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Uma lista impossível: os 15 melhores poemas de amor

Yago Rodrigues Alvim Sabe aqueles textos que te inquietam, agoniam sem sequer uma palavra estar escrita? E nem precisa ser texto. Sabe aquela coisa que te bota medo, antes mesmo que exista uma ínfima possibilidade que aconteça? Que te estremece mesmo, que te deixa perdido, sem qualquer indicação de caminho? Foi bem assim ter que elencar alguns poemas e intitulá-los como “os melhores poemas”. Por isso, alguns jornalistas, escritores, artistas ajudaram a preencher as próximas linhas de mais puro amor. Para esclarecer, não seguem uma hierarquização de “qual é o melhor”, até porque, às vezes, o melhor poema de amor pode ser um olhar, um sorriso, um abraço. Pode ser qualquer coisa que te diga, te faça sentir que “te amo”. Antes, bem vale dizer que só seria uma lista definitiva se todas as poesias fossem conhecidas e se fosse possível todas lê-las e, ainda, se todas escritas já tivessem sido. Como não, é efêmera a lista, breve, tal qual um susto de amor. E, ainda há o alerta: é quase impossível não repetir Drummond, não repetir Vinícius, assim como é quase impossível viver sem amar ou não ser ridículo, caro Pessoa, ao falar de amor. [caption id="attachment_29916" align="alignnone" width="620"]"O Beijo" de Gustav Klimt "O Beijo" de Gustav Klimt[/caption] As sem razões do amor - Carlos Drummond de Andrade Eu te amo porque te amo. Não precisas ser amante, E nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça E com amor não se paga.   Amor é dado de graça É semeado no vento, Na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários E a regulamentos vários.   Eu te amo porque não amo Bastante ou demais a mim. Porque amor não se troca, Não se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, Feliz e forte em si mesmo.   Amor é primo da morte, E da morte vencedor, Por mais que o matem (e matam) A cada instante de amor.   Quero - Carlos Drummond de Andrade Quero que todos os dias do ano todos os dias da vida de meia em meia hora de 5 em 5 minutos me digas: Eu te amo.   Ouvindo-te dizer: Eu te amo, creio, no momento, que sou amado. No momento anterior e no seguinte, como sabê-lo?   Quero que me repitas até a exaustão que me amas que me amas que me amas. Do contrário evapora-se a amação pois ao não dizer: Eu te amo, desmentes apagas teu amor por mim.   Exijo de ti o perene comunicado. Não exijo senão isto, isto sempre, isto cada vez mais. Quero ser amado por e em tua palavra nem sei de outra maneira a não ser esta de reconhecer o dom amoroso, a perfeita maneira de saber-se amado: amor na raiz da palavra e na sua emissão, amor saltando da língua nacional, amor feito som vibração espacial. No momento em que não me dizes: Eu te amo, inexoravelmente sei que deixaste de amar-me, que nunca me amastes antes.   Se não me disseres urgente repetido Eu te amoamoamoamoamo, verdade fulminante que acabas de desentranhar, eu me precipito no caos, essa coleção de objetos de não-amor.   Um poema de amor - Charles Bukowski (Tradução: Jorge Wanderley) todas as mulheres todos os beijos delas as formas variadas como amam e falam e carecem.   suas orelhas elas todas têm orelhas e gargantas e vestidos e sapatos e automóveis e ex- maridos.   principalmente as mulheres são muito quentes elas me lembram a torrada amanteigada com a manteiga derretida nela.   há uma aparência no olho: elas foram tomadas, foram enganadas. não sei mesmo o que fazer por elas.   sou um bom cozinheiro, um bom ouvinte mas nunca aprendi a dançar — eu estava ocupado com coisas maiores.   mas gostei das camas variadas lá delas fumar um cigarro olhando pro teto. não fui nocivo nem desonesto. só um aprendiz.   sei que todas têm pés e cruzam descalças pelo assoalho enquanto observo suas tímidas bundas na penumbra. sei que gostam de mim algumas até me amam mas eu amo só umas poucas.   algumas me dão laranjas e pílulas de vitaminas; outras falam mansamente da infância e pais e paisagens; algumas são quase malucas mas nenhuma delas é desprovida de sentido; algumas amam bem, outras nem tanto; as melhores no sexo nem sempre são as melhores em outras coisas; todas têm limites como eu tenho limites e nos aprendemos rapidamente.   todas as mulheres todas as mulheres todos os quartos de dormir os tapetes as fotos as cortinas, tudo mais ou menos como uma igreja só raramente se ouve uma risada.   essas orelhas esses braços esses cotovelos esses olhos olhando, o afeto e a carência me sustentaram, me sustentaram.   