Eu não sou um homem que age baseado na Fé. Se a Ciência não encontra razões, permaneço na dúvida
Irapuan da Costa Junior, meu amigo pessoal, nome de prestígio no meio intelectual, social e político, colunista do Jornal Opção, repercutiu o meu ensaio “A razão e a fé”, em edição recente do jornal. Fiquei feliz, pois a pior coisa que pode acontecer a quem escreve é o silêncio dos leitores. A melhor é uma manifestação, que não importa se de agrado ou desagrado. A escrita fica vazia quando não tem repercussão. É como o sermão aos peixes do Padre Vieira, por não ser ouvido pelos homens.
Irapuan deu vida ao meu texto. Agradeço, por isto, e, pelo respeito e admiração que lhe dedico, sinto-me no dever de retribuir com algumas observações. Entre estas destaco dois aspectos do seu comentário que merecem uma análise. Uma é a divergência milenar da discussão do confronto entre a Ciência e a Religião. História quase tão antiga quanto a humanidade. Elas nos levaram das batalhas verbais até as guerras. O que valida a nossa presente divergência de opinião.

Gravura de William Blake
A segunda é que este tema foi abordado pelo filósofo Herbert Spencer no seu livro — um clássico da filosofia — “Primeiros Princípios” (Ex Machina, 469 páginas), mostrando que essas posições são conciliáveis.
Diga-se de passagem que de Spencer eu só conhecia o livro “Filosofia do Estilo” (Cânone Editorial, 68 páginas) e as frequentes citações de suas ideias. Tive a sorte de ser presenteado pelo tradutor, Irapuan Costa Junior, com um exemplar dos “Primeiros Princípios”, e assim poder penetrar nas ideias desse filósofo inglês.
Atenho-me ao primeiro capítulo, no tema a “Ciência e as Religiões”, que Irapuan Costa Junior sugere que os leitores conheçam. Segundo ele, Spencer mostra que essas dualidades podem ser conciliadas — a Ciência e a Religião. O que, no meu entendimento a Ciência explicaria as razões; e a Religião, daria a Fé, que seriam conciliáveis. O que contraria o espírito do meu artigo. Até porque faço distinção entre Religião e Espírito Religioso — que nem sempre andam juntos.

Gravura de William Blake
Realmente há uma diferença nas duas leituras, a de Irapuan Costa Junior e a minha. Nesse primeiro capítulo, Spencer diz que “se a Religião e a Ciência podem (grifo meu) conciliar-se, a base desta conciliação deve ser o mais profundo, amplo e acertado fato entre todos — o de que o Poder manifesto do Universo é completamente incognoscível para nós”.
Nesse posicionamento, na minha modesta opinião, o filósofo levanta uma hipótese — quando diz “podem” —, não uma tese; e ao reconhecer a nossa limitação cognoscitiva, apela por um crédito: já que não está ao meu alcance… cedo. Não é isto um apelo à Fé?!
E é este o ponto da nossa divergência. Eu não sou um homem que age baseado na Fé. Se a Ciência não encontra razões, permaneço na dúvida. Irapuan Costa Junior, sábio como é, transige. É um homem de boa-fé. Aceita o apelo de Spencer para a conciliação entre a Razão e a Fé.
Estas posições, evidentemente, simplificadas, não devem satisfazer plenamente aos leitores do jornal. É tão-somente uma posição que tomo em respeito aos meus leitores e ao meu mestre-amigo Irapuan Costa Junior. Com isto, as duas posições foram colocadas. Cabe agora aos leitores a leitura do livro “Primeiros Princípios”, de Herbert Spencer, e formarem a própria opinião para terem a resposta de se é possível conciliar o inconciliável. Uns continuarão como estão, outros poderão se juntar aos agnósticos — para nossa honra.
Será possível conciliar religião e ciência?
Será possível conciliar a existência humana com a inexistência da fé
natural? Se o homem não acreditar, i.e., não admitir como certo, como
verdadeiro, como real aquilo a que não tem acesso por via alguma do
conhecimento – sim, se ele não acreditar que amanhã estará vivo (e quem
o poderá garantir?), conseguirá ele fazer um mínimo plano para o seu
viver no amanhã?
No entanto, o que se veem são agendas superlotadas de compromissos
feitos, tanto por intelectuais, como por iletrados, enfim, por
representantes de todas as classes da realidade social humana.
