Força-tarefa da Lava Jato se apequena ao tentar manipular opinião pública contra STF
17 março 2019 às 00h00

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Procuradores da República do Ministério Público Federal do Paraná abusam do prestígio que gozam junto à população para atacar Supremo em defesa de um fundo ilegal

Quinta-feira, 14, 19h41. A página no Facebook do procurador da República Deltan Martinazzo Dallagnol publica: “Hoje, começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há 5 anos, no início da Lava Jato”. Junto com a frase vem o link de matéria do O Globo sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que entendeu ser necessário seguir o que diz a Constituição Federal e ser de competência da Justiça Eleitoral analisar as acusações de crimes ligados à prática de caixa dois.
Desde então, o procurador Dallagnol, que integra a força-tarefa da Operação Lava Jato no Ministério Público Federal no Paraná (MPF-PR), concedeu entrevistas a diversos veículos de comunicação nas quais repetiu muitas vezes a afirmação publicada em sua página no Facebook. Para o integrante do MPF em Curitiba (PR), os ministros do STF demonstraram que estão interessados em sepultar a Lava Jato. Fora o maniqueísmo retórico, Dallagnol omitiu informação à opinião pública dado importante que esclarece o motivo da gritaria aprontada por ele e pelo também procurador Diogo Castor de Mattos contra o Supremo.
No sábado, 9, Castor teve publicado no site O Antagonista um artigo no qual diz fazer denúncia contra o “mais novo golpe” que seria dado pelo STF contra a Lava Jato na semana passada. Colocado no ar às 9 horas do dia 9, o texto opinativo descreve que “esse entendimento pouco razoável começou a ser costurado na 2ª Turma do STF desde o começo do 2018”.
A Lava Jato completa hoje cinco anos. A operação começou no dia 17 de março de 2014. Nem quando o então senador Romero Jucá (MDB-RR) teve áudio divulgado no qual defendia um grande acordo “com o Supremo, com tudo” para estancar a sangria da Lava Jato prestou-se tanta atenção na disputa entre Supremo e os procuradores da força-tarefa em Curitiba.
O caldo da briga entre investigadores e os ministros do Supremo engrossou quando a procuradora-geral da República (PGR), Raquel Dodge, pediu na terça-feira, 12, a anulação do acordo ilegal firmado entre a força-tarefa do MPF-PR e a Petrobras para criação de um fundo no valor de R$ 2,5 bilhões autorizado pela juíza substituta Gabriela Hardt, da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba. De forma prática, a PGR enquadrou os procuradores da República. E o juiz que substituiu Sergio Moro, Luiz Antônio Bonat, referendou a puxada de orelha.
“Não compete ao Ministério Público Federal ou ao Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba administrar e gerir, por meio de fundação, recursos bilionários que lhe sejam entregues pela Petrobras”, pontuou a procuradora-geral da República ao pedir a anulação do acordo da força-tarefa da Lava Jato com a empresa estatal brasileira. Para tristeza momentânea dos procuradores Dallagnol e Castor, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, concedeu liminar na sexta-feira, 15, na qual determina o cumprimento de sete medidas.

Revés dos procuradores
Entre as decisões incluídas na decisão de Alexandre de Moraes está a suspensão de “todos os efeitos da decisão judicial proferida pelo Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, que homologou o Acordo de Assunção de Obrigações firmado entre a Petrobras e os Procuradores da República do Ministério Público do Paraná”. O magistrado determinou o bloqueio dos bens depositados pela estatal e os rendimentos dos valores. Ficou “proibida qualquer movimentação de valores sem expressa decisão do Supremo Tribunal Federal”.
A liminar concedida pelo ministro inclui na análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) apresentada pela PGR contra o acordo do MPF com a Petrobras “a suspensão de todas as ações judiciais, em curso perante qualquer órgão ou Tribunal, ou que, eventualmente, venham a ser propostas e que tratem do objeto impugnado”.
Um dia antes de Castor, o também procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima foi à sua página no Facebook na sexta-feira, 8, precisamente às 15h49, e atacou quem se posicionasse contra a criação do fundo bilionário do MPF constituído por dinheiro público que deveria ser destinado ao Tesouro Nacional. “Sobre as críticas à destinação de 2 bilhões e 500 milhões de reais, pode-se dizer que há os que não leram e criticam; há os que leram, não entenderam, e criticam; e há os que leram, entenderam, e, por má-fé, criticam”, vociferou o integrante da força-tarefa em Curitiba.
E continuou: “O que resta fazer é alertar que uma discussão séria sobre um assunto desse porte não se faz com base em desinformação, leviandade ou má-fé. O caminho trilhado nestes cinco anos pela Operação Lava Jato é o de buscar o interesse público, e esse acordo atende da melhor forma possível esse interesse”. No oitavo ponto que aponta em sua postagem, dos Santos afirmava que se o acordo não fosse firmado havia o risco de as autoridades dos Estados Unidos se apropriariam da integralidade do valor pago pela Petrobras.
Mas o ministro do Supremo discordou em sua decisão das argumentações dos três procuradores do MPF no Paraná. “Importante destacar, ainda, que os termos do acordo realizado entre a Petrobras e o governo norte-americano, além de não indicarem os
órgãos do MPF/PR como sendo as “autoridades brasileiras” destinatárias do pagamento da multa, igualmente, jamais indicaram a obrigatoriedade ou mesmo a necessidade do depósito dos valores ser realizado perante a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba”, descreveu Alexandre de Moraes em sua sentença liminar.
R$ 2,5 bilhões em jogo
Os gritos de parte dos procuradores da República contra os ministros do STF não parecem ser motivados por tanta preocupação com a discussão do Supremo sobre ser da Justiça comum, na qual se incluem as Varas Federais, ou da Justiça Eleitoral, como entenderam seis dos 11 ministros da Corte. Mas é bom lembrar que a disputa de protagonismo, com possíveis atropelos à legalidade por parte da força-tarefa da Lava Jato, trata-se especificamente do fundo de R$ 2,5 bilhões que os procuradores queriam ter acesso sem destiná-lo ao regimento legal e ao fundo correto, que são os lesados cofres públicos.
O suposto ataque à continuidade da Lava Jato, que também ganhou o plenário e corredores do Congresso Nacional e os grupos de WhatsApp, inclusive com informações falsas e ofensas aos ministros do STF, nada mais é do que uma tentativa de intimidar o Supremo de impedir que os procuradores da República da força-tarefa, ou parte deles, tenham acesso a um novo fundo bilionário sem qualquer possibilidade de interferência da Justiça na destinação do uso dos recursos. Querem os integrantes da força-tarefa usar o prestígio e respaldo da população brasileira à Operação Lava Jato para criar uma entidade com superpoderes.

