Em uma matéria publicada no site do Ministério da Saúde, na semana passada, a pasta confirma que realiza atualmente um levantamento de dados para subsidiar a criação de políticas públicas para o tratamento das sequelas da Covid-19, com um inquérito nacional para “avaliação da real dimensão da pandemia” no Brasil. Um acerto do ministério do ponto de vista científico e social, uma vez que as consequências do Sars-CoV-2 serão sentidas ainda por muito tempo, impactando e transformando a sociedade, e por isso um estudo específico é obviamente necessário para desvendar aonde isso vai nos levar.

Serão realizadas 33,2 mil visitas domiciliares a pessoas que tiveram a Covid-19 em 133 cidades do Brasil, nove delas em Goiás. Até então, no texto publicado pela pasta federal, as informações sobre o procedimento haviam sido entregues com minuciosa precisão, até que o ministério listou os municípios “no Goiás” — conforme grafado no texto — que receberiam o inquérito, entre eles, um tal “Iruaçu”. Ora, a não ser que esse fantástico município tenha sido criado recentemente no Estado goiano, o correto aqui seria Uruaçu, aquele outro município com pouco mais de 40 mil habitantes e com um PIB per capita de R$ 31,5 mil (de acordo com dados do IBGE de 2021).

“Um mero erro de digitação” — podem alegar, o que, de fato, é totalmente comum (este mesmo jornalista que vos escreve catou e corrigiu erros aqui e acolá antes da publicação do texto). No entanto, dado o histórico de gafes que o governo federal vem acumulando quando se refere a Goiás, um erro como “Iruaçu”, tão insignificante em outro contexto, pode soar para muitos como um recado do Planalto: “Não conheço Goiás e não tenho muito interesse”.

Jataí é o quê?

O escancaro mais recente dessa mesma mensagem ocorreu no mês passado, quando um ministro achou engraçado e pareceu, até mesmo, se orgulhar ao perguntar em um vídeo de “making off” publicado em suas redes sociais: “Jataí é o quê?”. Falamos do titular do Ministério dos Transportes, Renan Filho, e falamos do fato de um ministro perguntar o que é um município que, conforme levantamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), está entre as 20 cidades mais ricas do Brasil no agronegócio.

Veja bem, ministro: Jataí é um município goiano com mais de 105 mil habitantes, um puxador do setor produtivo e agropecuário não só estadual, mas nacional, e cujo PIB o alça à sexta maior economia do Estado, conforme o IBGE. Cidade essa que o senhor, ministro, visitou pessoalmente em setembro do ano passado.

E destaque-se na memória do tempo: em 1955, Antônio Soares Neto, o Toniquinho, morador de Jataí, perguntou ao candidato a presidente da República Juscelino Kubitschek se, cumprindo a Constituição, ele construiria a nova capital do Brasil no território goiano. JK disse que sim e cumpriu a promessa. Lula da Silva e Renan Filho trabalham numa cidade edificada graças, em parte, a uma pessoa de Jataí. Mais tarde, o político mineiro foi senador por Goiás.

A impressão que se tem é que enquanto os goianos com trânsito em Brasília articulam forças-tarefas para construir pontes seguras entre os governos estadual e federal, como Adriana Accorsi, Rubens Otoni, Jorge Kajuru (vice-líder do governo no Senado), José Nelto (vice-líder na Câmara) e Olavo Noleto, o Palácio do Planalto e seus representantes seguem com as “escorregadas” e as demonstrações pontuais de desconhecimento sobre Goiás.

Não é mistério para ninguém que o Estado tem um governador de oposição a Lula da Silva (PT) e que, ao que tudo indica, será adversário dele na eleição presidencial de 2026. Porém, isso não pode impedir os laços políticos e estratégicos. Tanto Lula da Silva quanto Ronaldo Caiado são articuladores natos e sabem mais do que ninguém a importância da boa diplomacia entre adversários. Não fosse o mau tempo que o impediu de decolar, Lula da Silva teria sido recebido pelo governador, e pelas mais importantes lideranças do agro, com pompa, em uma grande estrutura em Rio Verde, em evento em junho de 2023 de cerimônia de conclusão das obras da Ferrovia Norte-Sul.

Mas não. Em quase um ano e meio de terceiro mandato, mesmo com boas oportunidades, Lula ainda não pisou em solo goiano. Não pareceu se interessar em vir, pessoalmente, estabelecer diálogos (necessários) com os setores essenciais para o bom andamento do país, como o produtivo, o agro e o social.

O Palácio do Planalto parece ter comprado o discurso caricato da extrema-direita goiana de que o presidente da República “não é bem-vindo” em Goiás. Asneira maior não há. Basta ver a tentativa fracassada de um deputado estadual de fazer passar na Assembleia Legislativa um projeto que tornava Lula da Silva “persona non grata” no Estado. Além de ter percebido a quantidade de tempo e esforço gastos em vão, duas coisas que poderiam ter sido empregadas de maneira proveitosa em prol da sociedade goiana com algum projeto realmente válido, o parlamentar descobriu que essa ideia de repúdio ao presidente não existe em Goiás, a não ser em uma pequena parcela da extrema-direita: somente ele, o autor do projeto, e mais dois deputados (conhecidos oposicionistas radicais a Lula da Silva) votaram a favor da proposta.

Lula da Silva não só é bem-vindo, como é necessária sua vinda ao Estado goiano. Não por ser Lula da Silva, mas por ser o presidente da República. É assim que se consolida uma república. Quando o governo federal parar com as gafes e entender que o governador goiano é seu adversário político, e não seu inimigo, talvez os laços com o Estado de Goiás que o chefe do Executivo federal necessita acabem, enfim, florescendo.

Oxalá o governo do PT não queira seguir Ronald Reagan, que chamou o Brasil de Bolívia, e chame Goiás de Mato Grosso.