Ray Cunha

Será instalada nesta semana na Câmara comissão especial destinada a debater o Projeto de Lei 5.692, do deputado fluminense Sérgio Zveiter (PSD), que “dispõe sobre o monopólio da União na exploração das riquezas da Amazônia, com a criação do Conselho Nacional de Política da Amazônia e da Agência Nacional de Exploração dos Recursos Naturais da Amazônia, garantindo a proteção ao meio ambiente e a soberania nacional”. O PL transforma a Hileia numa espécie de território federal, legalizando a colônia que a região já é de fato, por meio de mais uma estatal paquidérmica, e sediada em Brasília, como é o caso das Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte), que é do Norte, mas é sediada em Brasília.

Desde sempre, os governos que se revezam na capital da República governam de costas para o Trópico Úmido. Sintetizando isso, observe-se que grandes projetos são instalados na Amazônia, e não para a Amazônia. Veja-se, para resumir, a produção de energia hidrelétrica e a extração de minerais. Também o discurso sobre desenvolvimento sustentável da Hileia é distorcido. Sustentável para quem? Para índios, ribeirinhos, quilombolas, moradores da periferia das cidades amazônicas?

O que parece acontecer é que para Brasília o importante são as hidrelétricas, os minérios, a madeira, como se a Amazônia fosse inesgotável. E por conta dessa falta de visão é que provavelmente as máfias se espojam numa bacanal sem fim, escravizando caboclos, geralmente analfabetos e sem sequer certidão de nascimento, traficando animais e mulheres, e movimentando o inominável mercado de crianças escravas sexuais.

Estamos no limiar da terceira revolução. A primeira foi a industrial, no século 19; a segunda, tecnológica, deu-se no fim do século 20; a terceira será a da sustentabilidade, num planeta que marcha para o esgotamento, e o Brasil, continente tropical, é a nação certa para isso, especialmente se cuidar do seu maior patrimônio, a Amazônia, subcontinente equatorial que vem sendo pilhado desde o século 16, agora por Brasília.

A Amazônia só será desenvolvida sustentavelmente com políticas de estado, no longo prazo, e nunca descontinuadas, como a Zona Franca de Manaus e o Linhão de Tucuruí, por exemplo, além de projetos menores, mas importantes, como a ampliação do Porto de Santana, no Amapá, e a construção da Hidrovia do Marajó, no Pará.

Na Amazônia, a terceira revolução traz no seu bojo dois fatores básicos: desmatamento zero e conservação da maior bacia hidrográfica do planeta, que contém 20% da água doce de superfície da Terra. Belém e Manaus, as maiores cidades da Hileia, equiparadas, sobretudo, no inchaço das suas favelas, já estão com seus subsolos comprometidos, poluídos. Enquanto Belém empesta com esgoto o rio Guamá, Manaus vai transformando a desembocadura do colosso que é o rio Negro em esgoto.

Estrategistas brasileiros já traçaram o perfil de um remoto ataque bélico dos Estados Unidos ao Brasil. Apenas um porta-aviões da frota americana do Atlântico Sul bombardearia as usinas hidrelétricas e o parque industrial de São Paulo, além das principais instalações militares brasileiras, concentradas no Sudeste e no Sul. Isso, claro, se em troca de um naco da Amazônia, China ou Rússia não peitassem os americanos, que contam com a mais respeitável máquina militar do mundo, o que não quer dizer que chineses e russos não tenham capacidade de acabar também com a civilização na face da Terra.

Contudo, a Amazônia seria para os americanos como mil Vietnã. A maior parte da selva amazônica é virgem e tão exuberante que sobreviveria e logo se recuperaria até a um ataque nuclear, quanto mais de napalm. Porém, para tomar posse de um país é preciso pôr os pés nele. O Brasil tem o maior exército de índios do planeta, aquartelado, é claro, na Amazônia, e o coração das trevas, a selva profunda, é tão inóspita que os americanos, sem um pingo de melanina, seriam devorados por pium e carapanã. As baixas seriam grandes demais.

Assim, o projeto de lei de Sérgio Zveiter mostrará na Câmara, no infindável caminho que percorrerá, se percorrer, que a Amazônia só será brasileira se for devidamente ocupada e desenvolvida, por projetos que não sejam apenas para usurpar, mas que sirvam também para os amazônidas.

Ray Cunha é jornalista e escritor.