Drama de ciclistas em Goiânia reflete mobilidade precária de todo o País
13 junho 2023 às 22h57
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Antônio Carlos e Davi da Silva usam a bicicleta todos os dias como meio de transporte. Os dois estudantes se deslocam para a escola pedalando. “A estrutura até que tem, mas o desrespeito dos motoristas é muito”, aponta Davi. Ele aponta ainda que, por diversas vezes, quase sofreu acidentes nas ruas de Goiânia. “Até uma viatura quase me atropelou. No meio urbano é mais fácil, têm as faixas, têm as ciclovias e muito espaço, mas na periferia isso é mais difícil, temos de andar em meio aos carros, sem segurança e os motoristas não respeitam”, relata.
O auxiliar de construção civil Almir Magalhães enfrenta a mesma dificuldade: o desrespeito dos motoristas. “Um dia desses, um cara ia batendo em mim em um cruzamento. Ele reduziu no sinal vermelho e, quando eu estava passando, ele avançou e por pouco não me pegou”, lembra. Ele reclama da falta de uma passagem para os ciclistas no viaduto da T-63. “A gente precisa se enfiar em meio aos carros e eu tenho muito medo”, diz.
Especialista em trânsito, Adriano Paranaíba diz que há uma escassez de sinalização vertical que identifique ao motorista que naquela região tem ciclistas. “Estudos apontam que 80% dos acidentes entre bicicletas e outros veículos acontecem nos cruzamentos”, diz. Paranaíba diz que há desigualdade na construção das ciclovias. Ele aponta que as regiões periféricas são menos privilegiadas. “Temos esse problema, porque as ciclovias seriam uma excelente oportunidade de a gente fazer uma integração modal. Não adianta se iludir achando que apenas fazer 500 quilômetros de ciclovia que todo mundo vai querer andar de bicicleta. É preciso integrar os terminais de ônibus, por exemplo. Poderiam ser o ponto final ou de partida das ciclofaixas, para que as pessoas usassem a bicicleta para chegar ao terminal e entrar no ônibus para continuar sua viagem.”
Brasil precisa de quase R$ 300 bilhões
Nas últimas décadas, o País vem se distanciando de uma mobilidade sustentável e isso se dá pela insuficiência dos transportes coletivos, o subaproveitamento dos transportes ativos – em especial da bicicleta – e a tendência do aumento do uso de automóveis. Uma das implicações é o crescimento do tempo despendido no deslocamento pendular, particularmente grave para as viagens em transporte coletivo utilizada por aqueles que tipicamente se encontram nos estratos mais baixos de renda e com moradia mais afastada dos locais de trabalho e centros de serviço. Isso tudo acentua ainda mais a desigualdade espacial das cidades.
O Brasil precisaria investir R$ 295 bilhões até 2042 em infraestruturas de mobilidade urbana nas 15 principais regiões metropolitanas do país. Essa é a quantia necessária para equiparar a infraestrutura de transportes desses municípios ao padrão da Cidade do México e Santiago, cidades referência na oferta de transportes urbanos na América Latina. A estimativa está no estudo inédito da Confederação Nacional da Indústria (CNI) “Mobilidade Urbana no Brasil: marco institucional e propostas de modernização”.
O caminho para que essas regiões metropolitanas brasileiras cheguem a um nível de excelência, no entanto, é longo. É preciso superar a falta de financiamento, fator apontado pelo estudo como o maior gargalo para a expansão dos transportes urbanos no Brasil. A CNI defende que sejam viabilizadas fontes de investimentos, com recursos nacionais e estrangeiros, além de participação pública e privada. “É importante ampliar o número de parcerias público-privadas (PPPs) em um modelo que agrupe a construção do sistema, da operação e da manutenção, em contratos de concessão de duração relativamente longas, em torno de 30 anos”, destaca o gerente-executivo de Infraestrutura da CNI, Wagner Cardoso.
“Pode-se afirmar que o país subinveste e subfinancia o transporte coletivo e inversamente privilegia e subsidia o transporte individual motorizado, inclusive na precificação dos combustíveis fósseis utilizados por automóveis e veículos individuais”, acrescenta. De acordo com o estudo, as evidências apontam que o Brasil não apenas diverge de experiências internacionais de sucesso na mobilidade urbana sustentável, como também deteriorou sua posição de referência na América Latina. Exemplo disso é que o País aparece entre as economias com a menor parcela de veículos elétricos – somente as cidades de Santiago, no Chile, e Bogotá, na Colômbia, têm três vezes mais ônibus elétricos em operação que em todo território brasileiro.
