Só se cobra compreensão do presidente. Cadê os processos contra o senador Renan Calheiros?

Um dos políticos mais admiráveis de minha geração era Carlos Lacerda (1914-1977 — viveu apenas 63 anos). Foi um excepcional tribuno (deputado de 1955 a 1960) e competente administrador (governou o Rio de Janeiro — então Estado da Guanabara — de 1960 a 1965). Era ainda um combativo e empreendedor jornalista, destemido e honesto até a medula.

Batizado em homenagem a Karl Marx e Frederick Engels por um pai marxista (seu nome completo era Carlos Frederico Werneck Sodré de Lacerda), foi comunista na juventude, mas vacinou-se. Foi um duro crítico dessa crença ao longo de sua vida adulta, o que lhe valeu combate ferrenho por parte da esquerda, incluindo os seus colegas jornalistas, que, já nas décadas de 1950 e 1960, tinham suas inclinações sinistras. Uma de suas frases inteligentes dizia que a “política só é a uma atividade elevada nos momentos de crise”. Tinha razão: o dia-a-dia da maioria dos políticos é feito de mesquinharias, trocas, negociatas, negaceios, defesa de interesses próprios ou corporativos, aproveitamentos, mordomias, promessas eleitoreiras. E se houver afrouxamento, corrupção, desvios, opressão, tirania. O povo costuma ser o grande esquecido. Nos momentos de crise, quando é preciso coragem, é que aparecem os verdadeiros políticos. Mas estes, infelizmente, costumam ser percebidos como grandes só tempos depois. Juscelino Kubitschek, por exemplo.

Vivemos um momento de crise, não só aqui, mas no mundo. Os contornos da crise no Brasil, contudo, diferem. No globo, a crise gira em torno da saúde, no centro dela está o vírus oriundo da China desconhecido. Vencê-lo é a meta. As opiniões são muitas, quase todas equivocadas, os Estados perplexos enfrentam a pandemia, com mais ou menos eficiência, mas todos às apalpadelas, nenhum detendo a fórmula perfeita de combate, que se existisse já seria de uso geral. No Brasil, a crise é antes de tudo, política. Só depois passa a ser de saúde. Desestabilizar o presidente Jair Bolsonaro é a meta. Esperamos que depois da borrasca surjam as verdadeiras dimensões dos políticos que estão hoje em seu centro. Sobre o mecanismo de propagação do vírus pouco ou nada se sabe, desde que surgiu. Já sobre o affaire político, as coisas ficam evidentes, e são percebidas por muitos, inclusive no seio do povão. As elites têm informações. O povo tem sensibilidade e percepção.

Jair Bolsonaro, presidente da República | Foto: Reprodução

A crise política é derivada da crise pandêmica, que usa como a moeda falsa usa a moeda boa para circular. O presidente da Câmara, político da velha cepa, desejoso de um protagonismo que naturalmente nunca terá, viu no episódio uma possibilidade alvissareira (para ele). É hoje uma espécie de primeiro-ministro. Aliou-se ao presidente do Senado, também encantado com uma projeção que nunca teve, para desestabilizar o governo.

O Supremo Tribunal Federal, cujos membros, todos indicados por um critério político de mesma origem, são aliados naturais, também se agregou.

A grande imprensa viu no episódio, como todos os participantes da conjura, a possibilidade de deposição do presidente da República e a volta ao estado de coisas que reinou no país sob Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e Dilma Rousseff. Foi uma época fácil para a mídia, às nossas custas. E parte dessa Imprensa, de grande peso aliás, participa ativamente das ações.

Resultado: Rodrigo Maia desfaz o que o Executivo pretende de positivo. Seja algo simples, como impedir que o estudante seja aliviado das taxas que o PC do B, através da UNE, cobra para sua nomenclatura, seja algo de enorme alcance, como beneficiar às custas do governo central Estados e municípios, arrasando a Lei de Responsabilidade Fiscal e todos os esforços feitos em décadas para conter abusos de prefeitos e governadores fracos ou desonestos.

Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre desfiguraram o pacote anticrime de Sergio Moro e a Lei de Abuso de Autoridade, além de manter intactos privilégios de deputados e senadores, como os bilhões do Fundo Partidário. Sabem do respaldo dos ministros do STF. Estes não se fazem de rogados.

Responsabilidade sobre medidas quanto ao vírus? Nada para o Presidente. Ele que se curve à vontade de governadores e prefeitos. Apoiadores do presidente, em meio a movimentações que pedem o abrandamento do isolamento, quando exageram e gritam por uma intervenção militar, algo tão infantil quanto impossível, são alvo de investigação pelo STF, sob pretexto de ameaça à democracia. A livre expressão só vale para a esquerda, na qual há partidos empenhados no mais atrasado totalitarismo, como o PC do B — que representa o antirrevisionismo e a idolatria de Stálin? Não quer e luta o PSOL pela implantação aqui da ditadura à moda cubana?