Eu Te Amo - Chico Buarque  Ah, se já perdemos a noção da hora Se juntos já jogamos tudo fora Me conta agora como hei de partir   Se ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios Rompi com o mundo, queimei meus navios Me diz pra onde é que inda posso ir   Se nós, nas travessuras das noites eternas Já confundimos tanto as nossas pernas Diz com que pernas eu devo seguir   Se entornaste a nossa sorte pelo chão Se na bagunça do teu coração Meu sangue errou de veia e se perdeu   Como, se na desordem do armário embutido Meu paletó enlaça o teu vestido E o meu sapato inda pisa no teu   Como, se nos amamos feito dois pagãos Teus seios inda estão nas minhas mãos Me explica com que cara eu vou sair   Não, acho que estás te fazendo de tonta Te dei meus olhos pra tomares conta Agora conta como hei de partir   Poeminha Amoroso - Cora Coralina Este é um poema de amor tão meigo, tão terno, tão teu... É uma oferenda aos teus momentos de luta e de brisa e de céu... E eu, quero te servir a poesia numa concha azul do mar ou numa cesta de flores do campo. Talvez tu possas entender o meu amor. Mas se isso não acontecer, não importa. Já está declarado e estampado nas linhas e entrelinhas deste pequeno poema, o verso; o tão famoso e inesperado verso que te deixará pasmo, surpreso, perplexo... eu te amo, perdoa-me, eu te amo...   Todas as cartas de amor… - Fernando Pessoa Todas as cartas de amor são Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem Ridículas.   Também escrevi em meu tempo cartas de amor, Como as outras, Ridículas.   As cartas de amor, se há amor, Têm de ser Ridículas.   Mas, afinal, Só as criaturas que nunca escreveram Cartas de amor É que são Ridículas.   Quem me dera no tempo em que escrevia Sem dar por isso Cartas de amor Ridículas.   A verdade é que hoje As minhas memórias Dessas cartas de amor É que são Ridículas.   (Todas as palavras esdrúxulas, Como os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente Ridículas.)   Amar - Florbela Espanca Eu quero amar, amar perdidamente! Amar só por amar: Aqui... além... Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente Amar! Amar! E não amar ninguém!   Recordar? Esquecer? Indiferente!... Prender ou desprender? É mal? É bem? Quem disser que se pode amar alguém Durante a vida inteira é porque mente!   Há uma Primavera em cada vida: É preciso cantá-la assim florida, Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!   E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada Que seja a minha noite uma alvorada, Que me saiba perder... pra me encontrar...   Amor que morre - Florbela Espanca O nosso amor morreu... Quem o diria! Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta, Ceguinha de te ver, sem ver a conta Do tempo que passava, que fugia!   Bem estava a sentir que ele morria... E outro clarão, ao longe, já desponta! Um engano que morre... e logo aponta A luz doutra miragem fugidia...   Eu bem sei, meu Amor, que pra viver São precisos amores, pra morrer, E são precisos sonhos para partir.   E bem sei, meu Amor, que era preciso Fazer do amor que parte o claro riso De outro amor impossível que há de vir!   Elegia: Indo para o leito - John Donne (Tradução de Augusto Campos) Vem, Dama, que eu desafio a paz, Até que eu lute, em luta o corpo jaz. Como o inimigo diante do inimigo, Canso-me de esperar se nunca brigo. Solta esse cinto sideral que vela, Céu cintilante, uma área ainda mais bela. Desata esse corpete constelado, Feito para deter o olhar ousado. Entrega-te ao torpor que se derrama De ti a mim, dizendo: hora da cama. Tira o espartilho, quero descoberto O que ele guarda, quieto, tão de perto. O corpo que de tuas saias sai É um campo em flor quando a sombra se esvai. Arranca essa grinalda armada e deixa Que cresça o diadema da madeixa. Tira os sapatos e entra sem receio Nesse templo de amor que é nosso leito. Os anjos mostram-se num branco véu aos homens. Tu, meu Anjo, é como o Céu De Maomé. E se no branco têm contigo Semelhança os espíritos, distingo: O que o meu Anjo branco põe não é O cabelo mas sim a carne em pé. Deixa que a minha mão errante adentre Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre. Minha América! Minha terra à vista, Reino de paz, se um homem só a conquista, Minha Mina preciosa, meu Império! Feliz de quem penetre o teu mistério! Liberto-me ficando teu escravo; Onde cai minha mão, meu selo gravo. Nudez total! Todo prazer provém De um corpo (como a alma sem corpo) Sem vestes. As jóias que mulher ostenta São como bolas de ouro de Atlanta: Os olhos do tolo que uma gema inflama Ilude-se com ela e perde a dama. Como encadernação vistosa, feita Para iletrados, a mulher se enfeita; Mas ela é um livro místico e somente A alguns (a qual tal graça se consente) É dado lê-la. Eu sou um que sabe; Como se diante da parteira, abre-Te: Atira, sim, o linho branco fora, Nem penitência nem decência agora. Para ensinar-te eu me desnudo antes: A coberta de um homem te é bastante   Bilhete - Mário Quintana  Se tu me amas, ama-me baixinho Não o grites de cima dos telhados Deixa em paz os passarinhos Deixa em paz a mim! Se me queres, enfim, tem de ser bem devagarinho, Amada, que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...   Poema XLIV - Pablo Neruda  Saberás que não te amo e que te amo pois que de dois modos é a vida, a palavra é uma asa do silêncio, o fogo tem a sua metade de frio.   Amo-te para começar a amar-te, para recomeçar o infinito e para não deixar de amar-te nunca: por isso não te amo ainda.   Amo-te e não te amo como se tivesse nas minhas mãos a chave da felicidade e um incerto destino infeliz.   