Articulação e manobras de Onyx Lorenzoni tiram Senado das mãos de Calheiros
03 fevereiro 2019 às 00h00
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Ministro-chefe da Casa Civil jogou a favor de seu colega de partido, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que usou o que tinha a seu dispor para ser eleito
A eleição da presidência do Senado parece ter uma explicação simples, com a derrota do representante da velha política, o ex-presidente da Casa, Renan Calheiros (MDB-AL), que chegou a renunciar ao direito de concorrer ao cargo no meio da votação, mas está longe de ser de tão simples entendimento. Seu principal adversário, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), chegou para incomodar Calheiros e o fez desde o primeiro dos dois dias que a discussão e eleição no Senado duraram.
O que fez um senador do baixo clero da Casa em seu primeiro mandato se tornar, no início na noite de sábado, 2, o novo presidente da mesa diretora do Senado com 42 votos passa muito mais pelas movimentações do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, do que somente das ações ilegais tomadas por Alcolumbre durante a condução dos trabalhos da sessão preparatória para a eleição na sexta-feira, 1º. Tanto que os atos decididos pelo democrata do Amapá foram anulados pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli.
Por mais que o governo tenha dito que ficou de fora das articulações no Senado para a escolha de seu novo presidente, o ministro Onyx atuou em conjunto com o ex-deputado federal, prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM, Antônio Carlos Magalhães Neto, o ACM Neto. Os dois entraram nas negociações com os senadores, principalmente os novatos. Das 81 cadeiras na casa, 54 estavam em disputa nas eleições de 2018, duas por Estado. Os recém-empossados são 46, com apenas oito reeleitos no ano passado.
E foi na dita “nova era” que Onyx e ACM Neto se jogaram nas tratativas. Alguns senadores reeleitos, como o conterrâneo de Alcolumbre, o parlamentar Randolfe Rodrigues (Rede-AP), declarou seu voto abertamente no plenário ao senador do DEM na tarde ontem. O mesmo fizeram os novatos representantes de Goiás Vanderlan Cardoso (PP), ao votar em Esperidião Amin (PP-SC), e Jorge Kajuru (PSB) em Alcolumbre. O caso de Kajuru foge um pouco da curva, já que o método adotado para escolher seu voto foi enquete nas redes sociais.
A trama do DEM para eleger Alcolumbre, alinhado com o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL), começou na sexta-feira com a garantia da presidência da mesa diretora preparatória. Como o senador pelo Amapá fazia parte da direção do Senado na Legislatura encerrada na quinta-feira, 31 de janeiro, o parlamentar tinha o direito de presidir a sessão. Mas sabia-se que seria Alcolumbre candidato a senador, o que despertou a ira e protestos de outros colegas de Casa. A senadora Kátia Abreu (MDB-TO) chegou a roubar a pasta com a ata da sessão no primeiro dia de discussões.
O episódio ocorreu pouco depois de o democrata instruir uma votação que não está prevista no regimento interno do Senado. Alcolumbre convocou os colegas senadores a votar se queriam a escolha do novo presidente com voto aberto ou “escrutínio secreto”, como determina o regramento da Casa. Por 50 a 2, sem a unanimidade de dois terços em acordo prevista na determinação dos trabalhos daquele Legislativo, escolheu-se a opção do voto aberto.
Com o STF na jogada
Como já era esperada a judicialização do caso com protesto de algum partido no STF, o que de fato aconteceu no início da madrugada de sábado, a tática do governo foi usar o discurso de se forçar a votação aberta com a justificativa de dar clareza e oportunidade à opinião pública de acompanhar a escolha dos senadores, que era transmitidos ao vivo pela TV Senado com sinal retransmitido por outras emissoras. A retórica deu certo.
Assim que o ministro Dias Toffoli derrubou a votação irregular do Senado no dia anterior e determinou a adoção do voto secreto, como determina o regimento interno, os pronunciamentos dos senadores da base do governo no sábado seriam direcionados a atacar e criticas a decisão do STF em uma possível interferência no poder independente da Casa. Colou tanto que muita gente que faz críticas pesadas ao governo Bolsonaro passou a voltar sua atenção à possibilidade de volta do senador Renan Calheiros à presidência da mesa diretora.