Nas gavetas do Supremo “dormem” doze processos contra Renan Calheiros

E a tudo isso se soma a atuação de boa parte da chamada Grande Imprensa. A Rede Globo e suas emissoras satélites, 24 horas por dia, o que até já vai ficando ridículo e é percebido por boa parte da população, só faz atacar o presidente, culpando-o por tudo que de mau acontece no País e nada divulgando de seus acertos, mesmo os mais evidentes, como o maciço socorro dos últimos dias, promovido pela Caixa Econômica aos mais prejudicados pela pandemia.

Ao que parece, para boa parte da grande imprensa, o resultado das urnas é inaceitável. Só pode ser presidente, no Brasil, alguém de esquerda, que ceda ao Congresso os cargos nos ministérios e nas empresas estatais como Petrobrás ou Furnas para uso desbragado e que se envolva em grossa corrupção com as grandes empreiteiras. Que libere à vontade verbas para as televisões, rádios e jornais. Que mande para ditaduras “amigas” nosso sofrido dinheirinho, via de um BNDES impenetrável. Esse comportamento é viral. Contaminou quase toda a imprensa, o que é fácil, pois o esquerdismo das redações é o seu melhor caldo de cultura. Até o sério “Estadão” lá vai por esse caminho.

Seus editoriais dos dias 21, 22 e 23 deste mês são ecos da imprensa parcial que temos. Em nada parecem artigos do sempre prudente, equilibrado e conservador jornal dos Mesquita.

O título do editorial de 21 é “O preço da pusilanimidade”. Como se fosse pusilânime um presidente que enfrenta, a um só tempo, um Senado, uma Câmara, um Supremo, um ministro da Saúde desleal e uma imprensa raivosa.

O editorial o chama de candidato a caudilho, por ter dito que “chega da velha política” e que “acabou a época da patifaria”. Julguei até aqui que o “Estadão” fosse contra a velha política e a patifaria representadas pelo loteamento de cargos para fazer caixa dois de campanha e o manejo do Orçamento Nacional por três ou quatro empreiteiras em benefício próprio e de políticos corruptos. O “Estadão”, em nossa história, tem um composrtamento de imparcialidade que seria triste ver desaparecer.

Em nenhum momento Bolsonaro mostra face totalitária. Se alguns poucos seguidores o fazem, numa demonstração de infantilidade e desconhecimento de uma realidade palpável, deve ele por isso desconhecer toda a multidão, seu único aliado nesse momento em que todos os demais o abandonam e se colocam contra ele? Não pode ir a uma concentração pública?

No dia 22, o editorial tem o cabeçalho: “O poder que Bolsonaro quer”. Segundo o artigo, o presidente quer um poder ditatorial, em que subjugue o Congresso e o Judiciário. Onde se apoia o articulista? No antagonismo atual, em que o Congresso (a Câmara principalmente) quer, visivelmente, subjugar o Executivo, exatamente o oposto do escrito no editorial (vide a quantidade de Medidas Provisórias caducadas por vontade de Maia, tentando asfixiar o governo Bolsonaro).

Mas o jornal se apoia também num elogio feito por Bolsonaro a Hugo Chávez no longínquo 1999, para dizer que o presidente pretende imitá-lo.

Qualquer jornalista de um município do interior goiano sabe não só que Hugo Chávez em 1999 escondia com sucesso sua face verdadeira de marxista, como sabe que nada mais antagônico que Bolsonaro e esses tiranetes latino-americanos, arremedos falhados de Stálin e Mao-Tsé-tung.

O editorial do dia 23 (“Bolsonaro e a democracia”) nada mais é que uma compungida constatação de que não há motivos para o impeachment de Bolsonaro, como querem os lunáticos do PSOL, o doidivanas Ciro Gomes ou o cínico presidente da OAB.

Não use o “Estadão” sua credibilidade para dizer que Maia e os deputados que ora o cercam mais de perto estão imbuídos dos mais elevados propósitos pátrios. Conhecemos a Casa. O mesmo vale para o Senado. Não tente a Imprensa fazer parecer que o Supremo é um conjunto de experimentados juristas em fim de carreira. Não é. É um aglomerado de advogados políticos, escolhidos por presidentes da República pouco recomendáveis, aprovados por um Senado discutível, presidido por um Renan Calheiros. E é o caso de se afirmar ao ministro Alexandre de Moraes, que há coisas mais fáceis e importantes quer achar que bolsonaristas admiradores do AI-5, que são dignos de pena.

Ali perto, nas gavetas do Supremo, dormem os doze processos contra Renan Calheiros. Políticos corruptos, endinheirados, aboletados no poder são a ameaça, não bolsonaristas barulhentos, mas desinformados, em meio a manifestações pacíficas. E o vírus? E o vírus, “Estadão”? A crise não é de saúde? Não estamos numa pandemia que precisa de compreensão e união para ser combatida? Só se cobra compreensão do presidente?