Ministro da Saúde se mostra surpreso com decreto de Bolsonaro que considera academias, salões de beleza e barbearias atividades essenciais
11 maio 2020 às 22h02
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Cara de lamentação foi a única coisa que o titular da pasta, Nelson Teich, conseguiu demonstrar ao descobrir em pergunta de repórter sobre decreto presidencial
Nitidamente constrangido, o ministro Nelson Teich não sabia bem o que responder quando perguntado sobre o decreto presidencial que incluiu na tarde de hoje nas atividades consideradas essenciais durante a pandemia de Covid-19 no Brasil as barbearias, academias e salões de beleza. O Decreto número 10.344, de 11 de maio de 2020, também ampliou a liberação de funcionamento da construção civil e atividades industriais.
Sem saber muito o que dizer, o oncologista que assumiu o cargo há 24 dias, balançava a cabeça enquanto tentava responder a pergunta se o Ministério da Saúde foi consultado e concordava com a ampliação concedida no decreto a salões de beleza, barbearias e academias. “Eu acho hoje o seguinte: se você criar um fluxo que impeça que as pessoas se contaminem, se você criar condições e pré-requisitos para que você não exponha pessoas a risco de contaminação, você pode trabalhar retorno de alguma coisa.”
A tentativa de dar uma explicação para um decreto que Teich aparentemente não conhecia continua, claro, com alguma incompreensão da necessidade do decreto: “Agora, tratar isso como não essen… como essencial é um passo inicial, que foi uma decisão do presidente. Ele decidiu isso aí”.
“Isso aí saiu hoje?”
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Em seguida, o ministro da Saúde olha para o lado e pergunta “isso aí saiu hoje?”. O repórter responde: “Ele [Bolsonaro] acabou de falar no [Palácio da] Alvorada”. Teich balança a cabeça, em negação ao que acabara de ouvir, e pergunta “decisão de?”. E começa a repetir as atividades que os jornalistas citam: “Manicure, academia, barbearia”.
Teich olha para o lado esquerdo, meio sem acreditar no que tinha escutado, balança a cabeça novamente e diz que “isso não… não passou…”. “Não é atribuição nossa. Isso aí é uma atribuição do presidente.” E fecha o semblante antes de fazer um gesto de incompreensão com as mãos ao novo secretário executivo do Ministério da Saúde, general Eduardo Pazuello, que faz uma negativa com a cabeça, sem qualquer declaração sobre o assunto.
“É o Ministério da Economia que decide isso?”, pergunta Teich a Pazuello. O secretário executivo responde com “isso”. E o ministro tenta esclarecer a situação: “Só uma coisa. A decisão de atividades essenciais é uma coisa definida pelo… pelo Ministério da Economia. E o que eu realmente acredito é que qualquer que envolva a definição como essencial ou não passa pela tua capacidade de fazer isso de uma forma que proteja as pessoas”.
Não passou pela Saúde
Mas enfatiza que “só para deixar claro, essa é uma decisão do Ministério da Economia”. “Não é nossa”, Teich tentou destacar o fato de que não participou da definição de academias, salões de beleza e barbearias como atividades essenciais que constam no decreto presidencial de hoje.
Antes de começar a responder uma pergunta de um repórter, que questionou se o Ministério da Saúde não deveria participar das discussões que decidem quais atividades devem ser consideradas essenciais, o general Pazuello fala algo para Teich que não dá para ouvir totalmente. Mas é como se orientasse o que o ministro da Saúde deveria responder. Só então o oncologista começa a falar.
“A decisão de atividade essencial hoje é do Ministério da Economia. Onde o Ministério da Saúde pode e deve ajudar é ajudando a desenhar os fluxos de como isso deve se… se essa decisão é tomada, como isso deveria acontecer, entendeu?. Mas a decisão de ser essencial ou não é mais uma decisão da Economia mesmo. Se isso for o caso, a gente participa ajudando a desenhar uma forma de fazer que proteja as pessoas.”
Resposta tutelada
Ao completar a pergunta, se é importante o Ministério da Saúde participar da decisão antes de as novas atividades essenciais serem definidas, o general se antecipa a Teich e diz: “Não. Não”. Contrariando a orientação do secretário executivo, o titular da pasta confessa: “Honestamente, tenho que pensar melhor nessa pergunta”.
Faz uma pausa para pensar e continua. “Neste momento, a resposta seria… não porque é uma atribuição do Ministério da Economia e eu vejo a Saúde ajudando sempre a partir do instante em que ela ajuda a definir formas de fazer que possam proteger as pessoas”, segue o protocolo Teich.
“Acho que a minha função aqui é ajudar a proteger as pessoas. Mesmo que exista uma decisão do Ministério da Economia sobre o que é essencial ou não, a gente tem que participar ajudando com que essa decisão seja feita de uma forma segura para a sociedade. Essa é a forma como eu vejo.” Parecia ter concluído a resposta, mas seguiu: “A pergunta que eu teria que conversar melhor, até com o pessoal da Economia, mas essa é a minha posição agora”.
Existe um diálogo?
O repórter insiste e questiona se o Ministério da Saúde não participar da decisão antes de o decreto ser publicado não pode ser tarde demais se depois for necessário voltar atrás. Teich afirma que “qualquer coisa que é decidida pode ser revista”. “Existe hoje um diálogo que permite que a gente se posicione se for necessário”, diz o ministro, mesmo sabendo que não foi o caso.
Ao responder a pergunta seguinte, sobre uma possível discordância em relação a uma nova proposta que será anunciada na quarta-feira, 13, o ministro da Saúde parece fazer uma espécie de desabafo. Pensa durante 14 segundos antes de falar e: “Hoje eu estou assumindo que a gente vai chegar num consenso. Se isso não acontecer, aí eu paro para ver como é que o Ministério vai caminhar”.
Antes de responder o último questionamento na entrevista, mais uma vez a resposta é antecipada pelo secretário executivo, que não usa o microfone, mas se dirige novamente a Teich, sobre informações do sistema virem de Estados e municípios. Em seguida, na internet, analistas já falavam em um possível início de fritura do novo ministro menos de um mês à frente da pasta.