O meu amor tem duas vidas para amar-te. Por isso te amo quando não te amo e por isso te amo quando te amo.   Os espaços do sono - Robert Desnos (Tradução de Eclair Antônio Almeida Filho) À noite há naturalmente as sete maravilhas do mundo e a grandeza e o trágico e o encanto. Nela as florestas se chocam confusamente com criaturas de lenda escondidas nos bosques. Há você. Na noite há o passo do caminhante e o do assassino e o do agente de polícia e a luz do revérbero e a da lanterna do trapeiro. Há você. Na noite passam os trens e os barcos e a miragem dos países onde é dia. Os derradeiros sopros do crepúsculo e os primeiros arrepios da aurora. Há você. Uma ária de piano, um brilho de voz. Uma porta range. Um relógio. E não somente os seres e as coisas e os ruídos materiais. Mas ainda eu que me persigo ou sem cessar me ultrapasso. Há você a imolada, você que eu espero. Por vezes estranhas figuras nascem no instante do sono e desaparecem. Quando cerro os olhos, florações fosforescentes aparecem e murcham e renascem como carnosos fogos de artifício. Países desconhecidos que percorro em companhia de criaturas. E há você sem dúvida, ó bela e discreta espiã. E a alma palpável do espaço. E os perfumes do céu e das estrelas e o canto do galo de há 2 000 anos e o choro do pavão em parques em chama e beijos. Mãos que se apertam sinistramente numa luz baça e eixos que rangem sobre estradas medusantes. Há você sem dúvida que não conheço, que conheço ao contrário. Mas que, presente em meus sonhos, te obstinas a neles se deixar adivinhar sem aparecer. Você que permanece inapreensível na realidade e no sonho. Você que pertence a mim por minha vontade de possuí-la em ilusão, mas que não aproxima seu rosto do meu como meus olhos fechados tanto ao sonho como à realidade. Você que a despeito de uma retórica fácil em que a onda morre nas praias, em que a gralha voa em usinas em ruínas, em que a madeira apodrece rachando-se sob um sol de chumbo. Você que está na base de meus sonhos e que excita meu espírito pleno de metamorfoses e que me deixa sua luva quando beijo sua mão. À noite há as estrelas e o movimento tenebroso do mar, dos rios, das florestas, das idades, das relvas, dos pulmões de milhões e milhões de seres. À noite há as maravilhas do mundo. À noite não há anjos da guarda, mas há o sono. À noite há você. No dia também.   Monólogo de Orfeu - Vinicius de Moraes Mulher mais adorada! Agora que não estás, deixa que rompa o meu peito em soluços Te enrustiste em minha vida, e cada hora que passa É mais por que te amar a hora derrama o seu óleo de amor em mim, amada.   E sabes de uma coisa? Cada vez que o sofrimento vem, essa vontade de estar perto, se longe ou estar mais perto se perto Que é que eu sei? Este sentir-se fraco, o peito extravasado o mel correndo, essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu; Tudo isso que é bem capaz de confundir o espírito de um homem.   Nada disso tem importância Quando tu chegas com essa charla antiga, esse contentamento, esse corpo E me dizes essas coisas que me dão essa força, esse orgulho de rei.   Ah, minha Eurídice Meu verso, meu silêncio, minha música. Nunca fujas de mim. Sem ti, sou nada. Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada. Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível! A existência sem ti é como olhar para um relógio Só com o ponteiro dos minutos. Tu és a hora, és o que dá sentido E direção ao tempo, minha amiga mais querida!   Qual mãe, qual pai, qual nada! A beleza da vida és tu, amada Milhões amada! Ah! Criatura! Quem poderia pensar que Orfeu, Orfeu cujo violão é a vida da cidade E cuja fala, como o vento à flor Despetala as mulheres - que ele, Orfeu, Ficasse assim rendido aos teus encantos?   Mulata, pele escura, dente branco Vai teu caminho que eu vou te seguindo no pensamento e aqui me deixo rente quando voltares, pela lua cheia Para os braços sem fim do teu amigo   Vai tua vida, pássaro contente Vai tua vida que estarei contigo.   Namorados no Mirante - Vinicius de Moraes  Eles eram mais antigos que o silêncio A perscrutar-se intimamente os sonhos Tal como duas súbitas estátuas Em que apenas o olhar restasse humano. Qualquer toque, por certo, desfaria Os seus corpos sem tempo em pura cinza. Remontavam às origens - a realidade Neles se fez, de substância, imagem. Dela a face era fria, a que o desejo Como um hictus, houvesse adormecido Dele apenas restava o eterno grito Da espécie - tudo mais tinha morrido. Caíam lentamente na voragem Como duas estrelas que gravitam Juntas para, depois, num grande abraço Rolarem pelo espaço e se perderem Transformadas no magma incandescente Que milênios mais tarde explode em amor E da matéria reproduz o tempo Nas galáxias da vida no infinito.   Eles eram mais antigos que o silêncio...   Soneto de Fidelidade  - Vinicius de Moraes De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento.   Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento   E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama   Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.