Nenhum dos tripulantes de aviões, que caíram, entrou nesses
modernos meios de transporte, sem acreditar, minimamente, que
chegaria ao destino pretendido.
A fé natural é condição sine qua non para se existir.
E a fé no sobrenatural?
É, no mínimo, a forma para se livrar de ser taxado como néscio por uma
figura de proa, em relevante parte da história humana, como o foi o rei
Davi, dizendo: “Disse o néscio no seu coração: Não há Deus” (Sl 53.1).
Como se sabe, a Filosofia é a ciência de todas as coisas, por suas causas
primeiras, à luz natural da razão. Nenhum sábio dispor-se-ia a empreender
uma reflexão filosófica sobre a existência, sem a precaução de que a causa
primeira, a que chegaria, seria uma Causa não causada, senão por si
mesma, em si mesma de si mesma.
Foi imerso na luz desse entendimento que o apóstolo Paulo, o grande
intelectual de Tarso, explodiu num verdadeiro hino de adoração a Deus:
“Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria como da ciência de
Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus
caminhos! Porque quem compreendeu o intento do Senhor? Ou quem foi
seu conselheiro? (…). Porque dele, e por ele, e para ele são todas as
coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém.” ( Rm 11.33-36).
E foi, exatamente, considerando a impossibilidade que tem a limitada
mente humana, a mente do homem fáustico (primorosamente trabalhado
por Goethe, na obra-prima da literatura alemã – “FAUST. Habe nun,
ach!”/“FUSTO. Ai de mim!”), impossibilidade para alcançar muito do que
ainda não lhe foi permitido, que o Apóstolo declara: “Porque, em parte,
conhecemos e, em parte, profetizamos. Mas, quando vier o que é perfeito
[Jesus Cristo], então o que é em parte será aniquilado. (…). Porque agora
vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora,
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conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido”
(1Co 13.9-12).
Em Deuteronômio, está escrito: “As coisas encobertas são para o
Senhor, nosso Deus; porém, as reveladas são para nós e para nossos
filhos” (Dt 29.29).
E as coisas reveladas, permita-se-nos dizer, são mais do que suficientes
para nos permitirem uma vida de Fé na Palavra divina que se fez carne,
construindo uma Mensagem que (como bem o coloca o crítico literário
canadense Northrop Frye, in Words with Power) “possui o dom das
línguas, isto é, a capacidade para fazer o seu caminho, atravessando todas
as barreiras da linguagem”.
Mais do que suficientes, repetimos! Mesmo porque a verdadeira
Ciência sempre confirmará a verdadeira Religião [Do lat religare] – aquela
que se propõe como o Caminho espiritual de religação do homem com
Deus. Haja vista uma expressiva mostra de pesquisa científica realizada
pela doutora norte-americana Rebeca L. Cann e o cientista Francis Collins
sobre o DNA mitocondrial. Conclusão da pesquisa: “Todos os seres
humanos descendem de uma única mulher, a chamada Eva mitocondrial”.
O que diz a Bíblia? “Adão deu à sua mulher o nome de Eva, pouis ela seria
mãe de toda a humanidade” (Gênesis, 3.20).
***
Maria Helena Garrido Saddi, professora universitária, doutora em Letras.
Cara Professora Maria Helena
Nada mais conciliatório do que uma professora, de uma erudição de fazer inveja, pessoa de Fé, reagir a uma provocação sem dar uma aula. Não só gostei de ser notado pelo meu texto, como saboreiei a dialética.
Para ser sintético, na resposta, tomo só um exemplo para análise.
Não voo de avião por fé, mas por ter aprendido da ciência as razões do voo do mais pesado que o ar e as razões das suas quedas. Voo por conhecer as razões.
Voo consciente do risco ,como vivo planejando a minha vida ignorando a morte por não por acreditar, não por fé, mas por considerar as alternativas. Fui condenado a viver!
Apesar da eloquência da Prof. Maria Helena, continuo na dualidade de ou entender ou ficar na dúvida.
Término externando o meu prazer de ter merecido a sua inteligente observação.
Acredite que sou, acima de tudo, um aluno que tem como o maior prazer, aprender.
Respeitosas saudações.
