Dias atrás, em sua coluna no Estadão, o professor de filosofia na UFRGS, Denis Lerrer Rosenfield foi imensamente feliz quando resumiu em poucas palavras toda a tragédia da permanência do marxismo como sistema social. A ideia permanece, apesar dos constantes fracassos, e mais que isso, da ausência de um sucesso sequer, nas tentativas que foram perpetradas por mais de um século, e em todos os continentes. Essas tentativas deixaram, por onde passaram, um rastro de destruição, sangue e infortúnios. Somente um fanatismo religioso como o mencionado pelo professor Rosenfield, e um oportunismo até doentio de cúpulas políticas obcecadas pelo poder podem explicar o fato dessa doutrina não estar definitivamente sepultada nos dias de hoje. Para nós, algo pior acontece: apenas na América Latina essa doutrina nefasta ainda tem seus adeptos, em sua forma mais atrasada e devastadora: o socialismo soviético, outrora denominado Comunismo, que desapareceu na Europa sob os entulhos do Muro de Berlim. Devem-se a ele as maiores e piores atrocidades cometidas nos últimos cem anos. Em seu artigo, o professor gaúcho afirma, com rara precisão, sobre essa ideia comprovadamente utópica:

“Ideia sem seu processo histórico, é uma mera abstração, carente de significado. Sobra somente esta forma específica de fanatismo teológico/político”.

Seja nas ciências do meio físico, onde a comprovação se dá em laboratório, seja nas ciências do meio social, onde as teses se validam pela história, teoria e prática têm que estar em completo acordo, para que um fenômeno qualquer seja aceito como concepção natural. Vejamos:

Um químico, que pretendeu ter descoberto um novo combustível, não ficará por certo satisfeito apenas com o estudo teórico que fez, apontando a possibilidade de aproveitamento prático desse combustível. Conseguirá na indústria interessada, digamos, duas dezenas de motores, de várias potências diferentes, e fará testes exaustivos, observando como queima esse combustível, e a potência produzida. Se ao fim desses testes observar que o rendimento do novo combustível é muito inferior ao que previa sua teoria, e mais, que ele tem um poder corrosivo sobre as peças dos motores, o que encurta e muito sua vida útil, esse cientista abandonará de vez essa experiência, e buscará outra, que possa resultar em algo viável.

Um físico que acredita ter descoberto em teoria uma nova partícula subatômica, fará sua experiência em um acelerador de partículas, e se depois de repeti-la algumas dezenas de vezes não detectar essa nova partícula, mas sim aquelas já conhecidas, que por alguma de suas propriedades parecia ser algo ainda não descoberto, reconhecerá que essa sua ideia deve ser abandonada, e partir para outro tipo de investigação.

Um médico e biólogo que em teoria descobriu um novo medicamento para a cura do câncer, terá que fazer uma experiência muito mais cuidadosa. Terá que conseguir algumas dezenas de voluntários, entre os pacientes com essa moléstia, em vários estágios, e com muita cautela, administrar-lhes seu remédio experimental. Se esses pacientes não apresentarem nenhuma melhora e ainda passarem a sofrer de graves sequelas cardíacas, só caberá a esse cientista concluir que sua droga, em que depositou tantas esperanças, não é curativa, mas tóxica, e abandoná-la de vez. Só um fanático daria sequência a experimentos falhos que pioram as condições de existência de seus semelhantes. Nos três casos (fictícios) citados, o cientista que persistisse nas experiências fracassadas cairia no descrédito, e seria abandonado por seus colegas ou seguidores na empreitada. Falemos de um experimento real, não fictício:

A teoria dos alemães Karl Marx (1818-1893) e Friedrich Engels (1820-1895), de reorganização social, parte da premissa, quase profecia, de que no capitalismo, as classes dominantes, detentoras dos meios de produção (burguesia) terminariam por serem dominadas pelas classes exploradas (proletariado) dado a crescente concentração de riqueza nas mãos dos primeiros e o agravamento da pobreza dos segundos. Essa revolta começaria nos países mais industrializados, onde o ambiente seria mais propício. A revolta levaria à ditadura do proletariado, ao socialismo, e finalmente à sociedade sem classes, o comunismo, com os meios de produção não mais de propriedade individual, mas de toda a comunidade. Cada qual contribuiria para a sociedade de acordo com sua capacidade e receberia dela conforme sua necessidade. A base materialista e internacionalista da teoria viria a torná-la um sucedâneo da religião, e substituir o paraíso celeste, religioso, pelo paraíso terrestre, onde cada qual seria provido, pelo novo sistema social, do berço à sepultura, de tudo aquilo de que necessitasse. Teoria mais tentadora não poderia ser proposta. Sequer necessário seria morrer para chegar ao paraíso prometido.

Mas a profecia da revolta do proletariado nunca se realizou, e a primeira implantação do sistema marxista se deu no Império Russo, pouco industrializado, mais por revolta anti-czarista, do que por anticapitalismo, mas que alimentou as esperanças dos marxistas do mundo todo numa nova ordem mundial comunista. Era questão de tempo, diziam. Mas as coisas, na natureza não se passam segundo a vontade, mas segundo as leis naturais. A expansão do regime marxista não se deu pela revolta do proletariado, mas pela imposição da União Soviética, pela força, sobre o Leste Europeu, que os aliados abandonaram à própria sorte, ao fim da II Guerra. O pretenso desenvolvimento da URSS foi uma grande mentira, mas que expandiu a doutrina para outros continentes, antes que a mentira fosse desmascarada. Hoje, o marxismo é um experimento histórico de dezenas de países, sem um só sucesso. O infortúnio, a falta de liberdade, as perseguições, a tortura e a morte foram sua marca, onde quer que tenha sido experimentado. Nos países onde houve divisão interna entre os sistemas comunista e capitalista, foi gritante a superioridade do segundo. Os exemplos alemão e coreano mostraram a diferença enorme entre as liberdades e a qualidade de vida, comparados os dois regimes. Os que o sofreram e dele se libertaram (caso do mencionado Leste Europeu) tiveram enorme ganho de desenvolvimento econômico, recuperaram a liberdade individual e abominam seu passado de tirania. Resumindo: o marxismo pode ser comparado a uma experiência de laboratório (e o laboratório, no caso, é a história mundial) em que os cientistas tentaram, oitenta vezes, o mesmo experimento, prevendo um resultado (no caso, a igualdade, o desenvolvimento econômico e a paz social) e obtiveram o inverso (uma cúpula dirigente opulenta, uma sociedade quase que miserável, a angústia da opressão e da morte). Mesmo assim pretendem seus defensores (no caso, os próceres marxistas e seus seguidores ignorantes da história ou obliterados cognitivos) insistir no experimento, esperando que um dia dê certo. Como diz o professor Rosenfield, essa atitude só se explica pelo fanatismo político (dos pretensos dirigentes aproveitadores) e religioso (dos ignorantes da história). Vamos, nós brasileiros, mergulhar nessa insensatez?