Entenda por quais motivos a ONU se tornou irrelevante no conflito entre países

18 novembro 2023 às 16h44

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“Se há uma guerra entre dois países inexpressivos, a ONU intervém e a guerra desaparece; se há uma guerra entre um país inexpressivo e um grande país, a ONU interfere e o pequeno país desaparece; se há uma guerra entre dois grandes países, a ONU intervém, e a ONU desaparece”. — Jean Libert (Paul Kenny)
Os acontecimentos mais recentes e que tiveram impacto mundial mostraram, uma vez mais, como é desimportante a Organização das Nações Unidas.
A ONU não teve força para influir, o mínimo que fosse, no restringir os estragos causados pela pandemia da Covid-19. Também em nada pode atuar na invasão da Ucrânia pela Rússia, nem consegue amenizar de alguma forma o conflito Hamas-Israel.
O escritor belga Jean Libert (1913-1995), que usava o pseudônimo de Paul Kenny, e que escreveu best-sellers de espionagem no século passado, afirmava, na época da Guerra Fria, em tom de anedota: “Se há uma guerra entre dois países inexpressivos, a ONU intervém e a guerra desaparece; se há uma guerra entre um país inexpressivo e um grande país, a ONU interfere e o pequeno país desaparece; se há uma guerra entre dois grandes países, a ONU intervém, e a ONU desaparece”.
Participei, como delegado brasileiro, da 46ª Reunião Anual da Assembleia Geral da ONU, em dezembro de 1991. Escrevi, à época, o artigo que reproduzo abaixo, para que o leitor avalie sua atualidade, três décadas depois.
ONU — Uma utopia quase real
O imponente edifício que abriga a sede da Organização das Nações Unidas na 1ª Avenida, em Nova York é uma versão supermoderna da Torre de Babel: há uma diversidade de línguas, cores, tipos físicos e trajes — e quase sempre há uma falta de entendimento em pauta.
É por outro lado, uma assembleia como outra qualquer: tem suas comissões, umas mais importantes, outras menos, onde os assuntos são preparados antes de chegarem ao plenário, este, como todos os plenários, uma tribuna onde aparece um pouco de tudo: brilho, mediocridade, queixas, denúncias etc. É aqui, nessa tribuna, que a mais inexpressiva das nações pode fazer de conta que está em pé de igualdade com os Estados Unidos e até espinafrá-los. Creio mesmo que essa é uma das funções da ONU: permitir a quem quer que seja, planeta afora, lavar sua alma (apenas na palavra, bem entendido).
São 166 países membros, mas uns poucos movem os cordéis. Até a pouco, os dois blocos controlavam tudo. Houve algum jogo duro durante a Guerra Fria, posições muito previsíveis durante a détente , mas sempre cartas marcadas, quando cada qual sabia se onde colocar em qualquer questão que surgisse.
Com o virtual desmoronamento do bloco soviético, as posições são menos claras, mas as questões que agora se levantam são menos confrontativas.
A questão da dívida externa, o apartheid, a guerra servo-croata, os direitos humanos, a questão ambiental (arre!) e coisas parecidas, mas se foi a época dos vetos, ora da União Soviética, ora dos Estados Unidos a resoluções emanadas do Conselho de Segurança, afetando a um ou outro bloco.
Ninguém se iluda, porém: nada acontece aqui sem o beneplácito dos grandes. A imagem de um foro mundial onde as nações se apresentam em pé de igualdade só é real do ponto de vista formal e nas questões sem importância ou não pragmáticas. Assisti à eleição do Secretário Geral para o mandato de 5 anos a partir de 1992. É um gerente administrativo do Organismo, ou pouco mais que isso do ponto de vista prático. Do ponto de vista das pompas e honrarias, contudo, chega a fazer inveja a muita família real por aí afora. Tem sido praxe eleger um secretário do Terceiro Mundo – o que sai é Perez de Cuellar, do Peru. Os africanos queriam a vez e apresentaram seis candidatos alegando que a não aceitação de um deles configuraria um preconceito. Foi escolhido um desses: o egípcio Boutros Boutros-Ghali, o único branco dos seis (quem quiser, que tire suas conclusões). Aliás, uma figura interessante: um egípcio não muçulmano, mas copta, e ainda casado com uma judia, o que para nós é natural, mas no Egito, mal comparando, corresponde a Collor pedir a mão de Erundina ou Roberto Campos a de Conceição Tavares , no Brasil. Dizem que a escolha é boa para nós, pois Boutros-Ghali teria sido professor (lecionava Direito Internacional em Paris) do ministro Rezek e do Secretário Geral do Itamaraty, Marcos Azambuja. Tomara.
O Brasil tem algumas pretensões na Organização, como integrar permanentemente o Conselho de Segurança, e uma ajuda do Secretário Geral tem seu peso.
A eleição não é eleição, mas uma indicação do Conselho de Segurança que o plenário apenas referenda, como assistimos, hoje, 03 de dezembro de 1991. E o Conselho tem apenas 15 membros, dos quais só um terço é permanente. Por aí se vê quem move os cordéis: Estados Unidos, União Soviética, França, Inglaterra e China. Não sobra nem para Alemanha e Japão, ao menos por ora.
Nesse 03 de dezembro quem esteve aqui na ONU, discursando inclusive, foi Nelson Mandela. A mesma história de sempre: apressar a democratização da África do Sul, terminar o mais rápido possível com o que resta do apartheid etc.
Fala-se nos últimos dias, também, no envio de forças da paz cá da ONU para as regiões em conflito, principalmente para a Iugoslávia. Sei não – o pessoal de lá está guerreando como gente grande e qualquer corpo estranho vai levar chumbo dos dois lados. (Nova York, 3/12/1991).”
Incapacidade de mediação eficaz
Como bem pode ver o leitor, pouco ou nada mudou, nesses 32 anos. A irrelevância da ONU para mediar conflitos continua, pois a Organização não tem força para amenizar, nem um pouco, os danos que a invasão da Ucrânia pela Rússia vem causando. Como não tem para mediar, de alguma forma, o conflito Hamas-Israel, muito menos agora, depois dos atos terroristas praticados contra os judeus.
Na pandemia da Covid, a Organização Mundial da Saúde, um dos mais importantes órgãos da ONU, foi de uma inoperância total: não levantou como se deu a fuga do vírus em Wuhan, encoberta pelo governo chinês e por seus sócios bilionários americanos, apoiou a medida mais errada que se tomou, o lockdown, não contribuiu em nenhum momento para que se estabelecesse um tratamento efetivo aos contaminados, apoiou incondicionalmente as vacinas, cuja eficácia até hoje não se demonstrou de maneira cabal.
E o Brasil, como se vê, desde aquela época, luta para obter uma vaga de membro permanente no Conselho de Segurança da ONU. Vaga, aliás, sem nenhuma serventia prática para a sociedade brasileira, a eterna esquecida das elites patrícias.