Atribuir violência à desigualdade, ideologia tão cara à esquerda, não é apenas utopia, mas um equívoco

Marina Silva: seu plano não traz propostas para área de segunraça l Celi Pinto
Marina Silva: seu plano não traz propostas para área de segunraça l Celi Pinto

Programas de candidatos não são imutáveis, embora sejam, atualmente, relatórios de intenções, vagos, que se es­quivam de causas que gerem grandes discussões no período de campanha eleitoral. Dão uma satisfação ao eleitorado e evitam acusações de improvisação. Programa de candidato é algo bastante diferente do que será praticado pelo eleito. O pla­no de governo de Marina Silva, para fugir a discussões incômodas, já foi alterado ao menos duas vezes. No caso, é bom que seja assim. No quesito Segurança Pública, seu programa não só é vago, como equivocado. Precisamos de algo muito diferente – e melhor. Vou detalhar a acusação.

O quesito Segurança Pública surge no programa de Marina Silva como parte do quinto capítulo (que o redator, para ser moderno, chama de “eixo”). O título do quinto “eixo”, dos seis que compõem o plano, é: Novo Urbanismo, Segurança Pública e Pacto pela Vida. Trata da Segurança entre as páginas 190 e 202 (o plano tem 242 páginas), e tem como abertura: “O país precisa de metas de estabilização social. Garantir a segurança a todos é um dos mais complexos desafios nesse campo, porque passa necessariamente pelo debate sobre as causas da violência, entre elas, a desigualdade”.

Mau começo. Um truísmo, uma utopia e um equívoco. Truísmo porque estamos, é mais que sabido, desestabilizados socialmente, com quase sessenta mil homicídios anuais. Utopia porque nem os estados mais ricos e civilizados conseguem garantir segurança a todos. E equívoco porque sugere que a desigualdade (ou a pobreza) seja a causa principal da violência. Esse encarar ideológico da questão, tão caro às esquerdas, é desmentido pelo fato de que a distribuição de renda feita nos últimos 20 anos, diminuindo a desigualdade e a pobreza, coincidiu com o aumento mais expressivo da violência que o país experimentou ao longo de sua história.

Nas doze páginas do plano que abordam a Segurança, consegue-se avaliar que esta parte não foi redigida por alguém com conhecimento prático da questão. O autor (ou autores) terá vindo do meio acadêmico, contaminado pelas crenças da esquerda que, ao longo das últimas duas décadas, levaram a segurança brasileira ao estado de guerra atual.

A apresentação é pobremente ilustrada. Mostra um quadro de ho­mi­cídios em 2012, em números ab­solutos por Estado, levando a interpretações distorcidas. São Paulo, que tem o maior número de homicídios, por ser o mais populoso, parece ser o Estado mais inseguro, quando na realidade é o mais seguro, junto com Santa Catarina. O quadro deveria ter apresentado homicídios por grupos de cem mil habitantes, como é usual, dando uma visão real da situação em cada unidade da Federação. Há um quadro de presos especificados por cor, traduzindo su­bli­minarmente outro cacoete es­querdista, de que os aprisionados o são porque são pobres, pretos ou par­dos, e não porque cometeram crimes.

Há um quadro que mistura, sem que haja correlação entre as duas coisas, o número de homicídios por estado e a remuneração das respectivas polícias militares. O plano faz uma demonstração — e acusação — ao afirmar, neste caso corretamente, que as dotações orçamentárias para a Segurança não só são parcimoniosas, como não têm sido cumpridas. Diz da desarticulação dos organismos responsáveis pela Segurança, da deficiência de quadros na Polícia Federal, e da incapacidade de esclarecer crimes. Fala nos nós do sistema prisional.
Surpreendentemente, e isso mostra que o plano só pode ser coisa de teoria acadêmica, faz pouquíssima referência à questão do tráfico e disseminação das drogas. É mesmo omisso quanto a enfrentar a proliferação das drogas baratas e que alvejam a juventude, como o crack.

Ora, todo o meio policial e penitenciário sabe que a raiz do agravamento do problema da Segurança está no tráfico, no absurdo número de homicídios e na subversão do sistema prisional, que deixou de ser comandado pelas autoridades. Estas terminaram por ceder às organizações criminosas, como o CV (Comando Verme­lho, carioca) e o PCC (Primeiro Comando da Capital, paulista), que hoje dominam as prisões, permeáveis à entrada de armas, drogas e celulares.

As propostas do plano de governo de Marina Silva não deixam entrever uma melhora expressiva nessa situação caótica, bélica, que vivemos na Segurança Pública. Há propostas inteligentes, é verdade, mas há as utópicas e obtusas. É proposto um Pacto Nacional de Redução de Homicídios, constando de doze pontos, onde há menção — sem detalhes — de medidas positivas, principalmente quanto à modernização policial, ao uso intensivo da inteligência e formação de bancos de dados, à valorização e capacitação profissional do funcionalismo da Segurança, ao policiamento de fronteiras, ao combate ao tráfico de armas e drogas, e à repressão aos crimes de lavagem de dinheiro. Mas faltou um décimo terceiro ponto: combinar com os bandidos.

