Falar Português e falar “Brasileiro”: diferenças cruciais
17 março 2024 às 00h01
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Se o leitor brasileiro vai passar uma temporada em Portugal, se vai à nossa pátria-avó para estudos, para um trabalho fixo, ou para alguma tarefa que demande alguns meses, deixo aqui alguns palpites úteis. São de experiência própria, adquiridos na convivência diária com os portugueses do serviço público e do comércio. Dispensáveis para quem faz apenas um giro turístico, são de inegável valia para quem dispende em Portugal uma estada mais alongada e necessita estar em contato mais frequente com os locais.
Falo da língua: não pense o leitor que será muito bem entendido em Portugal quando discorrer em nossa língua, por mais perfeito que seja seu português das escolas brasileiras. Nem pense que vai compreender tudo que nossos “tios” portugueses vão dizer, principalmente se falarem rápido, como é de seu costume.
Mas não falamos, aqui e lá, português?, perguntará o leitor mais desavisado. Não — é a resposta. Nós escrevemos aqui e lá praticamente a mesma coisa, quando estamos expressando nossas ideias. Mas quando se trata da pronúncia, a coisa é bem diferente, a ponto de muito pouco entendermos, se não nos concentrarmos bem e se o interlocutor não tiver a paciência de falar um pouco devagar e repetir algumas palavras por nós desentendidas.
Os portugueses afirmam que não falamos português, mas outra língua, o “brasileiro”. O fato é que há uma prosódia aqui no Brasil e outra em Portugal, ainda que a morfologia e a sintaxe sejam praticamente idênticas. Não se preocupe pois o leitor com os documentos escritos, pois não verá diferenças maiores entre os portugueses e os daqui. Quanto à fonologia, vão aqui algumas indicações que podem tornar um pouco mais suave a vida de quem vai a Portugal por temporada e lá terá que se comunicar.
Uso diferente das vogais
As vogais em terras portuguesas vão surpreender os brasileiros. Será necessário travar uma nova relação de amizade com elas.
Comecemos com o “a”. Em Portugal, principalmente na primeira sílaba, essa vogal tem um som mais próximo do ditongo ae aqui do Brasil. E muitas vezes se confunde com o próprio “e”. Se o gerente do hotel português lhe perguntar: gostaste da caema? — saiba que ele se refere a sua cama. Se ele quiser saber onde deixaste o querro, trate de dizer em resposta onde você estacionou seu carro.
Nenhuma vogal, contudo, é mais torturada no português de Portugal do que o “e”. Ele pode soar como nosso e mesmo, principalmente se no início da palavra, seguido por uma consoante: empenho, equação, erro. Mas pode ter um som de a, mormente no ditongo ei. A bela cidadezinha costeira de Aveiro, que nós brasileiros pronunciamos “Avêiro”, os locais dizem “Aváiro”.
Não se usa em Portugal o nosso numeral meia dúzia; os portugueses usam sempre o seis; só que pronunciam sais. E mandam baijos, e não beijos. Não para por aí.
Precedido de s e seguido por m, o e assume o som de u. O português pronúncia “sumáforo” e não semáforo, “sumente” em vez de semente, e não fala semana, mas “sumana”.
O e fica mudo quando seguido de rim e “rin”, como ocorre, ainda que pouco frequentemente, no Brasil. Em Portugal não se diz perimetral, mas “perimetral”, berimbau é “brimbau” e beringela é “bringela”.
Não há a nossa consoante “L” com o som que usamos, éle, pois o português diz “él”, e o e costuma emudecer após o L.
Pedi a um taxista meu amigo que me levasse a Golegã, cidade próxima de Aveiro, onde eu residia. Ele simplesmente não me entendeu. Go-le-gã, soletrei, e ele nada.
Quando estranhei que ele não conhecesse a cidade dos célebres cavalos lusitanos, ele se iluminou: “Ah! Queres ir a Golgã!” Se o e está no final da palavra e não compõe um ditongo, também costuma ser um e mudo.
O português não pronuncia a palavra creme como nós: cre-me. Ele fala “crem”. Ele não pede algo. Ele simplesmente “ped”. Não bebe uma taça de vinho. Ele “beb”.
Talvez por compensação, surge do nada um e no final de muitos, ou quase todos os verbos terminados em er. O português não quer alguma coisa, ele “quere”. Não costuma correr, usa “correre”, e assim por diante.
E se as vogais i e u se comportam lá tal e qual o fazem por aqui, com a vogal que falta comentar, o o, algo diferente se passa. A vogal quase sempre soa como u. Floresta por lá é “fluresta”.
Os pedágios rodoviários chamam-se “portagens”, ainda que se escrevam portagens. E o nosso glorioso Portugal se pronuncia mesmo “Purtugal”.
Lembre-se sempre o leitor que o gerúndio não se usa em terras lusas. O português nunca está correndo. Ele está “a correr”. Não está esperando alguma coisa. Está a esperar. E esqueça a terceira pessoa entre interlocutores. Não pergunte a um português: Por que você não vai? Diga: “Por que não vais?” E ele nunca vai perguntar se você gosta de bacalhau. Vai simplesmente inquirir: “Gostas de bacalhau?”
Portugueses são literais
Importante: há algumas palavras totalmente inocentes em “brasileiro” que são pornográficas em português — e vice-versa. Procure o leitor se inteirar delas com algum local de sua intimidade, para não se ruborizar em algumas ocasiões ou não escandalizar alguma senhora presente, na mais total inocência.
As expressões idiomáticas, é bom que se diga, são também diversas, aqui e lá. Só com o tempo se aprendem. O português, por exemplo, quando diz “estou-me nas tintas, para isso”, quer dizer que o assunto em nada lhe interessa. A expressão corresponde ao nosso “estou nem aí…” ou a outras mais chulas, que o leitor talvez conheça.
E, finalmente, mas não menos importante: os portugueses são absolutamente literais. Os subentendidos, as interpretações e as figuras de linguagem que nós brasileiros usamos no dia a dia, quase não se usam por lá.
Em nossa primeira estadia mais longa em Aveiro, sentamo-nos em uma “cafeteira” (lá não se fala cafeteria, como também não se diz bilheteria, mas bilheteira), e a atendente perguntou a minha mulher o que desejava. Um café — ela respondeu. Dois! — disse eu quando ela se virou para mim (como usamos no Brasil). O resultado foi trazer ela uma xícara de café para minha mulher e duas para mim.
Comentando com um amigo português sobre uma ida de carro que eu faria à Espanha dentro de alguns dias, disse a ele que a faria em duas etapas: Passo a fronteira espanhola, durmo na estrada e acabo de chegar no outro dia — disse eu. Ele olhou-me, espantado: “Na estrada? Não podes. É ilegal! Por que não dormes num hotel?”
Boa estada, leitor. Portugal, principalmente nas cidades menores, é muito agradável e civilizado. E que as dicas lhe sejam úteis.