Direita e esquerda se unem em esquema de desvios milionários na Uerj

08 julho 2023 às 16h19

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Uma série de reportagens do portal UOL revelou, a partir de agosto de 2022, um esquema de desvio milionário de dinheiro público na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). O esquema, que está sob investigação criminal, contou com a participação de candidatos de diferentes espectros políticos, tanto da direita quanto da esquerda, às vésperas da eleição.
Cabos eleitorais e aliados de políticos do Partido Liberal (PL), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Verde (PV), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) foram beneficiados.
Em 2021, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, que já ocupava o cargo, enviou um projeto de lei à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) que permite contratações temporárias em projetos de pesquisa da Uerj.
Essa medida foi tomada em decorrência do regime de recuperação fiscal do Rio de Janeiro, que impede o governador de aumentar a folha de pagamento oficial para acomodar aliados políticos na próxima eleição. O projeto de lei de Cláudio Castro foi aprovado em regime de urgência em abril de 2021.
No mês seguinte, o então reitor da Uerj, Ricardo Lodi, publicou normas que permitiriam contratações com altas sem a realização de processos seletivos públicos. Na prática, as ações de Castro e Lodi abriram caminho para a formação de centenas de pessoas por indicação política. Suas identidades e remunerações foram ocultadas em folhas de pagamento secretas.
Quanto mais próxima das eleições, mais dinheiro era direcionado para esses projetos. Os recursos provenham de secretarias do governo Castro, como Educação e Ciência e Tecnologia.
Foram de operação
Cabos eleitorais e aliados de candidatos, tanto da direita quanto da esquerda, foram contratados para projetos de pesquisa na Uerj às vésperas da eleição. Eles trabalharam em campanhas políticas, mas quem arcou com as despesas foi a própria universidade.
Houve também a prática de “rachadinha”, na qual alguns contratados pela Uerj recebiam R$ 34 mil por mês, mas ficavam com apenas R$ 2.000, repassando o restante por meio do pagamento de boletos. Houve até mesmo repasses feitos por meio de Pix. Um candidato pouco conhecido, com ligações na Uerj, desempenhou um papel fundamental nesse esquema.
O esquema na Uerj apresenta semelhanças com o existente na Fundação Ceperj, órgão responsável pela produção de estatísticas do governo do Rio de Janeiro. Em ambos os casos, houve milhares de contratações sem transparência, que visavam empregar cabos eleitorais às vésperas da eleição. As denúncias feitas pelo UOL estão sendo investigadas pelo Ministério Público nas áreas cível, criminal e eleitoral, além de pelo menos três processos em andamento no Tribunal de Contas do Estado.
Candidatos de partidos com diferentes orientações ideológicas lotaram as folhas de pagamento secretas. A Uerj pagou pelo menos R$ 2 milhões a pessoas dispensadas à cúpula do PL, o partido de Jair Bolsonaro e Cláudio Castro. A universidade contratou dezenas de aliados e até mesmo parentes do deputado federal Altineu Cortes (PL), líder do partido na Câmara, e do senador Carlos Portinho (PL), líder no Senado.
Três “parças” do senador Romário (PL) também foram contratados. O UOL identificou aliados do deputado Rodrigo Bacellar (PL), presidente da Alerj e braço direito de Castro. Entre eles, está Aislan de Souza Coelho, tesoureiro da campanha de Castro, que recebeu R$ 70 mil da Uerj. Mais de 70 cabos eleitorais de 17 candidatos do PT, PV, PCdoB, PSB e PSOL foram contratados em um projeto suspeito da Uerj.
Um projeto suspeito da Uerj contratou mais de 70 cabos eleitorais ligados a 17 candidatos do PT, PV, PCdoB, PSB e PSOL. A maioria desses cabos eleitorais esteve envolvido na campanha do ex-reitor Ricardo Lodi, que concorreu à Câmara dos Deputados pelo PT e atualmente ocupa o cargo de suplente.
A Uerj e os envolvidos
O governo de Cláudio Castro defende que a legislação em vigor já permite as contratações temporárias na Uerj e que a nova lei foi promulgada com o objetivo de trazer maior clareza, controle e segurança jurídica. Em dezembro, a Uerj suspendeu os projetos sob suspeita após a publicação das reportagens.
No entanto, a reitoria nega qualquer influência política na indicação dos contratados. Atualmente, há pelo menos quatro sindicâncias em andamento para investigar as denúncias feitas.
Em abril, uma comissão interna apresentou um relatório em que afirmava que, devido à falta de critérios de objetivos de controle do trabalho, não era possível determinar se a Uerj pagou a funcionários fantasmas. Apuração confirmada como irregularidades apontadas nas reportagens.
Ricardo Lodi, por sua vez, afirmou que não tem controle sobre a contratação de membros dos projetos da universidade, que “é feita com critérios claros e pré-estabelecidos pela instituição”. Ainda afirmou que repudia “qualquer vinculação das nomeações à atuação [dele] junto à Reitoria da Universidade ou à [sua] campanha para deputado federal”.
Romário, Altineu Cortes, Carlos Portinho e Rodrigo Bacellar refutam qualquer alegação de influência na indicação de seus aliados.