A Universidade Federal do Rio de Janeiro e sua triste trajetória
30 maio 2021 às 00h00
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A UFRJ estaria entre as 100 melhores? Não. Aliás, nenhuma brasileira estava, embora uma argentina estivesse. Estaria entre as 200? Também não, como nenhuma brasileira
A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), até 1965 chamada Universidade do Brasil, esbanja tradição. Nasceu em 1792, como Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, no reinado de D. Maria I (a “Louca”, ou a “Piedosa”, dependendo do ponto de vista). Incorporou, em 1808, graças a D. João VI, uma Faculdade de Medicina e em 1891, uma Faculdade de Direito. Tornou-se em 1920, no governo Epitácio Pessoa, a primeira universidade federal brasileira.
Fui seu aluno (na Escola de Engenharia) de 1956 a 1960, e posso testemunhar o prestígio, não só nacional, como internacional, que a Universidade desfrutava naquela época. Meu testemunho se prende, é claro, à unidade de ensino onde eu estudava, mas não creio que houvesse grande diferença de credibilidade quanto a outras unidades, como a Faculdade de Medicina (chamada “da Praia Vermelha”, por se situar nesse logradouro carioca, à época), a Faculdade de Direito e a Faculdade de Belas Artes, onde lecionava, no curso de Arquitetura, o prof. catarinense Emilio Baumgart. Em 1928, ele projetou e construiu no centro do Rio, o edifício “art-deco” A Noite, então a maior estrutura de concreto armado do mundo. Chamou a atenção de toda a engenharia mundial. Em 1909, o médico Carlos Chagas, da Faculdade de Medicina, num feito único no mundo, havia descoberto todo o ciclo de uma enfermidade, que ficou conhecida como doença de Chagas. Ele identificou agente, vetor, hospedeiro e sintomatologia humana da doença. Impressionou todo o mundo médico de então. Não existia, no século passado, uma avaliação comparativa internacional das universidades, como existe hoje. Se houvesse, certamente a UFRJ (então ainda Universidade do Brasil) sair-se-ia bem no concerto internacional. Adianto tal afirmativa baseado em seu corpo docente, e dou alguns exemplos de professores da Engenharia com quem convivi e aprendi, ou mesmo trabalhei, ocasionalmente. Aderson Moreira da Rocha era catedrático de Estruturas, autor de muitos livros sobre a matéria, cujos estudos chegaram a ser usados para compor as normas técnicas francesas sobre concreto armado e protendido. Seu assistente, Adolpho Polillo, também autor de vários livros, foi reitor de 1981 a 1985, respeitadíssimo. Jorge Oscar de Mello Flôres, que lecionava Mecânica dos Fluidos, tinha estudos teóricos publicados internacionalmente. Recebeu no Rio a visita da então maior autoridade mundial no assunto, o prof. Hunter House, do MIT (o célebre Massachussets Institute of Technology) e da Universidade de Colúmbia. Fora conhecer o brasileiro que tivera a audácia de corrigir umas equações suas, que não estavam bem adequadas à Física Newtoniana. Outro que deixou extensa obra publicada, não só em sua especialidade (Resistência dos Materiais), mas também sobre figuras da engenharia brasileira, foi Sydney Santos. Tinha uma cultura verdadeiramente enciclopédica. Antônio Alves de Noronha, que fizera os cálculos do Maracanã, era doutor “honoris causa” pela Universidade de Zurique. Fernando Lobo Carneiro criou um teste de laboratório para resistência do concreto que foi adotado nos EUA e na Europa, e que era mundialmente conhecido como “teste brasileiro”. Mário Henrique Simonsen era um dos mais jovens e promissores professores, então. Eu poderia citar vários outros, mas essa amostra é bastante para que o leitor faça uma imagem da seriedade do estudo universitário de então, na UFRJ. Embora estivéssemos em plena guerra fria, não me lembro de nenhum professor levantar assunto político ou ideológico nas aulas que ministrava. O foco era formar bons profissionais, responsáveis e competentes em suas futuras carreiras. Lembro-me ainda de que, por mais técnica que fosse a matéria, o professor corrigia os erros de português que encontrava em nossas provas escritas. Era a época das cátedras vitalícias: um professor, para chefiar uma cadeira, prestava um duríssimo concurso, onde defendia uma tese inédita sobre o assunto da cátedra.
Na história da UFRJ estão presentes reitores importantes, como o Conde de Afonso Celso (1925-1926), o historiador Manuel Cícero Peregrino da Silva (1926-1930), o matemático Inácio Manuel Azevedo do Amaral (1945-1948), Pedro Calmon (1951-1966), Deolindo Couto (1950-1951), Clementino Fraga (1966-1967), Djacir Menezes (1969-1973), Adolpho Polillo (1981-1985), todos homens ilustres, com enorme produção literária e inúmeros serviços prestados ao país.
