O grupo que apoia o ex-presidente Bolsonaro tem dificultado a tão desejada aproximação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com a ala evangélica. Esse segmento bolsonarista não está satisfeito com as negociações para a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) das Igrejas, e a divisão entre os evangélicos pode dificultar o avanço da mudança que prevê mais benefícios fiscais aos templos religiosos, onerando cada vez mais os cofres públicos.

Conforme dados da Receita Federal na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano, a renúncia fiscal prevista para entidades sem fins lucrativos, incluindo igrejas, totaliza R$ 40,2 bilhões, o quarto maior gasto tributário do Orçamento. Essa isenção fiscal só fica atrás do Simples Nacional, de R$ 118,8 bilhões; da agricultura e da agroindústria, de R$ 57,1 bilhões; e dos rendimentos isentos e não tributáveis do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), de R$ 51,1 bilhões. E, segundo estimativas de técnicos legislativos, esse valor pode aumentar em até 50%, ou seja, em mais R$ 20 bilhões, totalizando R$ 60,2 bilhões, dependendo dos novos benefícios que forem incluídos na PEC.

Se a tramitação dependesse apenas do relator da proposta, o deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), que agora tem se aproximado do atual governo com interesse em ampliar os benefícios às igrejas, o texto já poderia ser votado no plenário. No entanto, na negociação realizada pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, com os integrantes da bancada evangélica da Câmara dos Deputados, na última quarta-feira, 21, não ficou claro quando isso poderá ocorrer.

Responsável pela articulação do Palácio do Planalto com o Congresso Nacional, Padilha tentou buscar um entendimento em relação à PEC das Igrejas e, após a reunião, fez um discurso aos jornalistas, ladeado por dois deputados e um senador da frente evangélica. No entanto, ficou evidente que essa PEC dificilmente será votada nos próximos dias devido ao racha entre os próprios evangélicos, que está impedindo a tramitação da matéria no Legislativo.

Um dos principais líderes da bancada evangélica e ex-coordenador da frente evangélica, o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), que ficou ao lado de Padilha na fala aos jornalistas, negou, em conversa com o Correio, a versão do ministro de que o acordo está próximo de ocorrer. “Ainda falta muita coisa para definir. Essa PEC não será votada tão cedo, tem que ficar tudo claro antes. Não apoiei o Lula, votei no Bolsonaro, mas isso não impede conversar com o governo. Se ele quer se aproximar dos evangélicos, terá que se esforçar mais. Pode escrever isso”, disse.

A proposta que reduz impostos para igrejas e templos já foi aprovada, por unanimidade, em uma comissão especial, sem obstrução do governo. Essas entidades religiosas, pelo texto, terão isenção em relação a uma série de bens e serviços, como aquisição de material para obra de reforma ou construção (cimento, pedra, tijolo), contratação de pedreiro, servente e pessoal de obra e na compra de objetos como púlpito, cadeira e iluminação.

Padilha — sempre otimista nos discursos sobre a relação com o Congresso apesar de vários parlamentares reclamarem dele e do ministro da Casa Civil, Rui Costa, como negociadores, saiu do encontro com os evangélicos animado, ao seu feitio. Antes, tentou elogiar os parlamentares e afirmou tratar-se de uma frente importante, numerosa no Congresso. Ao mesmo tempo, negou que as “pautas de costume” estejam na agenda do atual governo. Um argumento que agrada a esse grupo, em batalha permanente contra qualquer tipo de aborto, mesmo os previstos em lei, contrário a qualquer avanço na Lei Antidrogas, mesmo que alivie a situação do usuário, e oposto à “doutrinação nas escolas”.

“Temos preocupação com essas pautas. Não vamos renunciar a elas. Dissemos isso ao ministro. O governo diz ser contra, mas têm surgido muitas portarias da lavra do presidente e dos ministros nesse sentido”, disse o deputado Eli Borges (PL-TO), atual presidente da Frente Parlamentar Evangélica, também ligado à ala bolsonarista. Ele não vê um acordo tão cedo com o governo em torno da PEC das Igrejas.

O ministro continua otimista. “Considero que houve avanço nesse diálogo, e vamos fechar esse acordo em construção com a bancada. Fechamos um texto da isenção tributária, esclarecemos alguns pontos, e as dúvidas serão sanadas com a equipe econômica”, disse o ministro. Sobre a expectativa de votação, Padilha afirmou que cabe ao Parlamento definir a pauta de votação.

A ala bolsonarista criticou o trecho do texto que prevê ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) definir a unificação de “que tipo de bens e serviços relacionados às entidades religiosas terá direito à nova imunidade tributária”. Outro ponto de discordância é que, com a entrada em vigor da reforma tributária, as regras serão discutidas pelo Comitê Gestor do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Além disso, “um terceiro ponto a que os evangélicos se opõem é a disposição do governo em estabelecer um prazo para a concessão desse não pagamento de imposto”. “Como está, é difícil passar. É muito conselho e comitê tendo que avaliar, ser consultado”, disse Eli Borges (PL-TO).

A equipe do Ministério da Fazenda conseguiu fazer um ajuste no texto, retirando a possibilidade de que a aquisição de bens ou serviços necessários “à geração de renda” das entidades religiosas seja incluída na imunidade tributária. O termo “à geração de renda” poderia abrir brechas para que igrejas ligadas aos conglomerados comerciais também tentassem receber benefícios tributários.

“O que queremos é clareza da imunidade em todos os impostos. Tem que vir escrito, escrito com clareza na lei. Senão, o fiscal chega lá e diz que determinado serviço ou bens não estão contemplados e aplica multa. Tudo tem que ficar bem esclarecido”, disse o senador Carlos Viana (Podemos-MG).

A conquista do eleitorado evangélico é importante para Lula, neste momento em que vê sua popularidade oscilar. No entanto, o presidente tem evitado acenos mais diretos aos religiosos, que permanecem muito alinhados a Bolsonaro.

Segundo dados da pesquisa Genial/Quaest, divulgada em 6 de março, a desaprovação do governo Lula entre os evangélicos é de 62%. A aprovação do petista dentro desse grupo é de pouco mais da metade, 35%. O levantamento ouviu eleitores de 120 municípios, entre 25 e 27 de fevereiro, e a margem de erro é de quatro pontos percentuais para mais ou para menos.

A desaprovação de Lula entre os evangélicos aumentou desde outubro do ano passado, alcançando o maior patamar desde a realização da primeira pesquisa Quaest sobre o governo Lula, em fevereiro de 2023. Desde o último levantamento, divulgado em dezembro passado, a desaprovação entre os evangélicos cresceu seis pontos percentuais, passando de 56% para 62%. A aprovação caiu seis pontos percentuais, de 41% para 35%.

Em campo, há alguns ministros evangélicos que tentam ampliar o contato com membros da bancada evangélica, como Wellington Dias, do Desenvolvimento Social; Jorge Messias, da Advocacia-Geral da União; e Márcio Macêdo, da Secretaria-Geral da Presidência. Messias é, inclusive, um dos principais elos entre o governo e os evangélicos.

Os deputados Silas Câmara (Republicanos-AM), antecessor de Eli Borges no comando da bancada evangélica, e Cezinha Madureira se encontram frequentemente com o chefe da AGU e, segundo relatos, discutiram a PEC das Igrejas. De toda forma, a análise de alguns parlamentares da oposição que conversaram com a reportagem é de que Lula precisa fazer sinalizações mais diretas aos evangélicos se quiser ampliar sua popularidade nesse grupo.

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