Ele explicava para o marqueteiro o que exatamente o político queria e explicava para o político o que precisamente o marqueteiro estava sugerindo

Euler de França Belém

Os obituários apresentaram o geólogo Carlos Maranhão — que morreu na quinta-feira, 27, aos 76 anos — como “marqueteiro”. De alguma maneira, não erraram. Entre os séculos 20 e 21, o geólogo decidiu desbravar as terras do marketing político-eleitoral.

Mas Carlos Maranhão não era “apenas” marqueteiro. Era, na verdade, um político (e um cientista político) notável — desses que, mesmo não disputando eleição, sabem tudo de política e que contribuem muito com os gestores, ao orientá-los tanto no sentido de observar a opinião pública quanto a respeito da boa governança.

Homem inteligente e culto, Carlos Maranhão era, acima de tudo, um estrategista. Nas campanhas, quando o calor do conflito às vezes impede os políticos de terem uma percepção clara do processo, ele examinava as pesquisas qualitativas e quantitativas cuidadosamente — em busca de alguma luz que pudesse diferenciar a conduta de seu candidato. Diferenciar muito mais no sentido de torná-lo conectado com o pensamento médio da sociedade, mas acrescentando avanços.

Além de ser atento aos dados das pesquisas, Carlos Maranhão tinha o hábito de ouvir pessoas comuns se posicionando a respeito dos fatos e dos políticos. Apreciava verificar, pessoalmente, se o que estava ouvindo “batia” com o levantamento das pesquisas. De suas conversas — o presidente Joe Biden tinha o hábito de ligar para a casa de pessoas comuns para ouvi-las, sempre com interesse genuíno —, sempre levava algumas ideias novas para a campanha.

Carlos Maranhão: craque do marketing político
Carlos Maranhão, um estadista do marketing político | Foto: Jornal Opção

Nas campanhas políticas, notadamente nas do tucano Marconi Perillo, Carlos Maranhão fazia a ponte entre o marqueteiro e o candidato. Porque entendia à perfeição o discurso do marketing — que não é mera “ciência” da manipulação da opinião pública — e o discurso dos políticos. Ele explicava para o marqueteiro o que exatamente o político queria e explicava para o político o que precisamente o marqueteiro estava sugerindo.

Durante anos, Carlos Maranhão foi uma fonte qualificada para nós, do Jornal Opção — era o jornal para o qual gostava de dar entrevistas (e deu várias, sempre inteligentes). Era uma fonte segura e precisa. Às vezes, dava a informação e, se inquirido, apresentava sua interpretação. Nunca era excessivo. Pelo contrário, era cuidadoso na exposição de suas ideias e das ideias alheias.

Em 2018, numa conversa com um editor do Jornal Opção, no shopping Buena Vista, Carlos Maranhão disse, com todas as letras, mas em “off”, que percebia, tanto pelas pesquisas quanto pelas conversas com as pessoas, que havia um esgarçamento da popularidade dos políticos do PSDB, notadamente da cúpula.

Durante a conversa, o editor e Carlos Maranhão falaram sobre o ensaio “Por que os estadistas não ouvem” (parte do livro “A Prática da História”), da historiadora americana Barbara W. Tuchman. O formulador político apreciou sobretudo o trecho “a incapacidade de levar em conta a natureza da outra parte tem, com frequência, resultados desastrosos. (…) Esse desejo de não ouvir as verdades infelizes — ‘não me confunda com fatos’ — é apenas humano e muito comum entre os chefes de Estado”.

Carlos Maranhão sabia que o desastre eleitoral do PSDB em Goiás era iminente. Não apenas devido ao desgaste de um grupo que estava no poder havia 20 anos — só Marconi Perillo foi eleito para 16 anos de mandato. O que ele sabia, mas muito não queriam aceitar, é que, mesmo quando se faz um governo que tem relativa aprovação, se tem, depois de muito tempo no poder, desgaste. Os eleitores, num movimento aparentemente inconsciente, parecem pensar: é hora da mudança. “Já deu”, como dizem.

Há quem pense que a debacle do PSDB poderia ter sido contida. Talvez não pudesse. O hoje governador Ronaldo Caiado era visto como a renovação, como o símbolo para retirar Marconi Perillo do poder. Assim como Marconi Perillo havia sido o símbolo para a retirada de Iris Rezende do poder em 1998 — há 23 anos.

Carlos Maranhão, um realista dotado de uma inteligência fina, sabia que havia uma desconexão entre a sociedade e o tucanato. Mas os poderosos, a partir de um determinado momento, como sugere Barbara Tuchman, não querem mais ouvir a voz da razão, exceto a voz dos que adulam. Voz que é revestida de emoção e, por vezes, de interesses.

Verdadeiro “criador de políticos”, responsável direto por várias vitórias do tucanato, Carlos Maranhão não integrava a turma dos aduladores. Por isso, nem sempre era ouvido. O geólogo permaneceu íntegro e leal aos amigos. Talvez seja possível defini-lo, sem exagero, de estadista do marketing político.

A política perde, portanto, não apenas um marqueteiro, e sim, sobretudo, um formulador de ideias e projetos, um criador de políticos e um adepto da boa governança.

Carlos Maranhão morreu em decorrência de problemas cardíacos — ele que tinha um coração imenso, generoso e valente.