Espetáculo mergulha em Guimarães Rosa, escorrendo literatura e dança pelos palcos

Do diretor e bailarino da Quasar, o mineiro João Paulo Gross, “O Crivo” reflete os vazios das relações e essência humanas

A inteligência e a sagacidade de mulheres que mudaram a História

Adelto Gonçalves Especial para o Jornal Opção [caption id="attachment_29567" align="alignleft" width="620"]A professora Dirce Lorimier destaca o papel da mulher na história em seu novo livro, Rainhas da Antiguidade A professora Dirce Lorimier destaca o papel da mulher na história em seu novo livro, Rainhas da Antiguidade[/caption] I A História do Brasil, como a de tantos países, até hoje tem sido escrita sob uma ótica masculina. Neste país, quando se lê livros da época colonial, é como se as mulheres sempre tivessem vivido numa penumbra social, limitando-se a reproduzir. Até mesmo nesta função sua presença tem sido relativizada. Basta ver que os chamados bandeirantes até hoje são idealizados em gravuras e estátuas como se fossem brancos, bem vestidos, embora nos séculos XVII e XVIII a presença de mulheres brancas na América portuguesa fosse insignificante. Na imensa maioria, os bandeirantes seriam filhos de indígenas, de africanas ou de miscigenadas, pois poucas mulheres brancas enfrentaram o desafio de atravessar o Atlântico. Foi preciso que o historiador Luciano Figueiredo, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), escrevesse dois livros basilares sobre o assunto –– O avesso da memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII (Rio de Janeiro, José Olympio, 1993) e Barrocas famílias: vida familiar em Minas Gerais no século XVIII (São Paulo, Hucitec, 1997) para que se descobrisse que, no século XVIII em Minas Gerais, parte significativa das mulheres negras e mestiças atuou no comércio, contribuindo decisivamente para o crescimento da economia da capitania. Muitas dessas mulheres eram conhecidas como as negras de tabuleiro, enquanto outras eram proprietárias de vendas, as vendeiras. Neste caso, sua importância foi inegável para o abastecimento das zonas mineradoras. Outras se envolveram com ofícios mecânicos, sozinhas ou, às vezes, lado a lado com seus maridos ou concubinos em padarias, tecelagens ou alfaiatarias. Se assim foi em Minas Gerais, com predominância de mulheres negras, em outras regiões, como em Goiás, a presença maior teria sido das indígenas e miscigenadas. Nenhuma delas, porém, ao que se saiba, chegou a se afirmar em patamar de igualdade no jogo do poder, embora muitas tenham tido papel relevante nas questiúnculas palacianas, valendo-se provavelmente da atração física para barganhar favores junto a governadores e outras autoridades. Na Antiguidade, porém, há alguns exemplos de mulheres que se celebrizaram em épocas, espaços e sociedades distintas, exibindo em comum a força e a ousadia do enfrentamento com os homens e o poder instituído, de que a Rainha de Sabá, talvez, seja o exemplo mais clássico, até porque aparece na Bíblia (I Reis, 10:1-13). Mas há também os casos de Elisa, Cleópatra e Zenóbia, que se destacaram na História por sua sagacidade e inteligência, personagens do livro Rainhas da Anti­guidade: sedução e majestade, ensaio de História do mundo antigo da professora Dirce Lorimier Fernandes, doutora em História Social pela USP, que acaba de ser lançado pela editora Letra Selvagem, de Taubaté-SP. II A princesa fenícia Elisa é a Dido, a imortal musa de Virgílio (70 a.C-19 a.C), aquele que foi escolhido por Dante Alighieri (1265-1321) para descer ao Inferno em A divina comédia. No livro II da Eneida, Dido acolhe Eneias em Cartago e lhe pede que conte a tragédia da derrocada de Troia. Tornam-se amantes e o idílio vai até o livro V, quando o destino obriga Eneias a seguir viagem para fundar o reino da Itália. Amargurada, a rainha africana atira-se a uma pira funerária. A segunda personagem deste livro é a rainha egípcia Cleópatra (69 a.C-30 a.C), aquela que subjugou pela paixão os imperadores romanos César (62 a.C-14 d.C) e Marco Antônio (82 a.C-30 a.C). Era descendente de Ptolomeu (366-283 a.C), general de Alexan­dre, o Grande (356 a.C-323 a.C), que depois da morte do comandante macedônio, resolveu criar um império no Egito. Cleópatra não desempenhou apenas o papel de princesa romântica, lasciva e pérfida que as lendas e o cinema lhe impuseram, mas foi uma militante política, obcecada pela restauração do reinado ptolomaico. Já Zenóbia (século III d.C), a Rainha do Deserto, três séculos adiante das duas personagens anteriores, tornou-se soberana absoluta na pequena Síria, então reino de Palmira. Apoiou o judaísmo, patrocinou poetas e pesquisadores e lançou-se a uma aventura expansionista, desafiando o poder de Roma. Proclamando-se parente de Cleópatra, conquistou o Egito, mas sucumbiu diante do exército de Aureliano (214-275). III A escolha dessas três mulheres incomuns pela historiadora Dirce Lorimier Fernandes para personagens de seu livro mostra, segundo Joaquim Maria Botelho, autor do texto de apresentação publicado nas “orelhas”, a admiração da autora “pelas mulheres fortes – mesmo as que pereceram, vitimadas pelas próprias fraquezas”. Para Botelho, “este livro é uma composição narrativa de verdades e mitos, descortinando informações que ultrapassam a frieza histórica”. [caption id="attachment_29568" align="alignleft" width="250"]Rainhas da Antiguidade: sedução e majestade (Elisa, Cleópatra e Zenóbia) / Autora: Dirce Lorimier Fernandes / Pre­ço: R$ 25 Letra Selvagem Rainhas da Antiguidade: sedução e majestade (Elisa, Cleópatra e Zenóbia) / Autora: Dirce Lorimier Fernandes / Pre­ço: R$ 25 Letra Selvagem[/caption] Na introdução, a historiadora explica que o enfoque do trabalho é “o papel dessas mulheres na História, especialmente na vida pública, fora da oika (casa), ambiente que as mulheres do entorno da nobreza continuavam dirigindo, ao mesmo tempo em que algumas privilegiadas atuavam em vários setores do saber”. Ela lembra que foram raras as civilizações antigas, com exceção do Egito, em que a mulher alcançou postos sociais importantes. Fora do círculo de Elisa e de Cleópatra, diz, na Grécia, a situação feminina era ainda mais degradante, pois, não tendo personalidade jurídica nem política, sempre estava à sombra da figura masculina que se encarregava de tratá-la como uma possessão em todos os sentidos. “Esta dependência gerava o analfabetismo e, em muitos casos, as mulheres deviam se conformar com a educação recebida de sua mãe”, acrescenta. Segundo a professora, quanto ao matrimônio, a mulher era objeto de troca, não somente do possuidor senão que, geralmente, se dotava com propriedades por parte do pai ao prometido para assegurar o acordo matrimonial, mais parecido a uma transação econômica. Aliás, um comportamento que ainda valia para o século XVIII em Portugal e suas possessões ultramarinas, pois foi só com o Romantismo que o casamento passou a ganhar outro foro com a valorização do amor, da fé, do sonho, da paixão e da intuição. IV Dirce Lorimier Fernandes é professora universitária, licenciada e pós-graduada em Letras pela Uni­versidade São Judas Tadeu (USJT) e doutora em História Social pela USP. Além de crítica literária e ensaísta, membro da diretoria da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA), Dirce é coautora dos livros: Meu Nome é Zé (São Paulo, Ideograma Técnica e Cultura), Antologia de Contos da UBE (São Paulo, Editora Global, 2009) e Inquisição Portuguesa –– Tempo, Razão e Circunstância (Lisboa, Prefácio, 2007). É, ainda, organizadora e coautora do livro Religiões e Religiosidades –– Leituras e abordagens (Arké, 2008). É também autora de A literatura infantil (Edições Loyola, 2003), A Inquisição na América Latina (Editora Arké, 2004) e Rainhas da Antiguidade: entre a realidade e a imagem do poder – Teodora, a imperatriz de Constantinopla, Urraca e Teresa, duas rainhas obstinadas (São Paulo, Clube dos Autores, 2012), entre outros. Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), entre outros.

