O dia 21 de maio de 2024 tem tudo para ficar marcado na História do Brasil. Marcado como um dia de vergonha, de injustiça, de decepção, e principalmente de triunfo da grossa corrupção. E não só por um motivo. Vamos, por ordem de importância, ao primeiro deles.

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Marcelo Odebrecht: o culpado que virou inocente

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, anulou, com um golpe de tinta, nesse dia 21, todas as ações da Operação Lava-Jato contra o empresário Marcelo Odebrecht.

Lembremos, leitor, pois a memória é falha, alguns dados da Operação Lava Jato, no que respeita à Odebrecht. Foi um escândalo internacional, de dimensões abissais. Talvez o maior escândalo no gênero já ocorrido na história.

A operação teve início em 2014 e se prolongou até 2021. Nesse intervalo, foram abertos quase 200 inquéritos, investigados mais de 400 figurões (inclusive quatro ex-presidentes da República) e condenados mais de 100 envolvidos.

Dias Toffoli: ministro do Supremo Tribunal Federal | Foto: Rosinei Coutinho/ SCO/ STF

Provas irrefutáveis foram colhidas pela Polícia Federal, os principais envolvidos confessaram espontaneamente ou fizeram delações premiadas, dinheiro desviado foi devolvido em enormes quantias pelos culpados ou apreendido em contas clandestinas no exterior e multas bilionárias foram aplicadas em acordos de leniência, o maior deles (com multa de 2,6 bilhões de dólares paga pela Odebrecht) promovido pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Embora outras grandes empresas — principalmente as que compunham um cartel de empreiteiras — estivessem envolvidas, o ator principal era a Odebrecht, presidida por Marcelo Odebrecht.

A empresa dispunha até de um “Departamento de Operações Estruturadas”, eufemismo para aquilo que o brilhante jornalista J. R. Guzzo, do “Estadão”, denominou “aparelho de corrupção mais explícito da história mundial da roubalheira”: um departamento da empresa com diretores, funcionários, computadores e programas com a única finalidade de pagar propinas, a figurões políticos principalmente.

Em tal departamento havia, somente à disposição do PT, um destaque de verba de R$ 300 milhões para pixulecos.

As condenações judiciais em primeira instância foram, em muitos casos, respaldadas pelas instâncias superiores, o Supremo Tribunal Federal inclusive.

Mas a coisa assumiria ares ainda mais sérios: a Operação Lava-Jato despertaria a justiça de outros países, onde a Odebrecht operava, às vezes graças a interferência do governo brasileiro (leia-se Lula da Silva e Dilma Rousseff).

A empresa havia deixado um rastro de corrupção pelo globo terrestre afora. Similares da Lava-Jato surgiriam em países próximos ou distantes, inspirados por ela ou por percepção de corrupção, já que os métodos de desvio eram agora conhecidos.

Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México, Panamá, Peru, Portugal, República Dominicana e Venezuela desfecharam, com maior ou menor sucesso, suas operações anticorrupção envolvendo empresas brasileiras.

O caso mais escandaloso — fora o do Brasil — seria o do Peru, com consequências trágicas.

Quatro ex-presidentes foram denunciados por envolvimento em propinas da Odebrecht. Pedro Paulo Kuzcynski e Ollanta Umalla, salvo engano, ainda respondem a processos. Alejandro Toledo vive foragido nos Estados Unidos, e o Peru busca sua extradição.

Sergio Cabral: condenação de 100 anos virou pó | Foto: Reprodução

O trágico ficou por conta de Alan García. Quando a polícia bateu à porta do ex-presidente peruano para prendê-lo, este, envergonhado, suicidou-se com um tiro, em abril de 2019. Muito diferente dos corruptos brasileiros, que sequer se ruborizam quando pegos com a boca na botija.

No Brasil, quase todos os condenados na Operação Lava-Jato e em seus desdobramentos estão soltos, inclusive o ex-governador carioca Sérgio Cabral, que havia sido condenado a 100 anos de prisão. Multas foram perdoadas e os promotores e juízes que promoveram a Operação Lava-Jato têm sido objeto de perseguições políticas.

 E agora, todas as acusações contra o cidadão que presidia a Odebrecht à época dos escândalos são tornadas sem efeito por um despacho de um ministro do Supremo. Algo muito triste e desanimador.

Porém, há mais.

2

Jose Dirceu: “livre” para voar para o Congresso

Nesse mesmo dia 21, a segunda turma do STF extinguiu a pena de José Dirceu por corrupção em processo da Lava-Jato.

Foram três votos a favor do “comissário” (Ricardo Lewandowsy, que havia votado antes da aposentadoria, Nunes Marques, o que soa estranho, embora não seja essa a primeira surpresa desagradável dali advinda, e Gilmar Mendes, o mais previsível voto) e dois contra, ambos surpresa: Fachin e Cármen Lúcia.

O significado ideológico dessa benesse não é de se desprezar. José Dirceu é o ideólogo e o estrategista do PT e suas ideias atrasadas movem o partido. Sempre que alguma medida de cunho marxista parte do governo petista, pode-se imaginar que sua figura esteja por trás.

Lula da Silva com José Dirceu e Antônio Palocci: passando uma borracha no passado | Foto: Reprodução

Há cerca de 20 anos, José Dirceu, em entrevista à revista “Veja” n° 1813, declarava: “É ilusão pensar que nós estamos sendo levados pelos problemas do dia a dia e que estamos nos perdendo nas crises que aparecem. Não nos subestimem”.

Faz sentido creditar a José Dirceu a estratégia petista, que, no melhor figurino marxista (ou melhor, gramscista), conseguiu aparelhar a Justiça, a imprensa, o meio universitário e o meio artístico, sem contar a ala esquerdista da Igreja Católica.

Lula da Silva, a figura maior do partido, nunca acendeu nenhuma luz intelectual. Nunca estudou, se orgulha de nunca ter lido um livro, faz pouco da educação formal, logo desconhece geografia, história e filosofia. Nunca conseguiria formular qualquer estratégia política, pois é apenas um sensitivo, com um pendor para conquistar pelo populismo barato as camadas mais desinformadas do eleitorado.

Já José Dirceu é advogado formado, esteve por longos anos em Cuba (entre 1969 e 1975), fez ali cursos de capacitação política e militar, além de exercitar a atividade intelectual (tem livro publicado, intitulado “Tempos de Planície”, de 2011). É tido como a principal figura pensante do Partido dos Trabalhadores, que ajudou a criar, além de orientador intelectual de Lula da Silva. Como ele próprio adverte, não pode ser subestimado.

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Calheiros e Jucá: tutti buona gente ma no troppo

Renan Calheiros e Romero Jucá: com processo arquivado, agora é só alegria | Foto: Reprodução

Para a refeição do dia 21 se completar, viria a sobremesa: o ministro Edson Fachin, atendendo a Procuradoria-Geral da República, que parece atingida por uma irremediável leniência, arquivou os inquéritos da Lava-Jato contra os notórios Renan Calheiros e Renato Jucá, que dormiam desde 2017.

Fossem dois aposentados acampados à porta de um quartel do Exército no ano passado, mesmo que não tivessem participado do quebra-quebra de 8 de janeiro, estariam presos, teriam sido julgados e condenados a 17 anos de prisão. Mas eram apenas dois ilustres senadores “companheiros”, que só tinham feito uma corrupçãozinha de alguns milhões.

Assombroso, tudo isso. Como é assombroso que nenhuma liderança expressiva proteste enérgica e nacionalmente contra os super-abusos. Como fazia Carlos Lacerda quando governador. Ou o general Eduardo Villas Bôas, quando comandante do Exército.