Já acostumado a ter “abacaxis” nas mãos, como o comando do Ministério da Educação (de 2005 a 2012) e da Prefeitura de São Paulo (de 2013 a 2016) por mais de uma década, pode-se dizer que Fernando Haddad está experimentado o bastante para ocupar aquele que é, ao mesmo tempo, o melhor e o pior cargo do governo federal. Como ministro da Fazenda de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ele tem também o posto número 1, em termos de visibilidade, entre os que estão na lista de postulantes a ocupar a Presidência a partir de 2027 – caso o atual inquilino da cadeira realmente mantenha a posição de recusa a uma nova reeleição.

A parte ruim do ofício é que, se a política econômica fracassar, é a mesma alta visibilidade que o descartará da lista. Contrariando o desejo de grande parte dos comentaristas políticos e dos “homens do mercado” para que um nome técnico ocupasse a pasta, o presidente eleito escolheu talvez a pessoa de sua maior confiança no círculo político para o cargo. Para os opositores ferrenhos, Haddad na chefia da economia seria a volta do “poste”, para fazer tudo que Lula mandasse, como acreditavam quando, substituindo o líder petista impedido de disputar as eleições em 2018, ele se revelaria apenas uma marionete manipulada de dentro da prisão em Curitiba, caso tivesse êxito nas urnas daquele ano.

É curioso esse hábito de desconsiderar o passado e o currículo somente para ser “do contra”. Afinal, se ministro da Fazenda fosse um emprego oferecido no LinkedIn – rede social voltada ao mercado de trabalho –, ele poderia imprimir seus dados na Plataforma Lattes e apresentar seu mestrado em Economia na Universidade de São Paulo (USP). Em tempo: em sua pesquisa de dissertação, concluída em 1990, Haddad critica o modelo econômico do regime soviético, que então agonizava.

Ou seja, além de político, o ministro é, sim, também um técnico da área. No fim, o barulho é oposição pela oposição – que, diga-se, os petistas já praticaram bastante em seus tempos de disputa com os tucanos. Agora é a extrema direita que usa essa estratégia para tentar empurrar Haddad dentro da cova que já cavaram para ele.

Os adversários recém-depostos observam o cenário atual com olhos de raposa para o galinheiro e se deleitam com alta expectativa diante das discussões e discordâncias internas no governo – naturais, ainda mais em um partido como o PT, que sempre prezou a dialética interna. Mais comum ainda se o que se vê se dá no começo de um mandato de reconstrução institucional pós-caos.

Entre os que enviam energias de corvo ao Executivo está o ex-chefe da Casa Civil da Presidência na gestão anterior (como é mesmo difícil chamar o que houve entre 2019 e 2022 de “governo”), senador Ciro Nogueira (pP-PI), que recentemente acusou os correligionários do ministro da Fazenda de fazerem dele seu “novo Bolsonaro”:

— O PT não busca soluções, mas culpados. Primeiro, foi Bolsonaro. Não colou? Atacam o ministro da Fazenda deles mesmos. Haddad é o novo Bolsonaro do PT, sim, o novo “culpado” pela velha falta de rumo do governo.

Chega a soar irônico um auxiliar de Jair Bolsonaro (PL) – um ser com evidente síndrome de perseguição – acusar alguém de buscar “culpados”. Logo Ciro, que teve como chefe alguém que, durante quatro anos, guerreou contra todos aqueles que no mundo da política não o chamaram de “mito”, que foi contra as medidas sanitárias durante a pandemia, contra a campanha de vacinação, contra governadores e prefeitos, contra as urnas eletrônicas, enfim, contra o Estado democrático de Direito, esse “sistema” que o impediu de desgovernar autoritariamente.

Haddad é o termostato do governo, segurando os paradoxais rompantes programados (ou não) do veterano presidente

Depois do caos instalado, quem viesse para tentar dar jeito, era certo, encontraria pela frente muito estrago e muito estresse. Ninguém melhor para encarar isso, é preciso repetir, do que alguém provado nas pedras do caminho, como foram e são Lula e Haddad, nessa ordem. De Lula não é preciso falar do quanto foi posto à prova, desde os anos 70, nas greves dos metalúrgicos do ABC, até o atentado golpista do 8 de Janeiro, passando por fundação do PT, disputas eleitorais perdidas, disputas eleitorais vencidas, mensalão, Operação Lava Jato, prisão e enfrentamento do neofascismo.

Já Haddad é o termostato do governo, segurando os paradoxais rompantes programados (ou não) do veterano presidente. Prova foi a forma com que se tornou o fiel da balança entre Lula e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central (BC), na queda de braço em torno da taxa de juros básicos de 13,75% ao ano, a mais alta do mundo. E como, por meio da proposta do novo arcabouço fiscal, conseguiu mostrar que o governo tem rumo, sim, apesar das recentes (e totalmente desnecessárias) declarações de parlapatão do chefe do Planalto.

Antes da entrega do projeto de um novo modo de ver o regime fiscal do Brasil – algo que vai muito além de um absurdo, compulsório e ilusório teto de gastos –, Haddad já havia deixado boa impressão na forma que manejou a reoneração – um neologismo pertinente para o caso – dos combustíveis, uma das muitas “buchas herdadas” (expressão do próprio Fernando Haddad) do desgoverno Bolsonaro. Era uma clássica situação de “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”: voltar a cobrar impostos federais dos combustíveis elevaria o preço nas bombas, afetaria os índices de inflação e atrasaria ainda mais a queda nos juros; permanecer com a isenção, por outro lado, seria perder bilhões de reais por mês, necessários para fechar as contas e seguir na responsabilidade fiscal que o próprio mercado cobra. O ministro da Fazenda conseguiu encontrar o “caminho do meio”.

O novo arcabouço fiscal – que, caso dê tudo errado (e parece que não será assim) terá pelo menos reabilitado o uso do termo “arcabouço”) foi publicizado na quinta-feira, 30, e gerou reações das melhores possíveis. A prova mais retumbante de que Haddad fez um plano com “gosto de mercado” foi a bolsa subir bem e o dólar cair no pregão do dia.

O PT sabe que não pode errar na condução da economia. Não é hora de achar que vai inventar a roda. Por isso, é importante assegurar pequenas vitórias – como poder ter gastos acima com saúde e educação – diante de uma conjuntura atroz.

Resumo da ópera: à frente da economia nacional, Haddad está se saindo melhor do que a encomenda, justamente por ser muito mais político do que técnico.