Venta lá fora

[caption id="attachment_29764" align="alignnone" width="620"]1961_2 Matheus Antunes é ilustrador[/caption] Marcos Nunes Carreiro Chuveiro semiaberto pa­ra afastar melhor o gostoso, mas frio, ar matutino. Com a cabeça encostada no azulejo recém-colocado no banheiro acinzentado, Laura pensa arduamente em como escrever. Queria, aliás, precisava dizer à Isis que não iria vê-la este ano. Conheceram-se há tempos e chegaram a morar juntas por uns meses. Adora a casa da amiga, pois, desde o momento em que a porta se abre já é possível ver algumas das telas de que gosta mais, embora suas favoritas fiquem expostas na galeria. Há alguns retratos de Laura lá. Adora o lugar e a companhia, mas neste ano não dá. O livro está atrasado e ainda há muito que fazer se quiser levá-lo às lojas a tempo do feriado prolongado. Por isso a cabeça encostada no azulejo. Olhos fechados para dar melhor fluidez aos pensamentos, enquanto a água lhe cai sobre os alvos ombros, levando consigo as palavras de que não necessita e, ao mesmo tempo, fazendo movimentar as duas pintas que tem logo abaixo do braço direito. Abre os olhos a tempo de ver todas as palavras que tinha em mente descerem pelo ralo. Desliga o chuveiro e, com a toalha, tira o esfumaçado do espelho para poder se ver. O novo corte que seus belos cabelos louros adquiriram dias antes demandará um novo quadro de Isis. Toalha alçada ao pescoço, caminha livre e lentamente pelo corredor que leva do banheiro ao seu quarto. Pelo corredor, livros. Livros de todos os tipos. Livros empilhados. Livros adequados a crianças e outros bastante inadequados. Livros por todos os lados. Livros grandes e pequenos, em brochura e em capa dura. Livros que discutem ou ilustram. Livros que narram. Livros na frente de outros livros e que refletem as diversas fases e interesses de Laura. Estão ali as palavras? Toalha molhada em cima da cama. Veste-se, peça por peça, sob a morna luz do sol que entra pela janela ainda fechada. Venta lá fora. É possível perceber pelas árvores a balançar na praça em frente ao seu prédio. Levanta-se e vai olhá-las, esquecendo-se que está só de sutiã. Abre a janela, o vento eriçando sua pele. Pensa no conto que escreveu por último. Isis está nele; estão as duas sentadas em um daqueles bancos de praça tão comuns e caros a elas. Lá embaixo, vê Heitor, seu amigo que mora a alguns quarteirões de distância, chegando ao Café que existe ao lado de seu prédio. Pega o envelope enviado por ele há dois dias, coloca o texto corrigido lá dentro e vê que está atrasada. Volta-se, pega o computador e digita: “I’m waiting u this year”. Enviar. Sai vestindo a blusa, mas esquece a porta aberta.

Lançamentos

livroOsman Lins pode ser colocado entre os melhores escritores brasileiros, embora poucas pessoas o conheçam. Por isso, esta publicação atende bem ao obje­tivo: difundir o autor. Lisbela e o Prisioneiro Autor : Osman Lins Pre­ço: R$ 37,50 -- Planeta do Brasil             ÁlbumEm 2007, fizeram performance sobre os 20 anos do acidente com o Césio 137. “Rua 57, nº60, Centro” virou curta. E, agora, chega às prateleiras como CD. Rua 57, nº60 Intérprete: Vida Seca Pre­ço: R$ 10 -- Estúdio Volt     Filme     Tom Hiddleston é o vampiro Adam, um músico cansado com a sociedade, que reencontra Eva (Tilda Swin­ton). O amor dos dois é abalado pela irmã de Eva (Mia Masikowska). Amantes Eternos Direção: Jim Jarmusch Pre­ço: R$ 29,90 -- Paris Filmes

Agenda

  • Em todo primeiro domingo do mês, o Grande Hotel abre as portas às diversas artes. O Sarau Palco Aberto dá início a temporada 2015, com o lançamento do “Visage”, do mineiro Macoy Arai.
  • Tem aula de tecido, trapézio, lira e acrobacias de solo com Esparta Arte e Cultura. As professoras circenses Lua Barreto e Tetê Caetano abriram as inscrições para duas turmas: tem aula das 15 horas às 17h30 e das 18h30 às 21 horas; sempre às terças e quintas. É ali na Rua da Asteria, no Jardim Atlântico. Para mais informações é só ligar no (62) 82530302.

Cultura em app

A Livraria Cultura é conhecida por sua qualidade. Isso não é novidade. Agora, ela resolveu ser mais linda ainda e entrou na onda das leituras mobile, lançando o aplicativo “Kobo”. A melhor parte: ele está disponibilizando, gratuitamente, mais de 40 mil livros digitais. São livros infantis, best-sellers, clássicos... Enfim, tem literatura para todos os gostos. O app pode ser baixado nas plataformas iOS, Windows e An­droid. Mas não se preocupe, caso você seja muito exigente, além dos 40 mil, tem outros ebooks pagos.

Bailarina portuguesa se preenche de vozes nos palcos goianos

[caption id="attachment_29552" align="alignleft" width="620"]Foto: Luís da Cruz Foto: Luís da Cruz[/caption] Vem de Lisboa e traz consigo toda sua poética dançante. Vera Mantero (foto) dança tudo aquilo que necessita perceber, dança a vida e sua luta contínua contra o empobrecimento do espírito, do essencial. “Os Serrenhos do Caldeirão” ganha vida nos passos da bailarina portuguesa, que pesquisou a desumanização e desertificação das terras do Algarve. “Toda a peça é povoada de vozes que vêm de longe. Os tradicionais ‘ferrinhos’ são usados para reproduzir o som do silêncio, o som da serra”, diz ela. Embebida nas recolhas do etnomusicólogo Michel Giacometti, Vera tenta dar vida a tradições rurais perdidas. A solista ainda baila nas letras de poetas: “Não é só de música que se trata. É também de palavra e de terra; a palavra de um Antonin Artaud em combustão, de um Prévert martelado em jeito de poesia sonora”. Vera se apresenta no dia 1° de março, em Pirenópolis, no Teatro Pireneus; no dia 4, em Goiás, no Teatro São Joaquim; e no dia 6, em Goiânia, no Teatro Sesc.

Colombina e Fiu-Fiu à la Móveis Coloniais de Acaju

Já se maravilhou de Colom­bina? E de Fiu-Fiu, então? Não? Ah, então se prepara, pois essas genuínas bebidas goianas vão assoprar velinhas em alto estilo, à lá Móveis Coloniais de Acaju, pode acreditar. É, mocinho e mocinha, seu 7 de março já tem festa confirmadíssima com o show “Móveis Axé 90”. Então, separa as sapatilhas e vai ensaiando na frente do espelho com a irmã, com os primos, com a galera toda, pois a banda vai embalar esses hits lá no Martin Cererê. E, ó, não dá para levar o papagaio e o cachorro, porque lá é só para maiores de 18 anos. A comemoração começa às 22 horas, heim. E se liga que o primeiro lote de ingressos — que custam R$ 30 — já está à venda.

