, e têm aparecido as drogas sintéticas.

Os caros serviços de saúde voltados para drogados estão sobrecarregados. Em 2022, uma pesquisa do governo mostrou que o percentual de adultos que já haviam usado drogas tinha crescido para 12,8%.

Em 2001, ao início do vigor da lei de descriminalização, era de apenas 7,8%. Para que se afirmasse o sucesso da lei ao longo do tempo, esse índice não poderia ter crescido.

A partir de 2019 os registros de overdose dobraram até 2023. A criminalidade, de 2021 para 2022 aumentou 14%, segundo a polícia, devido ao uso de drogas.

O Observatório Europeu da Droga e Toxicodependência, em relatório deste ano, aponta Portugal como um dos quatro países europeus mais consumidores de cocaína.

Era de se esperar esse aumento da oferta de cocaína por parte do crime organizado, desde que se descobriu a metadona para combater a heroína, que era muito procurada pelos viciados europeus.

Em resumo: a não ser pelo aparente sucesso inicial do projeto português, já visto como superado até por autoridades locais, não se pode dizer que qualquer política de descriminalização de drogas resultou em algo consistente, no mundo todo.

E nosso caso é mais sério, não se pode negar. O Brasil é rota do tráfico para os grandes centros consumidores americanos e europeus. Está cercado pelos maiores produtores mundiais das principais drogas, que usam nosso território como estrada para escoá-las.

Em nossas vizinhanças, o narcotráfico já se associou a vários governos, e atua com enorme desenvoltura. Nesta semana mesmo, chegou a assassinar um candidato presidencial equatoriano que ameaçava os cartéis da droga.

Existem no Brasil ao menos duas grandes associações criminosas organizadas e armadas, e que dominam já regiões de nosso território, atuam em países vizinhos e contam com a leniência de tudo que é de esquerda nos três poderes e na imprensa.

Uma medida liberatória de drogas, qualquer que seja, só poderá, ao final, beneficiar essa enorme força marginal e tornar pior uma questão que já é ruim, muito ruim, nesse nosso Brasil. E só não é pior porque as polícias (estaduais principalmente), se desdobram no combate a essa modalidade criminosa, mais em alguns estados, menos em outros. Não se conhecem outras maneiras efetivas de impedir o avanço do tráfico e outras modalidades de crime a ele associadas que não o combate policial – e Judiciário – diuturno, duro, competente.