As histórias de Maria Osmarina e de Luiz Inácio são muito parecidas. Ambos tiveram infância, adolescência e juventude bem duras. Foram crianças em famílias sem recursos, com muitos irmãos e carentes de quase tudo. São, talvez, os exemplos mais bem-sucedidos de quem saiu das camadas sociais mais baixas para ocupar postos da maior relevância na estrutura do Estado brasileiro. Acima de tudo, são, ela e ele, dois representantes dos Silva, o sobrenome mais popular no País.

Luiz Inácio virou “Lula” e, em 2003, foi eleito presidente da República. Maria Osmarina, que desde pequena já era a “Marina” em casa, então seria também ministra de Lula. Ambos petistas e, obviamente, totalmente absorvidos pelo desafio de governar. Os anos se passaram, vieram as turbulências, as conveniências e as negociações de todo governo. Veio também a reeleição de Lula. Marina continuou à frente do Meio Ambiente, mas cada vez mais desgastada por ser considerada “radical demais” e endurecer na liberação de licenças ambientais. A corda iria arrebentar do lado mais fraco, cedo ou tarde, e “mais fraco” é o lado que não tem voz. Meio ambiente não fala.

Marina se demitiu em 2008, voltou para seu mandato de senadora, se candidatou em 2010 e foi a grata surpresa da eleição presidencial, já filiada ao Partido Verde: 3º lugar geral, com 19,6 milhões de votos e quase 20% dos votos válidos. Cacifada pelo desempenho, ela ajudou a construir um novo partido, a Rede Sustentabilidade, e voltou ao pleito em 2014, como vice na chapa de Eduardo Campos (PSB). Com a morte do presidenciável em acidente aéreo, Marina assumiu a candidatura e teve uma curva ascendente vertiginosa de intenção de votos. Ela passava a ser uma forte concorrente para suplantar Aécio Neves (PSDB) e desbancar o projeto do PT de reeleger Dilma Rousseff.

Foi ali que se deu, com o ex-partido, uma rusga muito maior do que a que havia lhe tirado do governo petista. Uma campanha desleal de difamação contra a candidata ambientalista foi idealizada e executada pelo marqueteiro João Santana. Na peça de mais traumática memória, um prato de refeição ia ficando vazio à medida em que ligavam as propostas de Marina Silva, como a autonomia do Banco Central, à falta de comida no prato. Claramente uma peça de antipropaganda política que impunha o medo, numa tentativa realmente além do limite ético para desidratar a concorrente. E o efeito foi tal – potencializado pela falta de estrutura e de estratégia do PSB para rebater à altura – que nem no segundo turno a ex-ministra conseguiu vaga. Aturdida entre a mágoa e a revolta, apoiou Aécio Neves contra Dilma.

Em 2018, novamente candidata, Marina Silva começou bem cotada nas pesquisas. Chegou a ser tida como uma herdeira natural dos votos do espectro progressista, caso Lula realmente não se efetivasse como candidato, o que realmente acabou por acontecer. Mas, em um partido menor – quatro anos antes, ela ainda tivera o alcance do PSB para si – e praticamente sem tempo de TV, as intenções de voto foram minguando, a ponto de desta vez pouco superarem 1 milhão de votos. Quase 20 vezes menos do que havia tido nas eleições anteriores, num pleito atípico que acabou por eleger o extremista Jair Bolsonaro (então no PSL). No segundo turno, seu “apoio crítico” a Fernando Haddad, o substituto de Lula no páreo, pouco adiantaria pragmaticamente, mas serviria como símbolo de que, contra uma ameaça à democracia – em que o então presidente eleito realmente se consolidaria –, poderiam contar com ela.

O terceiro personagem da história, Ciro Ferreira Gomes, nunca na vida passou pelas privações que os outros dois sofreram: nasceu em família de posses, estabelecida em Sobral (CE), onde o pai José Euclides Ferreira Gomes Júnior, udenista, na década de 70 seria prefeito biônico pela Arena, partido de apoio ao regime da ditadura militar.

Em seis anos, de deputado “local” ao principal ministério da Nação. Ciro Gomes era mesmo um “garoto-prodígio”

Ciro Gomes participou de movimentos estudantis, se tornou um líder deles e foi candidato em 1982 a deputado estadual, pelo PDS, então o partido de seu pai e que era o novo nome da Arena. Mas, no ano seguinte, já deputado, se filiou ao PMDB. Reeleito em 1986, deixou a Assembleia para se candidatar a prefeito de Fortaleza e ser eleito, em 1988, com o apoio do governador Tasso Jereissati. Ficou só 15 meses na administração municipal e renunciou para ser o candidato da base governista a suceder Tasso – não havia reeleição. Venceu ao governo do Ceará pelo novíssimo PSDB, e ocuparia o cargo de janeiro de 1991 a setembro de 1994, quando assumiu como ministro da Fazenda de Itamar Franco. Em seis anos, de deputado “local” ao principal ministério da Nação. Era mesmo um “garoto-prodígio”.

Sem sair mais da “alta política”, Ciro seria candidato a presidente pelo PPS em 1998, repetindo a dose em 2002, quando Lula venceu as eleições – com o paulista-cearense o apoiando no segundo turno. Tornou-se, como Marina Silva, ministro do petista, na pasta de Integração Nacional. Em 2006, deixou o governo para ser puxador de voto do partido (que já era o PSB) na Câmara dos Deputados. Foi recordista de votos, mas uma decepção como parlamentar. Não apresentou projetos e foi um dos mais faltosos da legislatura.

Ciro resolveu seguir para a iniciativa privada, só retomando a vida pública para buscar novamente o Planalto, em 2018, em sua terceira candidatura, agora pelo PDT. Observava ali um vácuo em seu campo, com a ausência de Lula, que estava preso, após ter a sentença o então juiz Sergio Moro confirmada em segunda instância. Sentiu-se traído quando o veterano petista, sem poder concorrer, colocou Fernando Haddad em seu lugar. Pior: Haddad ultrapassou Ciro rapidamente nas pesquisas e chegou ao segundo turno contra Bolsonaro. Muito magoado, o pedetista preferiu se abster da luta contra a vitória da extrema-direita e passou as semanas seguintes na Europa. Dizem que em Paris. Voltou para votar, a contragosto, em Haddad.

Nunca mais quis fazer as pazes com o PT. Agora, na eleição mais importante e – ao mesmo tempo – entediante de toda a história da redemocratização, Ciro é novamente candidato. Desta vez, contra Lula. Na disputa, dispara ataques que igualam as falhas democráticas do PT ao autoritarismo iliberal de Bolsonaro. Mantém teimosamente uma candidatura fadada a não chegar aos dois dígitos e, pior, minguar nos últimos dias. Corre o risco de “marinar”, ou seja, ser vítima do voto útil e terminar com uma quantidade miserável de votos, para quem já teve 12% deles.

Enquanto isso, na semana passada, no rumo contrário, a ex-seringueira se juntou ao ex-metalúrgico. Ela deu o perdão a ele, selando o fim de 16 anos de caminhos separados. Com certeza, o acordo prevê inclusão, no plano de governo de Lula, de pontos caros a Marina e à Rede Sustentabilidade.

No trio formado por três dos mais importantes personagens da história recente da centro-esquerda brasileira, Lula e Marina entendeu que o momento é crítico. Ciro Gomes continua a achar que é de críticas. Pode terminar como Marina em 2018? Corre, sim, sério risco. Não será por falta de exemplos nem de aviso.