Jorge
É sempre desafiador, polêmico e inesgotável o confronto temático entre Religião e Ciência. O competente articulista Jorge W.S. Jacob, reiterando entendimento já expresso em publicação anterior sobre o tema, aponta razões para discordar do comentário apresentado pelo Ilustre formador de opinião Irapuan Costa Junior. Alinho-me à posição de Herbert Spencer, não necessariamente com todas as razões e fundamentos usados na construção do seu substancioso trabalho “Primeiros Princípios”. De forma brilhante, o respeitado filósofo britânico demonstra um ponto comum inseparável de toda consciência, e que conta com a concordância da Religião, da Filosofia e do senso comum, e que é também a base da Ciência. Demonstra, à saciedade no mesmos diapasão, que as mais elevadas verdades a que se pode chegar são nada mais do que fórmulas das leis mais gerais que a experiência nos apresenta pela relação entre Matéria, Movimento e Força. E que esses três elementos são representações, símbolos da Realidade Incognoscível, do Absoluto, do Ponto de partida de todo conhecimento.
Há aproximadamente 700 anos A. C, quando as teorias sobre a forma e sustentação da Terra eram as mais esdrúxulas, hilárias mesmo, o Profeta Isaías chama a atenção do povo para uma verdade revelada, que só muitos seculos depois a Ciência veio a descobrir. Disse ele: “Acaso não sabeis? Porventura não ouvis? Não vos tem sido anunciado desde o princípio? Ou não atentastes para os fundamentos da terra? ELE (o Absoluto) é o que está assentado sobre a REDONDEZA da terra…” (Is. 40. 21, 22, parêntese e caixa alta nossos). Trata-se, a meu ver, de uma demonstração inequivoca da conciliação entre Religião e Ciência. Não são poucas as antecipações, pelos escritores bíblicos, de fatos que a Ciência, muito posteriormente, veio à reconhecer. Spencer cita com reiteração o fator “experiência” – elemento básico no mecanismo científico – também encontradiço abundantemente nas vivências metafísicas. Minha sobrinha, engenheira em Brasília, aos 10 anos de idade foi diagnosticada com um tumor que pressionava sua artéria aorta. Encaminhada para S.Paulo, teve a confirmação do fato pelo Dr. Jatene, ex-Ministro da Saúde, que indicou a realização de cirurgia. A menina recebeu uma singela oração por um Pastor Cristão amigo nosso, que afirmou que ela estava curada, mas que a mãe a levasse ao médico. Novos exames foram realizados, constatando que o tumor desaparecera. Que harmoniosa convergência entre a Ciência – que diagnosticou o mal – e a Fé no DEUS Absoluto – que revelou a cura e a efetivou! Quando o autor do artigo nos lembra que a divergência milenar entre Ciência e Religião “quase tão antiga quanto a humanidade, nos leva das batalhas verbais às guerras”, imperativo lembrarmos, outrossim, que a truculência desses confrontos não se situa na essência dessas instituições, e sim no desvio comportamental de seus representantes e/ou seguidores, a partir de interpretações equivocadas, vaidades pessoais ou institucionais etc. O fanatismo religioso citado no texto originário, e que responde por suicídios em massa, guerras e outras ocorrências absurdas, tem origem em idêntica insanidade.
O tema é apaixonante e por demais amplo para este espaço. Parabéns ao erudito amigo Irapuan Costa Junior, com quem me identifico, tanto quanto o possa alcancar, nessa visão conciliadora! Parabéns ao Ilustre articulista Jorge Jacob, por trazer-nos à reflexão tão importante matéria! Torço, com muito carinho, para que você e seus leitores se unam a nós, no reconhecimento dessa reaiidade de valor transcendental!
Cara Maria Tereza
Agradeço delicadeza com meus pontos de vista. Certamente a maioria dos leitores seriam mais severos com minhas opiniões. Não poupariam o meu ceticismo.
Não foi no seu texto que descobri — sempre soube —o poder da Fé – move montanhas, segundo Maomé. Portanto, foi consciente do risco de escandalizar os que acreditam é que sempre trânsito nestes assuntos.
Um dos meus ideais de vida seria ser modesto, humilde. Não consigo, mas tento. Tento todas as vezes em que, naquilo que não tenho certeza, recolho-me modestamente na dúvida. Desculpe-me o atrevimento, mas tenho dúvidas de existirem milagres. Quando deparo-me como um caso da sobrinha, que teve um final feliz, especulo outras causas possíveis- nunca um milagre.
Término com a sensação de nem conseguir transmitir o peso que dou à modéstia de não aceitar o que a ciência não explica e nem de procurar ser agradável aos homens/mulheres de boa fé.
Obrigado por dar parte do seu tempo neste espaço.
Respeitosas saudações.
Jorge W.S. Jacob