O glitter já se consolidou como matéria-prima de roupas, adereços, peças de decoração, cosméticos e até maquiagem. E, neste mês de Carnaval, sua popularidade atinge o auge. Porém, tanto brilho não vem sem consequências: nos últimos anos, a comunidade científica tem tratado o material como poluente emergente, já que esses microplásticos (partículas com menos de 5 milímetros) não são filtrados pelos sistemas tradicionais de tratamento de água e acabam lançados diretamente em rios e oceanos, onde interferem em diferentes aspectos da vida aquática.

Estudo conduzido na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) detectou um problema adicional: além de plástico, as partículas de purpurina carregam também metais, como o alumínio. De acordo com resultados divulgados no New Zealand Journal of Botany, o metal presente no glitter pode alterar a passagem de luz pela água e comprometer a fotossíntese – e, consequentemente, o crescimento – de uma das espécies mais comuns de macrófita do Brasil, a Egeria densa, popularmente conhecida como elódea. As macrófitas são plantas aquáticas visíveis a olho nu que servem de abrigo e alimento para diversas espécies, proporcionam sombreamento, produzem oxigênio e até podem ser usadas como biofiltro em projetos de fitorremediação. A elódea, por exemplo, é muito usada na ornamentação de aquários e lagos artificiais.

Os pesquisadores analisaram a ação do glitter por meio de ensaios de laboratório, que envolveram incubações in vitro com 400 unidades da macrófita submersa aclimatadas em água do reservatório Monjolinho, localizado na UFSCar. Foi utilizado no experimento glitter comum, do tipo comercial, com área de superfície média de 0,14 milímetro quadrado.

Quatro combinações foram testadas: macrófitas na presença de glitter (concentração de 0,04 grama por litro) com e sem luz; e macrófitas na ausência de glitter com e sem luz (grupos-controle). As taxas fotossintéticas de cada grupo foram, então, analisadas usando um método conhecido como “frasco claro e escuro”, desenvolvido em 1927 e amplamente aplicado nesse tipo de estudo. Os frascos “claros” foram expostos à radiação fotossinteticamente ativa, enquanto os “escuros” foram protegidos para bloquear qualquer luz e usados para calcular as taxas de respiração.

Os resultados do experimento deixaram claro o tamanho do problema: as taxas fotossintéticas de E. densa foram 1,54 vez maior na ausência do glitter – responsável por reduzir a intensidade luminosa que incidia no interior dos frascos. Os processos respiratórios das plantas também foram diminuídos, embora não de forma tão significativa.

“Essas descobertas apoiam a hipótese inicial de que a fotossíntese sofreria potencial interferência do glitter, possivelmente devido à reflexão da luz pela superfície do metal presente nesses microplásticos”, diz Luana Lume Yoshida, primeira autora do trabalho, que foi parte de seu projeto de iniciação científica no Laboratório de Bioensaios e Modelagem Matemática (LBMM) do Departamento de Hidrobiologia da UFSCar. Atualmente, ela é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais (PPGERN).

Carnaval sustentável

“Nesse experimento, observamos especificamente a interferência física do glitter em uma espécie macrófita, mas já há outras referências mais conhecidas na literatura científica sobre a contaminação da água e o consumo dessas partículas por diversos outros organismos aquáticos”, conta Marcela Bianchessi da Cunha-Santino, que integra a coordenação do LBMM. “Encaixando todas essas peças, conseguimos traçar um panorama do funcionamento do ecossistema como um todo e do que pode acontecer com a cadeia alimentar completa – e esse é o grande diferencial da abordagem ecológica.”

“Com um ‘banco de dados’ robusto, poderemos pensar em políticas públicas que pautem um consumo mais consciente desse tipo de material. Mas, por ora, é importante passar para a sociedade que alterações nas taxas de fotossíntese, embora possa parecer algo distante de nossa realidade, estão interligadas a outras mudanças que nos afetam mais diretamente, como a diminuição da produção primária das cadeias tróficas dos ambientes aquáticos [organismos na base da cadeia alimentar]”, afirma Irineu Bianchini Jr., também coordenador do LBMM. “Se já há alternativas mais sustentáveis de adereço, por que, então, não fazer a mudança desde já?”
Julia Moióli | Agência FAPESP