Flamboyant in Concert divulga atrações da temporada 2015

Zé Ramalho, Fábio Jr. e Titãs são parte da programação. Os ingressos podem ser adquiridos através da troca de notas fiscais de lojas do shopping

Sniper Americano: Eastwood dá tiro certeiro ao retratar a guerra dos dilemas americanos

O ator Bradley Cooper, conhecido por suas atuações em comédias românticas ou pastelões como da série “Se beber não Case”, dá vida a este contraditório Chris Kyle, chamado na tropa pelo codinome “a lenda”, ou seja, um verdadeiro herói de guerra americano. E Eastwood não perdeu a oportunidade de explorar esta faceta do personagem. [caption id="attachment_29367" align="alignnone" width="620"]Reprodução Reprodução[/caption] Frederico Vitor Atirar contra uma criança iraquiana, que está prestes a arremessar uma granada de fabricação soviética contra uma patrulha de fuzileiros navais americanos, é um drama cuja decisão se divide entre o dever patriótico e o senso de piedade de qualquer ser humano de boa alma. Este é o dilema central de “Sniper Americano”, do premiado e bajulado diretor Clint Eastwood, que filmou a adaptação do livro American Sniper: The Autobiography of the Most Lethal Sniper in U.S. Military History, escrito pelo atirador de elite da Marinha americana, Chris Kyle. Morto em circunstâncias trágicas, em fevereiro de 2013, aos 38 anos — foi assassinado por um ex-militar em um campo de tiros —, Chris Kyle nasceu e foi criado no Texas. Integrante da tropa de elite da Marinha dos Estados Unidos, Navy Seals — a unidade mais prestigiada do elenco das forças especiais estadunidenses —, Kyle teve sua vida marcada por idas e vindas ao campo de batalha no Iraque. Seu maior drama é o protesto de sua mulher, Taya, vivida no filme com grande qualidade por Sienna Miller, que usa seus dois filhos para pressioná-lo a dar baixa do serviço ativo. Ela não suporta a ideia do marido dividir a vida entre a família e o rifle de precisão, seu instrumento de trabalho, com o qual obteve, entre 1999 e 2009, o maior número de tiros bem-sucedidos da história militar norte-americana, confirmado oficialmente pelo Pentágono: 160. O ator Bradley Cooper, conhecido por suas atuações em comédias românticas ou pastelões como da série “Se beber não Case”, dá vida a este contraditório Chris Kyle, chamado na tropa pelo codinome “a lenda”, ou seja, um verdadeiro herói de guerra americano. E Eastwood não perdeu a oportunidade de explorar esta faceta do personagem, que é imerso nos valores da América do Norte: a caça, os rodeios, o chapéu, a fivela de cowboy e a conservadora formação cristã de uma típica família patriarcal sulista cujo lema é “defender uns aos outros.” Motivado a entrar na Marinha após assistir duas embaixadas americanas na África serem explodidas por terroristas, Kyle é submetido ao duro treinamento no estágio de admissão no Navy Seals. O filme explora: seus primeiros tiros no campo de provas, onde seu dom de acertar alvos a longas distâncias e com precisão é revelado a seus superiores; o início do relacionamento com sua esposa; e a primeira missão no Iraque invadido por tropas americanas em 2003, dois anos após os atentados de 11 de setembro. Todos esses são elementos importantes do desenrolar da trama. Taya é a testemunha mais próxima das transformações do marido de um simples cowboy texano numa verdadeira lenda militar. Entretanto, juntamente com a áurea de herói americano, surgem os efeitos colaterais da guerra, como surtos psicóticos e delírios paranoicos. A guerra, a qual Kyle conseguia dominar no início, passou a dominá-lo. Os sons de tiros, gritos desesperados e explosões tomam conta de sua mente. Os horrores e as brutalidades de um conflito que é travado de casa em casa, de quarteirão a quarteirão, o obceca. Eastwood lança sobre as telas a carnificina de uma guerra perdida. A imoralidade de um extremista islâmico, que mata o filho de um colaborador iraquiano das tropas americanas, perfurando seu crânio com uma furadeira, atesta que a guerra ao terror é justificável, porém uma luta tão suja que, ao final, não poderá ser comemorada por ninguém. Duelo O duelo entre Kyle e Mustafá, um radical sírio que ganhou uma medalha olímpica por suas habilidades no tiro, foi outro “lance” do filme, servindo de prato cheio para um diretor que sabe, como poucos em Hollywood, massagear o ego da alma americana. Nada mais excitante do que retratar o confronto entre um cowboy texano e um atirador árabe. Ambos são, para seus respectivos povos, ícones de heroísmo, a personificação da coragem e tenacidade, símbolos de resistência e força. Na medida em que Mustafá se move como um espectro pelos telhados de Fallujah, Iraque, liquidando um a um os colegas de Kyle, mais o herói americano se deixa sucumbir pela guerra. Para ele, cada morte de um irmão de farda é um motivo a mais para permanecer no Iraque. Afinal, quanto mais estende sua permanência nas areias do deserto, sua casa e a família ficam mais distantes. Nesta altura, o Texas é apenas uma miragem representada pela bandeira da estrela solitária pendurada na parede de seu alojamento no acampamento dos marines — os fuzileiros navais americanos. A qualidade técnica do filme salta os olhos pela riqueza de detalhes ao ambientar a guerra e o universo militar americano. Os cenários, fotografia e efeitos são praticamente impecáveis; a cena da batalha em meio à tempestade de areia tem uma qualidade magnífica. A atuação de Cooper não chega a ser excepcional, mas dá para notar que o ator cresceu ao se entregar completamente ao personagem, como ter ganhado 18 kg de massa muscular para se assemelhar fisicamente ao corpulento Chris Kyle. Tanto que a interpretação lhe valeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator. “Sniper Americano” não é a obra prima de Eastwood, não está no mesmo patamar de “Gran Torino” tampouco de “Menina de Ouro”. Porém, o filme que leva sua assinatura teve seis indicações ao Oscar (Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição, Melhor Edição de Som e Melhor Mixagem de Som), embora tenha recebido apenas uma estatueta por Edição de Som. Talvez “Sniper Americano” tenha sido aclamado pelo público por reforçar o já surrado enredo de conflitos morais envoltos a um personagem viril, mas ao mesmo tempo de psicológico frágil. Ou pode ser uma provável justificativa de que os americanos precisam agradecer a Deus por seus soldados combaterem a ameaça real e latente do extremismo, nas montanhas do Afeganistão ou no deserto cercado pelos rios Tigre e Eufrates, mesmo que o saldo da aparente paz doméstica custe a vida de milhares de jovens. Seja lá qual for a interpretação, o longa é um “tiro” preciso de Eastwood nos dilemas americanos das primeiras décadas deste século.