De fato a votação secreta tendia a favorecer Calheiros no Senado. Tanto que a primeira votação poderia ter dado a vitória ao emedebista. Quando a urna de madeira foi aberta – lembrem-se que os conspiracionistas duvidaram da eficácia e possibilidade de fraude nas urnas eletrônicas nas eleições de 2018, o que não foi contestado quando o resultado do segundo turno mostrou Jair Bolsonaro eleito com quase 58 milhões de votos -, descobriu-se que estavam depositados 80 envelopes com cédulas dentro e outras duas fichas de votação sem envelopes. São 81 os senadores.
Depois de muita discussão, decidiu-se por reiniciar a votação, destruir as cédulas usadas na primeira tentativa de eleger o presidente do Senado, e chamar por Estado os parlamentares à mesa diretora do plenário para repetir seus votos. Desta vez, o número de senadores que declarou abertamente seu voto subiu. O filho do presidente Jair Bolsonaro, Flávio Bolsonaro, que havia votado em silêncio na primeira vez e justificado no Twitter não querer interferir na votação por ser parente do chefe do Executivo, mudou de ideia.
Dada a situação, Flávio declarou abertamente seu voto em Davi Alcolumbre. Muito se especulou que o voto secreto na primeira tentativa pode ter sido em Renan Calheiros, mas isso ninguém terá como saber, já que as cédulas foram destruídas. Em sessão que “gostosa” era ouvida pela captação de áudio dos microfones transmitidos ao vivo, conversas das mais diversas e absurdas vazavam ao vivo na TV e no rádio, o PSDB também optou por todos seus parlamentares votarem com seus votos declarados, todos em Alcolumbre desta vez.
Reconhecimento da derrota
Foi quando Renan percebeu que a tática do governo tinha dado certo e perderia as eleições. No meio do processo, o emedebista foi à tribuna do plenário e repetiu que o Davi – Alcolumbre – na verdade seria o Golias da Casa. Em seguida, Calheiros renunciou à candidatura. Nova discussão foi travada. Um dos candidatos, o senador Esperidião Amin (PP-SC), pediu que a votação fosse reiniciada. A opção não foi acatada e os votos seguiram sendo feitos.
Neste momento ficou claro quem seria o novo presidente, mesmo sem ser iniciada a contagem de votos. A articulação do governo, por meio do ministro Onyx Lorenzoni, havia dado certo, com a adoção de medidas ilegais, como a adoção de uma tentativa de votação aberta no descumprimento do regimento interno da Casa, o que ajudou o Executivo a jogar a população contra Calheiros e o STF.
Fragilizado, o emedebista nem sequer voto. Foi acompanhado de outros três senadores, que não participaram da segunda tentativa de escolher o novo presidente da Casa. Com 42 votos, Davi Alcolumbre deixou de ser apenas um parlamentar eleito em 2014 e integrante do baixo clero do Senado para o principal cargo, responsável por decidir o que entra ou não na pauta do plenário. Ponto para a gestão Bolsonaro, que pode ter problemas com o deputado Rodrigo Maia reeleito com facilidade na Câmara, mas tende a ver seus projetos tramitarem com rapidez na casa presidida pelo democrata do Amapá.
Derrotar Renan significou muito para o governo? Sim. O que parecida improvável a partir do momento em que o presidente do STF derrubou a votação pela eleição aberta se tornou uma vitória que chegou com a renúncia do adversário do MDB, considerado um representante da velha política. Calheiros não pode ser ignorado, pois é um politico com poder no Congresso, pai do governador de Alagoas. Mas, ao renunciar, deu indícios de que, de opositor ferrenho quase eleito em um momento, pode adotar uma posição de nulidade.
Freado o ímpeto de um senador que, para a opinião pública, não passa de um velho conhecido investigado e réu em processos relacionados a crimes de corrupção, Bolsonaro deve reinar quase absoluto com ajuda de Alcolumbre no Senado. O que não significa que ter o senador do DEM no comando da casa seja algo bom para a Casa. Dado o exemplo demonstrado na sexta, a Constituição e as leis podem ser rasgadas na atuação de um presidente que, incentivado por Onyx, fez todas a ações ilegais que tinha disponíveis para ser eleito. Espero que não sintamos saudades de Renan Calheiros na presidência do Senado, o que seria ainda mais triste.