Marcelo Franco

Enio Galarça foi meu professor. Professor rígido, prometedor de voos intelectuais para quem o seguisse. Tanto incentivou que a minha turma forneceu cinco ou seis juízas (sim, mulheres) para a Justiça do Trabalho. Todas elas dizem que ele foi fundamental para que seguissem a profissão (estou escrevendo “juízas” porque você, meu irmão Fabiano Coelho, foi o único homem entre tantas mulheres).

Enfim. Enio se foi na quinta-feira, 26. Eu, péssimo aluno, mantive um ano de conflito com ele, no último dos cinco anos da graduação: eu, vice-presidente do centro acadêmico ou seu diretor, não me recordo agora, queria cair fora da faculdade com todas as minhas forças. Deus, como amei os amigos e como detestei a Vetusta naquele ano: eu queria fugir.

Agora vejam como temos percepções que se corrigem com o tempo. O horário das aulas do professor Enio era rígido, tudo era cronometrado. Certo dia, eu, olhando para a Praça Universitária, pela janela, fui por ele cobrado (os alunos da Vetusta sabem: as salas de aula ficam no segundo andar). Ele me bombardeou e perguntou: “Assis Costa, a praça está mais interessante do que a aula?” (honra minha e história antiga: sempre me chamavam pelo sobrenome). Claro que estava. Direito do Trabalho ou árvores e pássaros? E eu, brigão, respondi: “Sim, a praça está mais interessante, professor. Pergunta errada: se o senhor perguntasse se eu deveria estar prestando atenção à sua magnífica aula, a resposta seria sim; como a pergunta foi sobre a praça, o senhor sabe que ela está mais interessante”. Incrivelmente, ele aceitou a resposta e tocou a aula.

Nunca aprendi Direito do Trabalho — culpa minha e não do excepcional mestre que o professor Enio foi. Já a mulher da minha vida aprendeu esse tal de Direito do Trabalho, fez-se juíza e… e o professor Enio faz parte desse mérito, com honras. Cada juiz ou juíza que ele formou integra uma confraria. Obrigado, então, professor Enio. Hoje o senhor leva parte de um passado coletivo (tantos anos!) — mas me deixa uma parcela do meu presente.

Lamento sua morte como poucos. E, mesmo não tendo aprendido o tal, esse tal de Direito do Trabalho, eu escrevo e repito — obrigado, professor!

Marcelo Franco é promotor de justiça.