Por que não criticar aqueles que, na UFG, homenagearam o ditador Fidel Castro?

20 fevereiro 2022 às 00h00

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Deixando de lado o fanatismo e o interesse material, o que pode levar um jovem a defender ou homenagear tiranias?
Na semana passada, duas irracionalidades nos chamaram a atenção, uma em nível nacional e outra ocorrida aqui em Goiás. A primeira se deu quando um deputado federal, Kim Kataguiri, num programa do youtuber conhecido como Monark, que havia defendido a legalidade de um partido nazista no Brasil, concordou com o apresentador e foi além: declarou que foi errada a criminalização do partido nazi por parte da Alemanha após o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
O outro despropósito aconteceu em Goiânia. A turma de Direito da Universidade Federal de Goiás que colou grau no dia 11 último resolveu homenagear o ditador Fidel Castro (1926-2016), dando a ele o nome da turma.
O primeiro acontecimento foi devidamente repreendido na imprensa e no Congresso, e acabou por gerar uma investigação por parte da Procuradoria Geral da República (PGR).
O segundo passou em brancas nuvens, não só pela desimportância nacional da UFG como também pela simpatia que boa parte da imprensa tem pela ditadura cubana.
Se Kim Kataguiri e Monark imediatamente procuraram se desculpar e amenizar suas declarações, nenhuma explicação surgiu entre os formandos da UFG que justificasse tão esdrúxula homenagem.
Já houve um precedente: homenagem igual, também de uma turma de Direito da UFG foi feita em 1960 quando Fidel Castro foi convidado para paraninfo. Não veio, mas mandou um representante, Rolando Cubela (ainda vivo, 90 anos, na Espanha, e que rompeu com Castro quando este pendeu para a ditadura comunista). Mas eram outros tempos: Fidel e seus comandados haviam recém derrubado uma ditadura feroz, a de Fulgencio Batista, e eram uma esperança de democracia e liberdade para Cuba. Fidel iria em breve se revelar um ditador pior que Batista.

Peço ao leitor um auxílio na busca das razões que levam pessoas de certa posição social, teoricamente estudadas e civilizadas, presumivelmente inteligentes, a cortejar ditaduras. Onde encontrar essas razões, sabemos nós: na degradação dos ambientes político e universitário brasileiros. Deixando de lado o fanatismo, que é um desvio psicológico e o interesse material, que é um desvio de caráter, ambos incuráveis, o que pode levar um jovem a defender ou homenagear tiranias? Como evitar esses equívocos?
Há algo em comum na posição de Kim Kataguiri e dos formandos da UFG, sem dúvida: o desconhecimento, a ignorância do que se passou nas ditaduras que defendem. Ninguém, exceto os fanáticos ou os interesseiros pode deixar de condenar, se bem os conhecer, o Holocausto promovido pelos nazistas ou o Holodomor promovido pelos comunistas, para dar apenas dois exemplos.
Ocorre que no ambiente político, salvo as exceções, e Kataguiri seguramente não é uma delas, chega-se ao topo sem exigências culturais, sem luzes intelectuais, e lá chegando, por exemplo, na Câmara ou no Senado, estudar, ler, penetrar com profundidade em algum assunto, como esse da história, é algo impensável. As preocupações são outras: como se reeleger, as manobras que é preciso fazer para tanto. Ou como ganhar dinheiro, se político profissional for, como tantos são nas duas casas do Congresso. E lá estão, mesmo sem grandes serviços prestados ao país, em alguns casos com uma ficha manchada de casos de corrupção, há anos e anos. Um mínimo de capacidade de se colocar no lugar de outrem, principalmente se for pai ou mãe, e um mínimo de capacidade de imaginação fará qualquer um recuar, se se imaginar no lugar de um judeu chegando a um campo de concentração com um filho e vendo-se separado dele, que será encaminhado para uma câmara de gás. Só o desconhecimento desse e de milhares de outros horrores correlatos pode fazer alguém defender o nazismo.

