Reclame de um banco para o Banco Central. Não adianta: grandes bancos domesticaram o BC

23 janeiro 2022 às 00h00

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… e você sabia que, no Rio de Janeiro, 40% dos presos liberados para as festas de fim de ano não voltaram aos presídios? Eles estão por aí cometendo crimes contra as pessoas
Costumo me referir às dezenas de milhões de brasileiros que levantam cedo, correm ao trabalho que lhes toma toda a semana, têm uma renda exígua — que compete mês a mês com as despesas de casa — cuidam da família, pagam seus impostos, preservam seus valores éticos e agem com dignidade e honestidade em seu dia a dia, como sendo o Brasil que presta.
Esse Brasil que presta está sob constante agressão, por cima e por baixo, de agentes que lhe minam os esforços. Por baixo, de um submundo criminoso, que o ataca ora disfarçadamente, com a corrupção das drogas, ora às claras, com os assaltos, invasões, furtos e roubos. Esse Brasil sofre também uma agressão permanente de cima, de uma elite, parte do establishment, que detém seus privilégios à custa de quem trabalha duro.

No último final do ano, tivemos um exemplo claro dessa dicotomia. Falo da saída temporária no final de ano das cadeias, em que criminosos são liberados para o Natal e fim de ano nas ruas, por um lado, e por outro lado, da anunciada greve dos funcionários da Receita Federal e do Banco Central. Ambos os fatos terminam por configurar uma agressão à sociedade brasileira digna, que luta e que mede seu salário a cada dia do mês.
Milhares de presos foram liberados para as festas de fim de ano, e muitos não voltaram e continuaram a cometer crimes, ponde a sociedade em risco
A chamada LEP — Lei de Execuções Penais (Lei 7.210, de julho de 1984) —, muito voltada para a proteção dos apenados, prevê as chamadas saídas temporárias para presos do regime semiaberto que tenham bom comportamento e tenham cumprido parte da pena. Como decorrência, nas festas de fim de ano, presos são liberados para passarem essas comemorações livremente. Como os presos que se enquadram teoricamente nos requisitos passam dos 120 mil (numa população carcerária de aproximadamente 770 mil), o número de criminosos que vão para as ruas, com toda a liberdade, está nas dezenas de milhares. Apenas o Estado de São Paulo liberou no final de 2021, mais de 35 mil detentos. Muitos desses detentos são estupradores, assaltantes ou até mesmo homicidas.
O que é ainda pior: Uma boa porcentagem não volta aos presídios e ao foragir passa a praticar outra vez a atividade marginal e criminosa. Essa porcentagem de foragidos por facilitação legal varia de Estado para Estado. Nos Estados que dispõem de segurança mais organizada, como São Paulo, costuma ficar entre 3 e 4%. No Rio de Janeiro atingiu no ano passado os absurdos 40%. São marginais presos que recebem do sistema penal licença para voltar a delinquir. Muitas vezes são flagrados assaltando à mão armada no dia seguinte à saída da cadeia. É a lei, que deveria proteger a sociedade, servindo para que ela seja agredida.
Bancos e a elite privilegiada
Outro quadro de agressão à sociedade brasileira está no comportamento da elite privilegiada que faz as leis em benefício próprio, impede que elas sejam modificadas para que se tornem mais justas, não renuncia a suas regalias e ainda pretende sempre as alargar. É o que chamamos establishment em ação. Trata-se de um amplo leque de apaniguados, principalmente encastelados no Legislativo, no Judiciário e nos altos escalões do Executivo Federal, a viver permanentemente da máquina pública, isto é, dos impostos recolhidos com sacrifício pelo Brasil que presta.

O fim do ano trouxe mais alguns exemplos dessa voracidade irredutível do establishment. Inconformadas com um aumento prometido pelo governo federal para os policiais e militares em geral, eles, sim, defensores da sociedade, algumas classes, as de melhor remuneração na República, por sinal, se abespinharam. Também queremos aumento! — bradaram — ou vamos à greve! Funcionários da Recita Federal passaram a fazer as chamadas operações-padrão, que só conseguem encarecer os produtos que estão sendo fiscalizados, isto é, agredir os consumidores finais, tanto mais agredidos quanto menos ganham e mais necessitam.
Funcionários do Banco Central seguiram na mesma linha. E sabemos, leitores, que esses funcionários são muito bem remunerados. O que fazem estes últimos em benefício da sociedade, principalmente daquela parte da sociedade que utiliza os serviços bancários?
O Brasil tem a maior concentração bancária do mundo: cinco bancos detêm 80% dos depósitos. Os lucros desses bancos são astronômicos. Mas os serviços, para a população em geral são os piores do universo. A automação bancária no Brasil foi implantada para melhorar a situação dos bancos, não para melhorar o atendimento aos usuários, muito menos aos pequenos usuários. Um pequeno correntista não tem a quem recorrer, se o próprio banco cometer um equívoco em sua conta. Gerentes são inacessíveis ou não tem alçada para resolver um problema fora da rotina. Os atendimentos telefônicos são péssimos. E-mails não são respondidos.
Uma das funções do Banco Central é precisamente a de fiscalizar os bancos. Experimente o leitor buscar o Banco Central com uma reclamação comprovada contra um grande banco. Parece piada, mas é verdade: o Banco Central lhe mandará procurar a ouvidoria do próprio banco que está lhe tratando mal e porcamente. Em suma, o Banco Central está domesticado pelos grandes bancos. Não serve, ao menos nesse particular, à sociedade, ao Brasil que presta. Mas querem seus funcionários que o Brasil lhe aumente os salários, em que pese estarem entre os maiores do País, adicionarem outros privilégios e a economia, como eles sabem melhor que ninguém, não permitir de momento fazer a menor graça.
Luiz Fux e os 96 voos da FAB
E apenas como complemento, pois faz parte do assunto: o repórter Lucio Vaz, da “Gazeta do Povo” relatou, na semana passada, que o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, no ano de 2021, utilizou os jatinhos da FAB para seus deslocamentos particulares, o mais das vezes para sua casa no Rio de Janeiro, por 96 vezes, a um custo, para o Brasil que presta, de 1,6 milhão de reais. Sim, quase uma centena de viagens. É legal, leitor? Sim, é legal.
Há quatro decretos presidenciais regulamentando o uso dessas aeronaves. Presidentes dos poderes podem usá-las para seus deslocamentos para locais de suas residências permanentes. É legal, mas é agressivamente legal para com os contribuintes pobres que custeiam esse luxo. É legal, mas acintosamente legal usar tantas vezes quanto possível tal privilégio. É legal, mas não é razoavelmente legal ter trabalho fixo em Brasília e residir em um local tão distante quanto o Rio de Janeiro.
Enfim, esperemos que o governo federal tenha um dia forças suficientes para alterar essa legislação. Em benefício do Brasil que presta.