Qual político que, dentro de um sistema de sufrágio universal, deixaria de assinar um documento que pede por eleições livres? Afinal, votar e ser votado é a essência da democracia.

Por isso, soa estranho que tanto homens públicos como entidades da sociedade civil tenham se recusado – muitos até com orgulho – de não ter assinado o documento que reviveu a “Carta aos Brasileiros” lida pelo professor Goffredo Telles Júnior na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em 1977.

O documento enfrentava a ditadura militar pedindo democracia, eleições diretas para presidente e uma nova Constituição por meio de assembleia nacional constituinte. Tudo isso só viria a ser concretizado mais de uma década depois, mas nasceu com aquela iniciativa – daí a importância de recordar sua história.

A idealização de uma carta “parente” daquela de 45 anos atrás tem contexto: ora, Jair Bolsonaro foi eleito democraticamente para presidente em 2018, assim como foi desde que virou capitão da reserva e iniciou sua trajetória política, eleito vereador do Rio em 1988. Em tempo: ele nunca perdeu uma eleição. Mas, como presidente, vem atacando tanto as urnas como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Qual sua base para questionar as urnas eletrônicas? Zero. Qual prova de fraude apresentou? Nenhuma.

Bolsonaro viu a nova “Carta” pela democracia como algo elaborado para atingi-lo, enquanto, na verdade, ela foi redigida como instrumento de defesa – do estado democrático de direito. Na quinta-feira, 11, quando foi lida no mesmo local que a de Goffredo – o Largo de São Francisco, na USP –, não representava nenhum partido nem ideologia. Alcançava, naquele dia, 1 milhão de CPFs que resolveram subscrevê-la.

Os aliados de Bolsonaro – sejam políticos, pessoas físicas e entidades da sociedade civil – erram ao não assiná-la. Bolsonaristas não se tornam “comunistas” por defender o sistema eleitoral. Pelo contrário, se tornam mais distantes do comunismo, um sistema político adepto do partido único.

Assinando-a, também não deixariam de ser apoiadores do presidente: pelo contrário, dariam a ele a deixa para buscar um rumo mais democrático, o que, talvez, até o ajudasse na campanha que começa, com a parcela indecisa.

Mais do que qualquer questiúncula eleitoral, porém, é preciso entender que todas as carta pela democracia, sejam quantas forem, devem ser assinadas por pessoas e entidades democratas.