Alocação dos investimentos e expansão das malhas
Dos R$ 295 bilhões estimados para a modernização da mobilidade urbana no País, R$ 271 bilhões precisariam ser destinados para expansão de linhas de metrô. Conforme destaca o estudo, esse montante equivale ao necessário para mais do que dobrar a extensão da malha vigente. Em seguida, estão os investimentos para ampliação das estruturas de rede de trens (R$ 15 bilhões) e de BRTs (R$ 9 bilhões).
O estudo aponta que 74% dos 116 municípios brasileiros com mais de 250 mil habitantes cumpriram os prazos estipulados pela Lei de Mobilidade Urbana, que estabeleceu que essas cidades elaborassem e aprovassem um Plano de Mobilidade Urbana (PMU) até abril do ano passado. A mesma lei determinou que todos os municípios com população entre 20 mil e 250 mil pessoas apresentassem um PMU até 12 de abril de 2023. Entre as 1.908 cidades nessa situação, apenas 13% atestaram – até setembro do ano passado – ter um plano de mobilidade, de forma que cerca de 87% desses municípios teriam um horizonte pequeno (até abril deste ano) para elaborar e aprovar um plano municipal e, portanto, garantir o financiamento de projetos do setor. “É importante assegurar que municípios sem plano não recebam financiamento federal per capita superior a cidades com planejamento aprovado”, enfatiza Wagner Cardoso.
O diagnóstico referente às maiores regiões metropolitanas brasileiras é de que as cidades cresceram, foram amplamente urbanizadas, mas os transportes não acompanharam o ritmo de crescimento dessas metrópoles. Entre as recomendações, estão investir em transporte coletivo e transporte individual não motorizado. As 15 regiões metropolitanas avaliadas no trabalho são: Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte, Goiânia, Belém, Fortaleza, Natal, Salvador, João Pessoa, Maceió, Porto Alegre, Recife e Teresina. “A urbanização não foi acompanhada por um planejamento voltado à redução das distâncias percorridas pelos cidadãos, para o que o adensamento das cidades e a melhor distribuição de suas principais funções – moradia, trabalho, serviços e lazer – constituiriam seu alicerce”, diz o estudo. Chama a atenção, nas metrópoles, o subaproveitamento da bicicleta como um modal de transportes. De fato, em todas as RMs brasileiras, a participação da bicicleta oscilava entre 0,8% e 2,4%, em contraposição a cerca de 4% em Santiago, 7% em Bogotá e 13% na capital da Alemanha.
Qualidade do transporte impacta produção
Para o setor industrial, um sistema eficiente de mobilidade urbana é relevante em múltiplos sentidos, na medida em que o tempo de deslocamento dos trabalhadores, o conforto do usuário, além dos custos diretos envolvidos no movimento casa-trabalho-casa, afeta diretamente a produtividade e os gastos associados ao transporte. “Esse desgaste diário afeta não apenas a concentração e capacidade do funcionário, mas sua assiduidade e probabilidade de afastamento por doenças. Nesse sentido, a modernização do sistema seria essencial para melhorar a competitividade da indústria, além de estimular a cadeia produtiva voltada ao transporte público de média e alta capacidade”, pontua o estudo. Ao longo das últimas décadas, o Brasil empreendeu importantes avanços de natureza institucional no aperfeiçoamento da mobilidade urbana, de modo que o País dispõe de um moderno ordenamento jurídico que disciplina não apenas o planejamento, mas também a execução de políticas no setor. No entanto, uma mudança mais profunda da estrutura e organização das cidades brasileiras deve caminhar paralelamente ao desenvolvimento de um sistema de transportes capaz de encurtar o tempo de deslocamento, prover maior conforto aos usuários e integrar os diversos modais de forma a não penalizar aqueles que, por falta de alternativas, vieram forçados a residir distantes dos centros de serviços e empregos.
Os dados analisados pelo estudo mostram que o preço da gasolina é um balizador da escolha modal. Nos últimos 15 anos, excluindo o período mais recente, o aumento do preço da gasolina foi inferior ao aumento das tarifas de transporte público coletivo, o que, na prática, sinaliza um barateamento relativo das viagens com transporte privado em detrimento das viagens com meios de transporte públicos.