Com o comunismo, o horror não é diferente. Mas houve uma condescendência com o marxismo que vem do final da Segunda Guerra, pois a União Soviética foi aliada para derrotar o nazismo e teve que ser tolerada por décadas, até que desmoronasse por si própria. Nessas décadas, espalhou a desinformação pelo mundo, vendendo uma imagem de igualdade e progresso. A igualdade era falsa, porque a nomenclatura marxista sempre viveu no fausto, e a coletividade que a ideologia exaltava sempre viveu na pobreza e em muitos casos na miséria. O progresso prometido jamais existiu. A opressão sempre foi violenta, e o extermínio, ao menos em termos numéricos, deixou os nazistas no chinelo. Em dezenas de países repetiu a crueldade e o insucesso. Quem não estuda, não lê, não viaja, não trava contato com quem viveu esses horrores ditatoriais está fadado, como Kataguiri, a dizer sandices e ter que se arrepender. Ou como os formandos da UFG, a prestar homenagens injustificáveis.
Os formandos de Direito da UFG, que homenagearam o ditador Fidel Castro, não fizeram diferente de Kim Kataguiri pecaram por ignorância, exceto os fanáticos e gananciosos. Vão se convencer mais tarde, pela experiência, que muitas vezes supre a falta do estudo e da leitura, de que homenagearam uma ficção. Pois não se pode homenagear alguém que promoveu fuzilamentos sumários, eliminou dissidentes, torturou, exilou. Não pode ser homenageado quem foi ditador absoluto por mais de meio século, vivendo no luxo com o seu entourage, enquanto seu povo mais e mais mergulhava na miséria. Não pode ser homenageado um dirigente que espavoriu seu próprio povo a ponto de 10% dele se lançar ao mar, com qualquer coisa que flutuasse, para alcançar o exílio. Ou que privou de liberdade, a mais comezinha delas, três gerações de uma ilha, para não dizer de uma nação.
Imaginem uma turma de formandos em Cuba dando a ela o nome de Presidente Kennedy. Alguém dela escaparia à prisão no ato? Esses rapazes e essas moças não visitaram Cuba. Ou se visitaram, não falaram em reservado com alguém do povo, que sofre com o racionamento de comida e com a falta dos mais simples produtos de higiene. Não conheceram um dos milhares de médicos cubanos, que aqui vieram apartados praticamente à força dos conjugues e dos filhos, que lá ficaram reféns, que foram vigiados pelos policiais que vieram de Cuba para isso, que foram proibidos de receber visitas dos familiares e de se confraternizar com brasileiros, além de ter 85% de seus salários confiscados pela ditadura.
Mas esses rapazes e essas moças merecem um desconto: o ambiente universitário em que se formaram foi tomado pela ideologia, e a doutrinação substitui o ensino que, verão, vai lhes fazer falta na vida profissional. Pintaram para eles um Fidel Castro que não existe. A imprensa, com suas redações predominantemente de esquerda, auxiliou nessa pintura. E as universidades brasileiras mergulham, enquanto isso, em seu aviltamento. Se fossem informados, esses rapazes e essas moças saberiam que os que se formaram nas faculdades brasileiras nas décadas de 1960, 1970 e 1980, quando visitam agora seus antigos locais de estudo se espantam com a degradação. Se fossem informados, saberiam que entre as 100 melhores universidades do mundo não há uma sequer brasileira (embora haja uma argentina). Que entre as 200, há apenas a USP. Saberiam que sua UFG não se encontra nem mesmo entre as 1.000 melhores universidades do mundo. Aliás, nem entre as 1.200, e está atrás de universidades de países bem pouco expressivos, como Paraguai e Equador. Então, em vez de aplaudir um ditador, que é aplaudir sua doutrina, pensariam em cobrar do regime que colocou o ensino brasileiro entre os piores do mundo. E em fazer algo para melhorá-lo.