Bolsonaro fingiu para a população que botou governadores na parede com ICMS, mas jogou na segurança por saber que União e Estados não podem abrir mão de receita

Governador Ronaldo Caiado (DEM) busca diálogo para que ICMS dos combustíveis seja discutido por Estados e governo federal em conjunto
Governador Ronaldo Caiado (DEM) busca diálogo para que tributação sobre combustíveis seja discutida por Estados e governo federal em conjunto | Foto: Divulgação

Muita gente embarcou na falácia do presidente da República, que resolveu dizer que desafiava os governadores a zerar o ICMS dos combustíveis. Jair Bolsonaro (sem partido) disse que acabaria com os tributos federais sobre os mesmos produtos. “Eu zero o federal se eles zerarem o ICMS. Está feito o desafio aqui agora. Eu zero o federal hoje, eles zeram o ICMS. Se topar, eu aceito”, disse Bolsonaro na quarta-feira, 5, de forma mais do que segura.

O que o presidente fez foi jogar a bomba no colo dos governadores e se livrar da cobrança dos motoristas, que sentem no bolso o peso da gasolina, do diesel e do etanol caros no posto na hora de abastecer seu veículo. Só que Bolsonaro foi mais do que imprudente.

Por mais que pareça simples, a situação da receita gerada com o ICMS para os Estados e no PIS [Programa de Integração Social], Confins [Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social] e Cide [Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico] em cima dos combustíveis para a União é muito mais complexa do que uma declaração em tom de desafio na entrevista quebra-queixo ao sair do Palácio da Alvorada, em Brasília.

Tamanho da receita

Entraram nos cofres da União R$ 27,4 bilhões por meio da cobrança dos três impostos sobre o preços do combustível em 2019, segundo dados da Receita Federal. Ao bater o olho no montante, a primeira impressão que temos é de que a arrecadação é exagerada e deveria ser reduzida. Mas quando verificamos as tentativas do ministro da Economia, o Posto Ipiranga Paulo Guedes, em ação, notamos que o governo federal, na verdade, tem tentado encontrar novas fontes para aumentar sua receita.

Com o discurso do país falido, Guedes já tentou criar um sistema de capitalização na Reforma da Previdência, medida que não foi aceita pelo Congresso. Depois buscou a recriação da CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras], o que também não deu certo.

Em seguida veio com a proposta de taxar em 7,5% o salário-desemprego. Até aqui, a ideia não foi defendida por mais ninguém. E agora fala repetidas vezes em cobrar percentual das movimentações financeiras virtuais de correntistas de bancos.

Discurso e prática

Agora vale lembrar que Bolsonaro falou e continua a repetir que não entende de economia. Mesmo sendo a palavra do presidente a única a valer, o técnico da área, com o respaldo do mercado, é o ministro Paulo Guedes. Enquanto Guedes busca novas fontes para reduzir o rombo nas contas da União, Bolsonaro usa o populismo para anunciar que topa zerar uma receita de R$ 27,4 bilhões.

Resta saber se por ignorância ou populismo o presidente da República usou de tal proposta de prática impossível para jogar a população contra os governadores. Porque até impedimento na Constituição Federal existe.

Simples comparação

Quando comparamos o que a União arrecadou de Cofins, R$ 4,3 bilhões, com o que Goiás teve de ICMS em 2019, R$ 4,15 bilhões, a conta até pode parecer próxima e o desafio de Bolsonaro aparentemente justo. Mas a receita do Estado no ano passado foi de R$ 26 bilhões. Só a soma de Cofins, PIS e Cide supera toda a arrecadação do governo goiano.

O que parece migalha para a União, mas não é – vide Paulo Guedes e as tentativas de criar novas receitas -, mostra-se um grande problema para um governo estadual que lida mensalmente com um rombo de R$ 230 milhões na Previdência.

E aqui o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), está mais do que correto. Bolsonaro brinca de gincana no posto de presidente ao fazer desafios que nem Estados ou União podem cumprir. É irresponsável ao jogar os motoristas contra os gestões estaduais, se livrar da polêmica, mas comprometer, por exemplo, a votação das reformas tributária e administrativa no Congresso.

Base no Congresso

Sem uma base consolidada capaz de aprovar sozinha as pautas da gestão Bolsonaro na Câmara e no Senado, o presidente se esquece que precisa dos governadores para convencer suas bancadas a caminhar junto com o governo federal.

E aqui Caiado tem aprendido uma lição que traz grande amadurecimento como gestor público: só se tem a noção da realidade ao assumir o Executivo. Gerir a falta de recursos no vermelho da máquina pública traz muita dor de cabeça. Por isso mesmo, é aqui que o governador acerta ao propor o diálogo.

A carga tributária sobre os combustíveis é agressiva no bolso do motorista. Sem qualquer dúvida. Mas não é um desafio de quebra-queixo que resolverá a questão. É preciso maturidade, diálogo e propostas sobre a mesa.

Maturidade

O silêncio dos primeiros dias na disputa entre governadores e União de Caiado encontrou na maturidade a busca pela negociação. Se o gestor goiano souber usar sua figura de líder dos governadores no diálogo com Bolsonaro e Guedes, Goiás tem muito a ganhar.

Sem populismos e falácias à porta de palácios. O motorista quer pagar um preço justo e deixar de ser enforcado pelo valor encontrado na bomba. E os Estados precisam de receita para sobreviver em meio à crise. Está na hora de cobrar do governo federal uma reforma tributária justa com redistribuição equânime da arrecadação do País.

Caiado pode e tem hoje condições de assumir a frente deste movimento. E em nada prejudicaria a negociação para que o Estado possa aderir ao Regime de Recuperação Fiscal. Por isso, contra a falácia dos populistas se sobrepõe a racionalidade e poder de negociação dos republicanos.