A escolha dos reitores, que eram nomeados pelo Ministro da Educação, dava-se por indicação do Conselho Universitário, um colégio bastante eclético, que tinha em sua composição os reitores e pró-reitores, os diretores das várias faculdades e institutos de ensino, representantes do corpo docente, do corpo discente e do corpo funcional e ainda pessoas indicadas pelos órgãos representativos das classes produtoras (em geral, um representante do setor primário, um representante da indústria e um do setor de serviços). Foi assim até 1985 (governo Sarney), quando se resolveu “democratizar” a escolha dos reitores, através de uma votação direta, onde os eleitores eram funcionários, professores e alunos, que fariam uma lista tríplice para ser enviada ao Ministério da Educação. Foi o início da derrocada. Os Conselhos Universitários indicavam os mais preparados para o cargo. Esse era seu interesse. Já a “democratização” contemplava outra visão das qualidades do reitor: se o candidato fosse exigente, cuidadoso, preocupado com o desempenho de cada funcionário, era tido como “carrasco” e nenhum funcionário votava nele. Se era exigente com o cumprimento dos planos de aulas, com as avaliações, com a frequência e o aproveitamento, era um “Caxias”, repelido por alguns professores e a maioria dos alunos. Passaram a ser escolhidos reitores “boas praças”, isto é, relapsos e descuidados, em grande parte das universidades. Além disso, as esquerdas, muito presentes nos meios universitários, e com mais tempo (pois estudam menos) que os alunos e professores mais aplicados, passaram a manipular ideologicamente essas eleições, e fazer exigências convenientes para elas, como, por exemplo, nas listas tríplices, escolher sempre o primeiro da lista. Um exemplo deu-se em 1998, na UFRJ, com a nomeação do professor José Henrique Vilhena de Paiva, o mais qualificado da lista. Foi impedido por 44 dias de entrar na universidade pelo movimento estudantil de esquerda, que queria como reitor o comunista Aloisio Teixeira. Foi-se a época dos reitores de grande nomeada, e vieram os populistas, que como sabemos mais recuam que avançam. Um exemplo dessa “democratização” às avessas, que vem em prejuízo da universidade, foi a eleição do Prof. Roberto Leher para reitor da UFRJ para o período 2015-2019. Leher é mais famoso como político do que como educador. Foi fundador de um dos partidos mais retrógrados da política brasileira, o marxista PSOL. Em sua administração aconteceu o incêndio de nosso maior e mais importante museu, o Museu Nacional, confiado à administração e guarda da UFRJ, vale dizer, do PSOL. O Dr. Israel Klabin, ex-prefeito do Rio de Janeiro, quando do incêndio, em 2018, lembrou de ter conseguido no ano 2.000, verba de 80 milhões de dólares, do Banco Mundial, para equipamento e modernização do Museu Nacional. Só que o Banco exigia que a administração do Museu se desse por uma Organização Social sem fins lucrativos, cuja diretoria seria escolhida unicamente por capacidade, abstraída qualquer injunção política. A UFRJ rejeitou a oferta. E o museu tinha, quando do incêndio, deficiente sistema de administração, manutenção e proteção, o que facilitou enormemente o desastre, a despeito do orçamento da UFRJ superar os 3 bilhões de reais.
O aparelhamento do ensino brasileiro se deu principalmente nos governos Lula e Dilma, com a proliferação de cursos de baixa qualidade, métodos de ensino ideológicos e de rendimento sofrível, inchamento sem critério do corpo docente e das administrações educacionais. Só no último governo Dilma, teriam sido contratados 30% a mais de funcionários e professores no MEC, o que equivale a 100 mil funcionários admitidos sem outro critério que o ideológico. Tudo isso causou incontáveis prejuízos, que podem ser medidos, de maneira indiscutível, por números que não mentem. Em todas as avaliações internacionais, o ensino brasileiro, nos três níveis, básico, médio e universitário, tornou-se um dos últimos, em qualquer instituição avaliadora. No Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2018, entre 79 países, o Brasil era o 70º em matemática, o que é desastroso. E aqui voltemos a nossa vetusta UFRJ. Qual sua posição no concerto internacional das universidades? O avaliador Times Higher Education World University Ranking, que avalia todo ano cerca de 1300 universidades em mais de 90 países, publicou recentemente seu resultado de 2020. A UFRJ estaria entre as 100 melhores? Não. Aliás, nenhuma brasileira estava, embora uma argentina estivesse. Estaria entre as 200? Também não, como nenhuma brasileira, de resto. Mas estará entre as primeiras 300, seguramente, dirá o leitor. Infelizmente não. Entre as 300 está a USP – Universidade de São Paulo. E entre as primeiras 600? Ainda não. Entre elas está, é verdade, a Universidade de Campinas (Unicamp). A UFRJ vai aparecer lá perto da milésima posição, em companhia da UNB – Universidade de Brasília, no último terço da classificação, e em vexaminosa posição para uma universidade com sua tradição e história. Triste trajetória.