Nelson Teich: novo ministro é técnico, mas atuação será tutelada pela política?
19 abril 2020 às 00h00

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Dúvidas importantes surgiram sobre a liberdade para tomada de decisões no combate à pandemia de Covid-19 que será dada ao oncologista Nelson Teich

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Não. Este não é mais um texto para ampliar a discussão sobre a necessidade ou o erro da demissão do ex-deputado federal e médico Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) do cargo de ministro da Saúde. A intenção aqui não é perder tempo com algo que agora não implicará em medidas de combate e prevenção ao crescimento de casos da Covid-19 no Brasil.
Esta coluna se dedicará a tentar esclarecer a quantidade de dúvidas que ficaram com a chegada do oncologista Nelson Teich ao posto de titular no Ministério da Saúde a partir da tarde de quinta-feira, 16.
Honra
“Para mim é uma honra estar aqui para ajudar o País e as pessoas” foi uma das primeiras frases ditas por Teich ao ser anunciado como o novo ministro da Saúde pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Quando o oncologista afirmou que quanto menos informação se tem mais a discussão se pauta pela emoção, o novo titular da pasta mostrou que se distancia da turma dos negacionistas das preocupações que a pandemia da Covid-19 lança sobre o Brasil.
Apesar de um primeiro pronunciamento confuso, de quem aparentemente não tem intimidade com o microfone e eventos públicos, Teich mostrou em artigo recente que está pautado pelo conhecimento científico e as novas descobertas dos pesquisadores a respeito do novo coronavírus.
No dia 3 de abril, se posicionou a favor do isolamento social horizontal como forma mais eficaz de controle a curva de crescimento de casos da Covid-19 no território brasileiro. “Além do impacto no cuidado dos pacientes, o isolamento horizontal é uma estratégia que permite ganhar tempo para entender melhor a doença e para implantar medidas que permitam a retomada econômica do país”, escreveu no artigo “Covid-19: Como conduzir o Sistema de Saúde e o Brasil”.
Retomada das atividades
No evento de anúncio do novo ministro, Bolsonaro declarou que espera ver de Nelson Teich decisões que rumem para a retomada das atividades econômicas. “O que conversei com o dr. Nelson é que gradativamente nós temos que abrir o emprego no Brasil.” Ao final do discurso no qual anunciou a demissão de Mandetta e a chegada do oncologista ao governo, o presidente enfatizou que “todos os ministros estão envolvidos na mesma causa, sem exceção”.
“Nós estamos juntos em defesa da vida do povo brasileiro, em defesa dos empregos e também, obviamente, buscando levar tranquilidade e paz para o nosso povo”, apontou Bolsonaro.
Consultor na área da saúde durante a campanha do então candidato a presidente Jair Bolsonaro, Nelson Luiz Sperle Teich chegou a ser cotado para assumir o Ministério da Saúde desde o início de 2019, mas perdeu a vaga para Mandetta. Mesmo com palavras atrapalhadas, o novo titular da Saúde deixou claro que buscará a informação científica e a amostragem da população infectada para definir novos parâmetros de ação no combate à pandemia.
“O que é importante é que a gente vai trabalhar tudo isso com um detalhamento fundamental para que a gente entenda o que está acontecendo e tome as ações e as políticas necessárias.”
Causou confusão quando o novo ministro disse que temos as “vacinas”, sendo que ainda não há expectativa de que uma droga para imunizar a população seja desenvolvida em menos de 18 meses. Mas, ao que tudo indica, pode ter sido apenas uma declaração mal formulada, já que, em seguida, disse que tudo será tratado “de forma técnica e científica” e enfatizou a busca por “projetos de pesquisa”. “Isso vai permitir que você colha o maior número possível de informações no espaço mais curto de tempo”, declarou Teich.
Portaria 34
