“Uma sucessão de decisões equivocadas”, diz ambientalista sobre nascentes do Parque dos Buritis

07 outubro 2025 às 18h08

COMPARTILHAR
Em entrevista exclusiva, a ambientalista e cientista política Ludmila Rosa fez, nesta terça-feira, 7, um contundente desabafo ao Jornal Opção sobre os impactos da construção do Parque dos Buritis, em Goiânia. Segundo ela, o projeto foi conduzido com base em decisões políticas que ignoraram laudos técnicos, especialistas e a própria natureza do local, gerando consequências ambientais, sociais e de saúde pública.
A polêmica em torno do parque não reside necessariamente na decisão de implantá-lo naquela região, mas sim no modelo adotado para sua construção. Segundo Ludmila, o projeto ignorou princípios fundamentais de sustentabilidade urbana, especialmente os preceitos das chamadas “cidades-esponja”.
Ela diz que esse conceito, cada vez mais presente no planejamento urbano contemporâneo, propõe que as cidades sejam desenvolvidas em harmonia com a água, respeitando sua presença e fluxo natural, em vez de combatê-la por meio de obras de canalização, impermeabilização e drenagem excessiva.
Ludmila explica que o alerta inicial veio da sociedade civil organizada, composta por pessoas que militam na área ambiental, e não diretamente da comunidade local. Ela reconhece que ainda não houve escuta em loco com os moradores impactados, mas afirma com convicção que o incômodo é real e crescente.
“A gente recebeu esse comunicado a partir da sociedade civil organizada e não necessariamente da comunidade local. A gente não teve tempo nem condições ainda de fazer essa escuta em loco com quem foi diretamente impactado, mas eu tenho categórica e absoluta certeza de que as pessoas estão sim muito incomodadas, que sentem hoje na pele os desdobramentos dessas escolhas políticas mal feitas e isentas de aconselhamento técnico”, aponta.
A ambientalista acredita que, ao ampliar o debate na cidade, será possível mobilizar associações comunitárias e cidadãos preocupados com o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida em Goiânia.
“Quero crer que quando a gente começar de fato a fazer esse debate, a gente possa gerar mais mobilização social das associações comunitárias, das pessoas individualmente, de todo mundo que esteja interessado com o desenvolvimento econômico sustentável e a qualidade de vida aqui em Goiânia”, afirma.
Questionamento
Ao Jornal Opção, a arquiteta e urbanista Maria Ester, integrante da Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente (ARCA), acompanhou de perto o caso envolvendo a intervenção da prefeitura em uma área de charco natural em Goiânia. Segundo ela, a região abriga cerca de 30 a 40 nascentes que alimentam o solo encharcado e sustentam um ecossistema delicado, responsável pela formação do Buritizal, vegetação típica de áreas alagadas.
Ela diz que a construção de uma rua sobre esse ambiente, somada à instalação de um tubo de drenagem em 2019, comprometeu o equilíbrio hídrico local, provocando a morte da vegetação e o colapso da biodiversidade.
Maria explica que diante da situação, a ARCA foi convidada a apresentar uma proposta alternativa ao então prefeito Iris Rezende. A sugestão incluía a construção de uma pista de caminhada suspensa, que respeitasse o fluxo natural da água, além da realização de um estudo geológico para avaliar os impactos e possibilidades de recuperação da área. Apesar da boa recepção inicial, a proposta não foi implementada.
Maria Ester relata que, atualmente, é possível observar uma sequência de incêndios na região, consequência direta da degradação ambiental. A seca do solo, antes úmido e fértil, eliminou as condições de sobrevivência de diversas espécies vegetais e animais. “Quando você tira a água do subsolo, acabou. Morreu, matou todo mundo”, afirma. Para ela, é urgente retomar o debate e buscar soluções que permitam a restauração do ecossistema perdido.
Irregularidades
Ludmila aponta que os registros de irregularidades envolvem escolhas políticas em detrimento de decisões técnicas e da escuta qualificada de especialistas. Ela reforça que não se trata de ser contra a construção do parque, mas sim da forma como foi conduzida desde o início.
“Foram escolhas políticas em detrimento de pessoas que são especialistas no tema, que apontaram uma visão e uma possibilidade alternativa, não à construção do parque, mas à forma adotada desde o início. Uma visão alternativa que privilegiava as condições baseadas na natureza, os aspectos naturais daquele lugar, e os mantinha para que, mantidos, a gente pudesse ter um equipamento público de fato disponível e sustentável para toda a cidade de Goiânia, e sobretudo para quem mora ali perto”, aponta.