E para fortalecer as críticas, nada melhor do que incluir em publicações com informações falsas nomes que estão no imaginário popular como o do ministro Gilmar Mendes e outros integrantes do Supremo. Parte das montagens que circulam nos grupos de WhatsApp falam em “fim do STF”, compartilham frases como “a toga contra o povo” e insinuações de que os magistrados que compõem o Supremo seriam criminosos. Os ataques virtuais, que extrapolam o gatilho disparado pelos três procuradores contra a Corte, incluem distorções sobre a atuação e os membros do Supremo.
A ação teve resposta no segundo dia de julgamento da destinação dos casos de caixa dois na Justiça pelo STF. O presidente Dias Toffoli determinou que fosse instaurado inquérito para apurar os ataques sofridos pela Corte e escolheu como relator o ministro Alexandre de Moraes na tarde quinta-feira, 14, quando se confirmou a jurisprudência sobre encaminhar à Justiça Eleitoral os casos que envolvem caixa dois.
Há quem tenha interesse em trocar integrantes do Supremo, ou até aumentar a quantidade de cadeiras no pleno, e que topou a empreitada de incentivar as críticas, inclusive com a retomada das assinaturas no Senado para instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito da Lava Toga. A CPI quer investigar a atuação dos ministros do STF. Há deputados federais e senadores que já defendem abertamente o impeachment dos magistrados da Corte. Quais? Alguns falam em todos os 11.
BNDES cliente do STF?
Em meio a tantos interesses, mensagens como “OAB e Judiciário estão aparelhados com essa máfia comunista e o narcotráfico de toda a América Latina” surgiram nas redes sociais e aplicativos de mensagem. Você sabia que o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] é cliente do STF? É o que diz uma das informações falsas que circula entre usuários do WhatsApp. “Pare de compartilhar bobagens e intriguinhas feita pela mídia podre” é o que afirma uma das frases preferidas no compartilhamento dos que atacam o Supremo na internet.
No meio da disputa de poder e a medição de forças entre procuradores do MPF-PR e ministros do STF, sobrou até para Raquel Dodge. Como atuou contra o novo fundo bilionário, a procuradora-geral da República, que tem seu mandato válido até setembro e pode acabar por não ser reconduzida ao cargo.
Mexeram com a bolada dos procuradores, que só queriam poder financeiro sem serem incomodados. Ganharam como resposta a mobilização popular contra uma decisão correta e que segue o que determina a Constituição Federal. Mas para uma opinião pública que defende a pena de morte e está disposta a defender os mais grotescos argumentos em nomes de um ou outro grupo político, pouco importa.
Mesmo ao discordar da maioria no pleno do STF sobre o destino dos casos de caixa dois, o ministro Luís Roberto Barros, ao concluir seu voto na tarde de quinta-feira, 14, concluiu: “Dizer que a Operação Lava Jato ajudou a superar o paradigma de impunidade no Brasil não significa, evidentemente, dar carta branca a ninguém. Como disse antes, ninguém é bom demais, nem ninguém é bom sozinho. E, portanto, onde haja erro, onde haja exagero, eles não devem ser ignorados. […] Lamento, presidente, que qualquer pessoa, seja um procurador da República ou um cidadão, faça um juízo severo e depreciativo do Supremo em qualquer momento ou lugar”.