Ouviram, ministro Abraham Weintraub (Educação) e presidente Benedito Aguiar, da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior]? Vale lembrar que, por mais que os dois neguem que a mudança nas regras de concessão de bolsas de pós-graduação não interfira no número de pesquisadores de mestrado e doutorado contemplados pelo órgão, a Portaria 34, de 18 de março, já fez a Universidade Federal de Goiás (UFG) perder 170 bolsas de pesquisa científica. Justamente quando o que mais precisamos, além de profissionais de saúde, é de pesquisadores gabaritados e qualificados para ajudar na prevenção e tratamento à Covid-19.
Ex-sócio do secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos do Ministério da Saúde, Denizar Vianna, no grupo COI [Clínicas Odontológicas Integradas], o oncologista afirmou que é uma obrigação no combate à pandemia “entender claramente o que está acontecendo não só no Brasil, no mundo, em relação a tudo o que representa cuidar dessas pessoas [pacientes da Covid-19]”.
Cabe aqui recordar que o presidente Jair Bolsonaro negou desde o começo o uso de qualquer dado do avanço de casos e mortes em outros países, inclusive os Estados Unidos e Itália, ao afirmar que são realidades diferentes do Brasil, como se a doença não fosse a mesma.
O novo ministro não usou a palavra “subnotificação” para tratar a realidade dos dados do avanço e número de pacientes da Covid-19 no Brasil, mas citou mais de uma vez a “incerteza” sobre a pandemia no País. “A gente tem que entender mais da doença. Porque quanto mais a gente entender mais da doença maior vai ser a nossa capacidade de administrar o momento, planejar o futuro e sair dessa política do isolamento e do distanciamento. Isso é fundamental. Porque as pessoas vão ter muita dificuldade em se isolar.”
Muitas dúvidas
Esse trecho do primeiro pronunciamento de Teich trouxe muitas dúvidas sobre a linha que o titular do Ministério da Saúde adotará na linha de frente das ações nacionais de saúde no momento mais preocupando, que é quando as projeções indicam que estamos a duas semanas do pico da doença.
Mas o novo ministro foi mal interpretado aqui. Quando o oncologista destaca que precisamos entender melhor a doença, isso encontra respaldo no artigo recente do médico: “Testes em massa para a Covid-19 são necessários para o entendimento do comportamento da doença e para definir as melhores estratégias e ações”.
No texto, Teich continua: “Se os dados preliminares estiverem corretos, 80% dos pacientes com a Covid-19 não apresentam sintomas ou são pouco sintomáticos. Nesse cenário, a concentração dos testes em pacientes internados e mais graves, não vai permitir entender a epidemiologia da doença, o que implica no não conhecimento da sua incidência, evolução, prevalência, transmissibilidade e letalidade”.
O problema aqui também foi enfrentado por Mandetta, que é a falta de capacidade de ampliar a população submetida a exames, sejam testes moleculares, PCR ou com kits rápidos.
Testagem baixa
Entre os 36 países com mais casos confirmados da doença no mundo, o Brasil é a segunda nação que menos testa sua população. Enquanto nós temos 296 pessoas examinadas a cada 1 milhão de habitantes, só supera a Índia, que realiza 220 testes por grupo de 1 milhão de indianos.
“Para conhecer a doença, a gente vai ter que fazer um programa de teste. É fundamental que a gente tenha uma avaliação do que é essa doença hoje. Se você não domina aquilo, se aquilo não está na sua mão, você vira um barco à deriva”, enfatizou o novo ministro da Saúde.

Alinhamento completo
O novo ministro mostrou que se respalda no que a ciência sabe até o momento sobre a Covid-19, aposta no isolamento social e na testagem em massa da população, o que não muda em nada a direção que foi dada até aqui pelo Ministério da Saúde no combate à pandemia.
Mas, ao concluir, disse o seguinte: “Deixar claro que existe um alinhamento completo aqui entre mim, o presidente e todo o grupo do ministério. E, realmente, o que a gente está fazendo aqui hoje é trabalhar para que a sociedade retome de forma cada vez mais rápida uma vida normal”.
A duvida que fica é se as decisões do Ministério da Saúde serão tomadas por Teich ou por Bolsonaro. Pagaremos para ver se teremos um ministro tutelado, que dará ares de ciência a medidas sem sentido ou um titular de pasta autônomo que se respalda pelo conhecimento.