Plano de governo de Marina Silva é mais utópico do que se esperava

13 setembro 2014 às 11h54
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Atribuir violência à desigualdade, ideologia tão cara à esquerda, não é apenas utopia, mas um equívoco

Programas de candidatos não são imutáveis, embora sejam, atualmente, relatórios de intenções, vagos, que se esquivam de causas que gerem grandes discussões no período de campanha eleitoral. Dão uma satisfação ao eleitorado e evitam acusações de improvisação. Programa de candidato é algo bastante diferente do que será praticado pelo eleito. O plano de governo de Marina Silva, para fugir a discussões incômodas, já foi alterado ao menos duas vezes. No caso, é bom que seja assim. No quesito Segurança Pública, seu programa não só é vago, como equivocado. Precisamos de algo muito diferente – e melhor. Vou detalhar a acusação.
O quesito Segurança Pública surge no programa de Marina Silva como parte do quinto capítulo (que o redator, para ser moderno, chama de “eixo”). O título do quinto “eixo”, dos seis que compõem o plano, é: Novo Urbanismo, Segurança Pública e Pacto pela Vida. Trata da Segurança entre as páginas 190 e 202 (o plano tem 242 páginas), e tem como abertura: “O país precisa de metas de estabilização social. Garantir a segurança a todos é um dos mais complexos desafios nesse campo, porque passa necessariamente pelo debate sobre as causas da violência, entre elas, a desigualdade”.
Mau começo. Um truísmo, uma utopia e um equívoco. Truísmo porque estamos, é mais que sabido, desestabilizados socialmente, com quase sessenta mil homicídios anuais. Utopia porque nem os estados mais ricos e civilizados conseguem garantir segurança a todos. E equívoco porque sugere que a desigualdade (ou a pobreza) seja a causa principal da violência. Esse encarar ideológico da questão, tão caro às esquerdas, é desmentido pelo fato de que a distribuição de renda feita nos últimos 20 anos, diminuindo a desigualdade e a pobreza, coincidiu com o aumento mais expressivo da violência que o país experimentou ao longo de sua história.
Nas doze páginas do plano que abordam a Segurança, consegue-se avaliar que esta parte não foi redigida por alguém com conhecimento prático da questão. O autor (ou autores) terá vindo do meio acadêmico, contaminado pelas crenças da esquerda que, ao longo das últimas duas décadas, levaram a segurança brasileira ao estado de guerra atual.
A apresentação é pobremente ilustrada. Mostra um quadro de homicídios em 2012, em números absolutos por Estado, levando a interpretações distorcidas. São Paulo, que tem o maior número de homicídios, por ser o mais populoso, parece ser o Estado mais inseguro, quando na realidade é o mais seguro, junto com Santa Catarina. O quadro deveria ter apresentado homicídios por grupos de cem mil habitantes, como é usual, dando uma visão real da situação em cada unidade da Federação. Há um quadro de presos especificados por cor, traduzindo subliminarmente outro cacoete esquerdista, de que os aprisionados o são porque são pobres, pretos ou pardos, e não porque cometeram crimes.
Há um quadro que mistura, sem que haja correlação entre as duas coisas, o número de homicídios por estado e a remuneração das respectivas polícias militares. O plano faz uma demonstração — e acusação — ao afirmar, neste caso corretamente, que as dotações orçamentárias para a Segurança não só são parcimoniosas, como não têm sido cumpridas. Diz da desarticulação dos organismos responsáveis pela Segurança, da deficiência de quadros na Polícia Federal, e da incapacidade de esclarecer crimes. Fala nos nós do sistema prisional.
Surpreendentemente, e isso mostra que o plano só pode ser coisa de teoria acadêmica, faz pouquíssima referência à questão do tráfico e disseminação das drogas. É mesmo omisso quanto a enfrentar a proliferação das drogas baratas e que alvejam a juventude, como o crack.
Ora, todo o meio policial e penitenciário sabe que a raiz do agravamento do problema da Segurança está no tráfico, no absurdo número de homicídios e na subversão do sistema prisional, que deixou de ser comandado pelas autoridades. Estas terminaram por ceder às organizações criminosas, como o CV (Comando Vermelho, carioca) e o PCC (Primeiro Comando da Capital, paulista), que hoje dominam as prisões, permeáveis à entrada de armas, drogas e celulares.
As propostas do plano de governo de Marina Silva não deixam entrever uma melhora expressiva nessa situação caótica, bélica, que vivemos na Segurança Pública. Há propostas inteligentes, é verdade, mas há as utópicas e obtusas. É proposto um Pacto Nacional de Redução de Homicídios, constando de doze pontos, onde há menção — sem detalhes — de medidas positivas, principalmente quanto à modernização policial, ao uso intensivo da inteligência e formação de bancos de dados, à valorização e capacitação profissional do funcionalismo da Segurança, ao policiamento de fronteiras, ao combate ao tráfico de armas e drogas, e à repressão aos crimes de lavagem de dinheiro. Mas faltou um décimo terceiro ponto: combinar com os bandidos.
