O Ministério Público de Goiás (MPGO) está coordenando um esforço para a criação da Rede de Atenção à Comunidade LGBTQIAPN+, um projeto que visa melhorar os serviços públicos prestados a essa população. Em entrevista ao Jornal Opção, o promotor Marcelo Machado Miranda de Carvalho, coordenador da Área de Políticas Públicas e Direitos Humanos do MPGO, explicou que o projeto está em fase inicial de planejamento.

A primeira reunião para pensar as ações de formação dessa rede aconteceu na última quinta-feira, 17. Com o apoio do Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição (Nupia), foram ouvidos representantes de várias instituições que atuam direta ou indiretamente com a comunidade LGBTQIAPN+. 

“Não temos ainda uma ideia exata de quais serão as prioridades do plano de ação. O que sabemos é que estamos ouvindo as instituições parceiras e aqueles que executam os serviços públicos para identificar quais são as principais dificuldades enfrentadas por eles”, explicou Marcelo Carvalho. “O Ministério Público não vai ditar o que deve ser feito, mas trabalhará junto com essas instituições para estabelecer metas e apoiar no que for necessário”, disse.

A criação de grupos de trabalho é uma das iniciativas em andamento. De acordo com Marcelo Carvalho, o MPGO está revendo e construindo novos atos que assegurem o cumprimento de direitos em espaços prisionais e hospitalares. “Após essa revisão, seguiremos com o acompanhamento para garantir que esses direitos estejam sendo efetivamente cumpridos na prática”, afirmou o coordenador.

Desafios na coleta de dados

Uma das dificuldades apontadas pelo Ministério Público é a falta de dados consistentes sobre a violência contra a comunidade LGBTQIA+. “Essa é uma violência muito invisibilizada, especialmente porque muitos membros da comunidade não se identificam como LGBTQIA+ devido ao preconceito que sofrem”, destacou o promotor.

A criação de delegacias especializadas, como a Delegacia Especializada em Crimes Raciais e de Intolerância, é vista como um passo importante para cobrir os casos de violência. “Naturalmente, o número de denúncias aumenta com a criação de estruturas especializadas, mas ainda é difícil afirmar se houve um aumento real nos casos ou se estamos apenas registrando mais do que antes”, ponderou.

Capacitação e eventos

Em termos de avanços, Carvalho citou a realização do primeiro seminário sobre direitos LGBTQIA+ no Ministério Público de Goiás, realizado em junho. “Esse evento foi importante para trazer o assunto para o centro do debate jurídico dentro da instituição e também para provocar a comunidade a participar da discussão”, afirmou. O seminário contou com a presença de representantes do Judiciário, Defensoria Pública e outras instituições parceiras.

Outro marco importante foi o primeiro mutirão de casamentos LGBTQIA+ promovido pelo Judiciário em Goiás, algo que, segundo Marcelo, “mostra a abertura tanto do Judiciário quanto do Ministério Público para a pauta”. O evento foi mencionado como um exemplo de ação concreta voltada para a garantia dos direitos da comunidade.

Marcelo Carvalho destacou que a comunidade LGBTQIA+ enfrenta uma falta de políticas públicas estruturadas em comparação com outros grupos vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas com deficiência. “Quando uma pessoa LGBTQIA+ é vítima de violência, ela não encontra um sistema de atendimento especializado como existe para outros grupos. Não temos delegacias especializadas no atendimento desse público, por exemplo, e isso reflete a falta de reconhecimento das suas especificidades”, explicou.

Ele mencionou também a falta de categorização dessa comunidade em programas sociais como o Cadastro Único, dificultando o acesso a benefícios voltados para grupos vulneráveis. “Será que uma pessoa trans, por exemplo, não está em uma condição de vulnerabilidade que justifica uma atenção especial? Essas são questões que precisamos debater e refletir”, questionou.

Educação e resistência ao debate

Outro ponto sensível é o tratamento dado à comunidade LGBTQIA+ no sistema educacional. Marcelo destacou a resistência de muitas escolas em adotar o uso do nome social, especialmente no ensino médio. “Há relatos de adolescentes que se identificam com um gênero diferente daquele registrado no documento, mas que não têm o uso do nome social respeitado nas escolas. Isso é algo que precisa ser discutido com seriedade”, afirmou.

O coordenador ressaltou a importância de incluir o setor educacional nas discussões. “Queremos trazer representantes da educação para o debate, não com o intuito de apontar falhas, mas para colaborar e refletir juntos sobre como melhorar o atendimento desse público”, disse.

Perspectivas para o futuro

Apesar dos desafios, Marcelo Carvalho acredita no potencial da rede estadual em construção para promover avanços significativos. “Estamos pensando em uma rede estadual de instituições que possam trabalhar de forma integrada para enfrentar as dificuldades dessa comunidade. Isso inclui a saúde, a educação e a assistência social, que muitas vezes estão mais presentes no âmbito municipal, mas que precisam de um olhar coordenado a nível estadual”, explicou.

O coordenador também destacou a importância de se estabelecer metas realistas e alcançáveis. “Ainda que sejam objetivos modestos, queremos garantir que possamos avançar na efetivação dos direitos da comunidade LGBTQIA+, oferecendo serviços públicos adequados e efetivos”, concluiu.

Essa união de esforços, segundo Marcelo, será crucial para dar visibilidade a um grupo que, historicamente, tem sido negligenciado nas políticas públicas. “A criação dessa rede é uma forma de garantir que esse público vulnerabilizado não seja esquecido”, afirmou.

Conscientização e educação da sociedade

A conscientização do público em geral também será um dos focos das ações. “É possível traçar estratégias de conscientização para combater o preconceito e promover a inclusão. A educação da sociedade é um passo fundamental para transformar a realidade dessa comunidade”, finalizou Marcelo Carvalho.

Com ações planejadas para serem implementadas ao longo dos próximos meses, a formação da Rede de Atenção à Comunidade LGBTQIAPN+ continuará com novas reuniões, e a expectativa é que ela se torne um espaço de diálogo e integração entre diversas instituições.

“A ideia é trabalhar de forma colaborativa, não apenas para enfrentar condutas criminais, mas para promover a melhoria das políticas públicas como um todo, incluindo áreas como saúde e educação”, concluiu o coordenador. Participaram da primeira reunião representantes da Defensoria Pública, do Tribunal de Justiça, de secretarias estaduais e municipais, além de universidades públicas e privadas.

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