Ela denuncia que laudos técnicos foram negligenciados e que houve pouca escuta à sociedade civil organizada e aos técnicos que se manifestaram contra o modelo adotado.
“Pouca participação popular, participação social nessa implementação dessa política pública. Esse processo todo de ignorar as obviedades, as razões científicas, geraram e estão gerando um custo altíssimo pra cidade, especialmente para aquela região”, explica.
Impacto ambiental
Ludmila reforça que a construção do parque gerou impacto ambiental negativo por desrespeitar as condições naturais do ambiente, como a disponibilidade hídrica e a vegetação nativa. Ela destaca que, em vez de oferecer um espaço agradável e de conforto térmico, o parque se tornou um problema.
“A gente tinha um lugar alagado onde poderíamos trabalhar a permeabilização da água para recarregar nossas reservas hídricas, nossas bacias. E a gente tá jogando tudo isso fora, gerando problemas ambientais e sociais e, no limite, também problemas com saúde”, afirma.
Ela faz um alerta sobre a relação entre meio ambiente e saúde pública, especialmente diante do calor extremo e da degradação urbana.
“Quando a gente fala de meio ambiente, de preservação, a gente tá falando também de saúde pública e coletiva. É cada vez mais difícil viver em cidades com esse nível de poluição, degradação ambiental, calor, etc. Isso vai repercutir negativamente na saúde das pessoas com certeza”, declara.
“Uma área de Buritizal pegando fogo”
A ambientalista descreve com indignação o cenário de destruição causado pela impermeabilização da área, que levou à seca do Buritizal, vegetação típica de áreas alagadas, e à sua combustão.
“Esse pra mim é o grande problema da construção desse parque: ele não respeitou as características naturais daquele espaço. Você imagina uma área de Buritizal, uma vereda, pegando fogo. Algo de muito estranho aconteceu mesmo. Nós conseguimos a proeza de canalizar aquele espaço, impermeabilizar o entorno para assentar pessoas, autorizar a construção civil naquele espaço. Com isso, afugentamos a água dali, fazendo com que o Buritizal viesse a secar. E secando, aquela biomassa se tornou extremamente inflamável”, afirma Ludmila Rosa.
Ela lamenta que um equipamento público com potencial para servir à cidade e à comunidade local tenha se transformado em um cenário de destruição. “A gente vê um espaço daquele, que poderia gerar conforto térmico, qualidade de entretenimento e convivência, se tornar um cenário de destruição, de matança e de responsabilidade, no limite, de quem construiu o parque daquela forma, de quem negligenciou laudos que apontavam as 29 nascentes ali naquela região”, comenta.
Falta de escuta
Ludmila conclui sua fala denunciando a sucessão de decisões equivocadas que ignoraram soluções urbanísticas baseadas na natureza, mesmo com alternativas abundantes e corpo técnico qualificado à disposição.
“Hoje elas são muitas, várias, abundantes. A Amma tem um corpo técnico extremamente qualificado, que às vezes é até negligenciado por privilégio de decisões políticas que têm interesses outros, e aí é uma outra pauta”, afirma.
Ela reforça que a área é de preservação permanente e que jamais deveria ter sido autorizada para construção. Apesar da oposição e das tentativas de diálogo, a sociedade civil organizada não foi ouvida.
“Aquilo ali é uma área de preservação permanente e jamais poderíamos ter consentido com o que aconteceu. E olha que tinha oposição, tinham pessoas tentando diálogos. A sociedade civil organizada, amplamente combativa, especialmente aquela focada em questões ambientais, tentou articulações junto ao poder público constituído, mas sequer foi ouvida”, aponta.
Amma
Em nota enviada ao Jornal Opção, a Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) informa que o Parque Buritis Sebastião Júlio Aguiar foi inaugurado em 2020 e está inserido em uma área de vereda. “A atual gestão acompanha as condições ambientais do local, especialmente os drenos implantados à época da construção”, explica.
“As equipes da Amma realizam ações contínuas de monitoramento, combate a incêndios e recuperação da umidade do solo, como a implantação de uma vala de infiltração no parque. Com a chegada do período chuvoso, é possível realizar projetos de plantio de espécies arbóreas, ampliando a área verde do parque”, finaliza a nota.
Leia também:
Goiânia pode ganhar legislação pioneira contra bebidas adulteradas; entenda
Mistério e risco cercam poço de água azul em caverna de Goiás
Veja conselho de pastor para Lula se aproximar dos evangélicos