O plano é supertímido no abordar algo importantíssimo: a reforma na legislação penal e carcerária. Sequer fala na contribuição possível — e necessária — do judiciário para essa reforma. Nas propostas está subentendida uma concentração maior ainda no governo federal de toda a execução da política de Segurança, o que implica num maior enfraquecimento dos estados e de suas polícias, já bastante desmotivadas.
Em nenhum momento fala em revogar ou mesmo rever o Estatuto do Desarmamento, uma lei responsável em boa parte pelo agravamento da criminalidade, enquanto assegura a confiança de que desfrutam os bandidos. É uma lei repudiada pela sociedade, por ser contraproducente e até totalitária. Embora fale em melhoria material para o funcionalismo policial, o plano é omisso quando trata de melhoria moral, de restabelecer a autoridade policial, que está submersa na onda de proteção aos bandidos pelos “direitos humanos” unilaterais e exagerados, uma distorção ideológica que já tarda em ser corrigida.
E, finalmente, o plano é desastroso quando trata da questão prisional pura e simples. Fala de uma “nova política prisional de caráter nacional”. Embora no diagnóstico da questão esteja a superlotação dos presídios, essa “nova política”, não está focada na construção de novas penitenciárias, humanas, com instalações condignas, trabalho remunerado para os internos, educação responsável permitindo recuperação confiável e lazer. Não fala de novos estabelecimentos penais verdadeiramente sob controle do Estado, onde elementos perigosos fiquem confinados, não ameaçando autoridades carcerárias e outros detentos ou comandando seus exércitos fora das cadeias. Onde não entrem de armas, drogas ou telefones.
A “nova política” não fala de cadeias efetivas. A “nova política” voltar-se-á para o desencarceramento. Parece coisa de psicólogos ou sociólogos com a cabeça nas nuvens, como uma psicóloga que recentemente afirmou ser necessário estabelecer penas alternativas para crimes de pequena gravidade, como furtos e tráfico de drogas. Se o tráfico, raiz dos roubos, assaltos e homicídios for considerado crime de pequena gravidade, aonde iremos?
O plano de Marina fala coisas como: “O Judiciário deve ser envolvido em uma ação conjunta com o Executivo no sentido de buscar a maneira de melhorar o sistema de penas que possam diminuir o encarceramento evitável”. Ou: “Promover penas alternativas, incentivar justiça restaurativa para superação de conflitos e estimular penas de restrição de liberdade como alternativas às penas de privação da liberdade”.
Há uma crença entre as esquerdas de que crime contra o patrimônio não é grave, sendo quase desculpável. Se você tem um bonito carro, então, é um capitalista desalmado que está provocando um pobre assaltante que não teve oportunidades na vida. É natural que ele lhe meta um revólver nas fuças e leve seu carro. Não há nada de mais nisso. Mas, afinal, não prender bandidos, não isolá-los da sociedade, não impedir que roubem ou matem, e esperar que entendam o apelo da sociedade pela paz não é só ideológico e utópico — é ridículo, e também trágico, embora muitas “autoridades”, como vimos, insistam nisso.
Cadu, assassino do cartunista Glauco e seu filho Raoni, posto em liberdade poressa política do “desencarceramento”, foi preso em Goiânia, após trucidar pelo menos mais duas pessoas. Preso, como deveria estar, não as teria matado. A reportagem de Cleomar de Almeida, do jornal O Popular, mostra um garoto de nove anos, envolvido com traficantes, declarando: “Tem um tantão de traficante que conheço que tem aquele negócio preso na perna com uma luzinha piscando”. É o traficante no semiaberto, usando tornozeleira eletrônica, continuando no crime, e desencaminhando crianças. Preso numa boa penitenciária, não estaria infelicitando famílias.
EUA, Brasil, Rússia. Três países cujas condições físicas são semelhantes: países continentais; vastas fronteiras por onde contrabandear drogas e armas; grande população; grandes cidades. Além disso, são Estados com leis mais ou menos democráticas e sistema penal e carcerário assemelhado, embora mais aperfeiçoado nos EUA. Os Estados Unidos têm uma população carcerária de sete presos por mil habitantes, a Rússia 4,7 e o Brasil 2,8. Os EUA têm uma taxa anual de homicídios de 5 mortos por cem mil habitantes e a Rússia de 15. No Brasil, ela é de 25. Não existe aí uma correlação visível? – Pergunta-se, não à ideologia ou à paixão, mas à inteligência.