Playlist Opção

Ó, se prepara! Abra bem as janelas, tire os sapatos e se prepare para dançar na sala, no quarto, na cozinha, na varanda, em qualquer lugar, pois a galerinha do Jornal Opção mandou mais que ultra bem na Playlist dessa semana. Aumenta o som! Calvin Harris – Blame ft. John Newman Florence + The Machine – What Kind Of Man Ira – Bebendo Vinho Leonardo Gonçalves – There (feat. Eduardo Tambasco) Marilyn Manson – Deep Six Queens of the Stone Age – Little Sister Rael part. Emicida, Marechal, KL Jay e Fernandinho Beat Box – O Hip Hop É Foda Rihanna, Kanye West e Paul McCartney – FourFiveSeconds Tiago Iorc – Dia Especial Two Door Cinema Club – Something Good Can Work

Lançamentos

LivroLivro Uma Vida em Dança Autor: Lilian Vilela Preço: R$ 50,60 (Annablume) O livro “Uma Vida em Dança: Movi­men­tos e Percursos de Denise Stutz”, da dançarina e pesquisadora da Unicamp Li­lian Vilela, conta a vi­da da dançarina ca­rioca que tem participado do circuito Manga de Vento.   MúsicaMúsica Prayer Intérprete: Robin Schulz/Vários Pre­ço: R$ 29,90 (Warner Music) O DJ alemão Robin Schulz, que estourou recentemente com o remix de “Prayer in C”, da dupla Lilly Wood & the Prick, traz grandes nomes no seu primeiro álbum.   FilmeFilme Jogo de Xadrez Direção: Luís Antônio Pereira Preço: R$ 44,90 (Ocean Pictures do Brasil) Luís Antônio Pereira marca sua estreia na direção em “Jogo de Xadrez”, dividindo roteiro e produção com Priscila Fantin. A atriz dá vida a Mina, uma mulher envolvida num crime de colarinho branco contra a Previdência Social.

Mostra internacional de dança ressignifica a linguagem e amplia os limites da arte

Com início em fevereiro, o circuito segue até agosto com programação em Goiânia, Pirenópolis e Cidade de Goiás

Inverno

O Jornal Opção publica, nesta edição, o último conto da série literária “Quatro Estações”. Trata-se de quatro contos em que dois autores escrevem, a quatro mãos, uma breve narrativa inspirada em uma estação do ano. Anteriormente foram publicados “Primavera”, de Luisa Geisler e Débora Ferraz; “Verão”, de Anderson Fonseca e Mariel Reis; e “Outono”, de Mauricio de Almeida e Rafael Gallo. [caption id="attachment_28954" align="alignnone" width="620"]Natural de Inhumas, Matheus Antunes é ilustrador, designer gráfico e estudante de Arquitetura. Atualmente, reside em Natal, no Rio Grande do Norte Natural de Inhumas, Matheus Antunes é ilustrador, designer gráfico e estudante de Arquitetura. Atualmente, reside em Natal, no Rio Grande do Norte[/caption]

Olhava para a aba do ar-condicionado split, que oscilava, para cima e para baixo, mas também para a boca da Cleide, a dona, que nunca fechava. Movimentos similares e ininterruptos. Frio demais, falar demais, pra quê? Cleide e a mesma história, a mesma opinião, a mesma piada, e ria alto. Maria sabia tudo de cor: as entonações, a hora da risada estridente. Mas não tinha tempo para conversa fiada, preferia fazer contas, mentalmente, todos os dias, para ver se elas fechariam (sem precisar contar com a pensão, que tinha destino certo: o aluguel), se poderia pagar a escolinha do menino e se sobraria algum dinheiro. Ou quantas unhas precisava fazer para cumprir sua meta do mês. Não precisava ser simpática, Cleide já era por todo o salão: com uma frase feita, sorriso de ponta a ponta e os peitos recheando os decotes. Já Maria era pura ação: cortava as unhas, geralmente quadradas ou redondas, e acertava com a lixa, com movimentos rápidos e certeiros, de um lado para o outro, evitando mover a lixa para cima e para baixo, como a aba do ar-condicionado ou a boca da Cleide.