O plano é supertímido no abordar algo importantíssimo: a reforma na legislação penal e carcerária. Se­quer fala na contribuição possível — e necessária — do judiciário para es­sa reforma. Nas propostas está su­bentendida uma concentração maior ainda no governo federal de toda a execução da política de Segurança, o que implica num maior enfraquecimento dos estados e de suas polícias, já bastante desmotivadas.

Em nenhum momento fala em revogar ou mesmo rever o Estatuto do Desarmamento, uma lei responsável em boa parte pelo agravamento da criminalidade, enquanto assegura a confiança de que desfrutam os bandidos. É uma lei repudiada pela sociedade, por ser contraproducente e até totalitária. Embora fale em melhoria material para o funcionalismo policial, o plano é omisso quando trata de melhoria moral, de restabelecer a autoridade policial, que está submersa na onda de proteção aos bandidos pelos “direitos humanos” unilaterais e exagerados, uma distorção ideológica que já tarda em ser corrigida.

E, finalmente, o plano é desastroso quando trata da questão prisional pura e simples. Fala de uma “nova política prisional de caráter nacional”. Embora no diagnóstico da questão esteja a superlotação dos presídios, essa “nova política”, não está focada na construção de novas penitenciárias, humanas, com instalações condignas, trabalho remunerado para os internos, educação responsável permitindo recuperação confiável e lazer. Não fala de novos estabelecimentos penais verdadeiramente sob controle do Estado, onde elementos perigosos fiquem confinados, não ameaçando autoridades carcerárias e outros detentos ou comandando seus exércitos fora das cadeias. Onde não entrem de armas, drogas ou telefones.

A “nova política” não fala de cadeias efetivas. A “nova política” voltar-se-á para o desencarceramento. Parece coisa de psicólogos ou sociólogos com a cabeça nas nuvens, como uma psicóloga que recentemente afirmou ser necessário estabelecer penas alternativas para crimes de pequena gravidade, como furtos e tráfico de drogas. Se o tráfico, raiz dos roubos, assaltos e homicídios for considerado crime de pequena gravidade, aonde iremos?
O plano de Marina fala coisas como: “O Judiciário deve ser envolvido em uma ação conjunta com o Executivo no sentido de buscar a maneira de melhorar o sistema de penas que possam diminuir o encarceramento evitável”. Ou: “Promo­ver penas alternativas, incentivar justiça restaurativa para superação de conflitos e estimular penas de restrição de liberdade como alternativas às penas de privação da liberdade”.

Há uma crença entre as esquerdas de que crime contra o patrimônio não é grave, sendo quase desculpável. Se você tem um bonito carro, então, é um capitalista desalmado que está provocando um pobre assaltante que não teve oportunidades na vida. É natural que ele lhe meta um revólver nas fuças e leve seu carro. Não há nada de mais nisso. Mas, afinal, não prender bandidos, não isolá-los da sociedade, não impedir que roubem ou matem, e esperar que entendam o apelo da sociedade pela paz não é só ideológico e utópico — é ridículo, e também trágico, embora muitas “autoridades”, como vimos, insistam nisso.

Cadu, assassino do cartunista Glauco e seu filho Raoni, posto em liberdade poressa política do “desencarceramento”, foi preso em Goiânia, após trucidar pelo menos mais duas pessoas. Preso, como deveria estar, não as teria matado. A reportagem de Cleomar de Almeida, do jornal O Popular, mostra um garoto de nove anos, envolvido com traficantes, declarando: “Tem um tantão de traficante que conheço que tem aquele negócio preso na perna com uma luzinha piscando”. É o traficante no semiaberto, usando tornozeleira eletrônica, continuando no crime, e desencaminhando crianças. Preso numa boa penitenciária, não estaria infelicitando famílias.

EUA, Brasil, Rússia. Três países cujas condições físicas são semelhantes: países continentais; vastas fronteiras por onde contrabandear drogas e armas; grande população; grandes cidades. Além disso, são Estados com leis mais ou menos democráticas e sistema penal e carcerário assemelhado, embora mais aperfeiçoado nos EUA. Os Estados Unidos têm uma população carcerária de sete presos por mil habitantes, a Rússia 4,7 e o Brasil 2,8. Os EUA têm uma taxa anual de homicídios de 5 mortos por cem mil habitantes e a Rússia de 15. No Brasil, ela é de 25. Não existe aí uma correlação visível? – Pergunta-se, não à ideologia ou à paixão, mas à inteligência.