O senhor quer mesmo que eu ligue o ar? Desculpe a pergunta, mas é que não é muito comum os passageiros pedirem isso. Se deixo ligado, pedem pra desligar. De São Paulo? Sei, lá as pessoas vivem nos escritórios, com ar refrigerado. Aqui em Brasília qualquer ventinho faz as pessoas morrerem de frio. Eu vou fazer o caminho por trás dos ministérios, pela via dos anexos, tá bom? A esplanada está bloqueada por causa da montagem das arquibancadas. Estão preparando o desfile de amanhã. O povo fica ali, naquele calorão, esperando pra ver os carros e os soldados passarem. No ano passado eu vim, trouxe meu piá, mas não consegui ver quase nada. Só os aviões, passando bem baixinho em cima das pessoas, ele adorou. Ih, já vai fazer três meses que ele não está mais comigo! Não se preocupe, chegamos lá em dez minutos. A via dos anexos tem um monte de lombadas, mas não tem sinaleiro, daí a gente entra num túnel, sobe uma rampa e eu deixo o senhor na entrada principal. Ah, Moacir, tomara que seu carro pegue fogo e você queime, lentamente. Assim você vai ver como é bom o calor. Pimenta e sol, a minha Bahia. As pontas precisavam ficar levemente arredondadas e também as laterais, sem estreitá-las. A lixa precisava dançar por baixo da unha, para remover rebarbas, e a lixa polidora removia as estrias da superfície. Que diabos o menino iria fazer da vida, aqui? Taxista? Como o pai? Nem a pau. Aqui não tem porra nenhuma para os ferrados, como a gente, mas voltar para Santana também não dá. Talvez Salvador, mas estão matando muito lá, dá não. Aqui não presta, não tem praia, e usam o ar-condicionado por qualquer calorzinho, até no inverno. Chacoalhava a cabeça, enquanto amolecia as cutículas da ruiva, usando creme emoliente e água, empurrando-as com a ajuda de uma espátula de unha, com muito cuidado. Mas ainda é melhor que o sul, quantos graus deve estar agora em Curitiba? A seca tá braba. Todo ano é a mesma coisa. Meses sem cair uma gotinha e agora só mesmo lá para pelo fim de novembro, quando a cidade já estiver enfeitada com os foquinhos de Natal. Até lá eu quero ver se economizo uma grana e chamo meu guri pra passar o Natal comigo. Eu me separei da Maria já faz três meses. Ela foi embora porque não suportava o frio, o senhor acredita? Disse que queria voltar pra Bahia. Eu também disse que ia voltar pra Curitiba, não suporto este calor desgraçado, 35 graus no inverno, o que é isso?  Veja como são as coisas, o que é calor pra mim é frio pra ela, assim não podia mesmo dar certo, né? Mas acabei não voltando, ainda. Só que ela não sabe, ela acha que eu estou lá, naquele frio do cão, como ela diz. Eu ligo no celular dela, mas a gente nem conversa muito, é só pra saber como é que está o piá. Ele vai fazer quatro anos, eu quase morro de saudade. Que ela quisesse ir embora, eu entendo, mas me deixar sem meu filho, lazarenta! O amigo me desculpe. Com o alicate de cutícula removia o excesso de pele, retirando toda a cutícula externa de uma vez só, para evitar o aparecimento de pelinhas esbranquiçadas. Eu vou voltar para o sul, ele disse. Foi o jeito de se livrar de mim. Eu não quis Curitiba, você não quis a Bahia, e por fim não quis a baiana. Ele nem sonha que eu acabei ficando por aqui mesmo. Ele me liga e pergunta por que eu ainda uso o celular com número de Brasília e eu digo que não tive tempo de mudar. Mas eu vou embora, juro, é só juntar um dinheirinho, pegar o menino e cair fora. Dizem que é impossível tomar banho em Curitiba, no inverno. Olha, vou dizer pro senhor uma coisa que eu nunca disse pra ninguém, eu sou de Curitiba, lá o pessoal fala pouco, mas esses anos em Brasília me deixaram com a língua solta: minha vida melhorou depois que eu me separei dela. Eu até comprei este carro aqui, um Bravo, último modelo da Fiat, novinho. Antes eu tinha um Meriva 2002, caindo aos pedaços, nunca fiquei tanto tempo sem trocar de carro. Sabe como é, duas bocas, depois três, tudo fica mais difícil, e olha que a Maria trabalhava pra ajudar. Olha lá a catedral, com céu ao fundo. É bonito, não vou dizer que não é. Em Curitiba eu tinha um Astra, calotas com aro cromado, uma teteia. Meu sonho é ter um Honda Civic com câmbio automático. Um dia eu vou ter e aí já vou estar dirigindo de pulôver e meia de lã. Passa a base em toda a unha, extrapolando a linha da cutícula, para facilitar a etapa de limpeza com o palito. Por que aceitei vir para cá? Burra, isso sim, minha mãe sempre disse que eu era burra. Ao passar o esmalte, puxa a pele lateral do dedo para garantir que não sobrem espaços brancos na unha. Três camadas de esmalte cremoso para ficar da cor e cobertura extra brilho para o esmalte durar mais. Uma camada logo após a pintura. Ele está bem, carro novo, taxista dos bacanas. Paga pensão e tudo, mas não o perdoo. Gostava, gostava dela, sim, mas ela queria ir pra Bahia, voltar pra terra dela, e eu nem aqui consigo viver direito. Olha aquela árvore ali, olhe a grama: tudo estorricado. Está certo, o céu é bonito, na esplanada é lindo, pena que não dá pra ver hoje por causa da preparação do desfile, mas e as queimadas? A estiagem vem, o mato queima e a fumaça esconde o céu. E aí, adeus beleza. Agora a loira falsa, seios siliconados, rosto repuxado. Essa gente não tem vergonha de ficar toda torta e esticada? Mas a unha, em dia. Passa o palito em seguida para limpar os cantos, limpa com o algodão e acetona. Será que estou gorda como essa morena? Não pode ser, não. Apoia o palito no vão entre o polegar e o indicador e enrola, encharca na acetona novamente, remove o excesso com batidinhas na toalha e esfrega levemente nos dedos, fazendo pressão. No Natal fica tudo verde de novo, e eu vou estar com o meu piá. Já comprei até um pinheirinho pra colocar os presentes que ele vai ganhar do Papai Noel quando vier. O senhor tem trocado? Facilita. Muito obrigado. Olha, vai com Deus e obrigado por ter pedido pra eu ligar o ar!

Carlos Henrique Schroeder

Carlos Henrique Schroeder é autor dos romances “Ensaio do vazio” (7Letras), adaptado para os quadrinhos, e “A rosa verde” (Editora da UFSC), adaptado para o teatro, e do recém-lançado “As fantasias eletivas” (Record), dentre outros. Sua coletânea de contos “As certezas e as palavras” venceu o Prêmio Clarice Lispector 2010, da Fundação Biblioteca Nacional. Tem contos traduzidos para o alemão, espanhol e islandês.
 

Mario Araujo - Crédito Zuleika de SouzaMário Araújo nasceu em Curitiba-PR. Publicou os livros de contos “A Hora Extrema” –– prêmio Jabuti em 2006 –– e “Restos”. Tem contos publicados em revistas e antologias na Alemanha, Espanha, Finlândia, EUA e México. Atualmente escreve crônicas para o site Vida Breve e finaliza seu primeiro romance. Sua página na internet é www.marioaraujo.net.