Por Edgar Welzel

[caption id="attachment_96390" align="aligncenter" width="620"] Jean-Claude Junker e Theresa May: o jantar deles era para ser harmônico, mas terminou em desastre[/caption]
Desde o Brexit em junho de 2016, vários acontecimentos de ampla repercussão agitaram o Continente. Os alicerces da União sofreram fissuras mas a Casa Europeia em seu todo não se encontra na iminência de desmoronar, o que alguns adversários do projeto europeu gostariam que se concretizasse. A União Europeia, contrariamente aos críticos da estagnação, encontra-se em movimento.
Na área econômica o corrente ano começou com dados alentadores em seguimento aos índices registrados no decorrer do segundo semestre de 2016. A única excessão é a Grécia, que luta com nova recessão de momento mais uma vez em debate nos círculos financeiros europeus.
O crescimento econômico da Eurozona no primeiro trimestre de 2017 foi duas vezes mais do que a da maior economia mundial, a dos EUA. Segundo estatísticas da Eurostat, a Eurozona registrou um crescimento do PIB de 0,5% de janeiro a março em relação ao trimestre anterior. Neste mesmo período o PIB dos EUA cresceu apenas 0,2%. Entre os quatro maiores países da Eurozona a Espanha com 0,8% registrou o melhor crescimento, seguido da Alemanha com 0,6%, da França com 0,3% e da Itália com 0,2%. A Finlândia, que não faz parte da Eurozona, registrou um acréscimo de 1,6%. A nível europeu a Comissão Europeia calcula com um crescimento de 1,7% para o ano em andamento.
O Brexit segue sendo tema crucial. No Reino Unido haverá eleições antecipadas para o Parlamento Britânico em 8 de junho próximo. Theresa May, primeira-ministra da Grã-Bretanha, que durante a campanha para o Brexit se posionara decididamente contra a medida, surpreendeu ao apresentar o programa para seu novo governo ao deixar claro que agora exige um Brexit radical, com todas as consequências. Não são conhecidas as razões que levaram Theresa May a mudar de ideia.
As gestões oficiais entre Londres e Bruxelas sobre os detalhes da separação nem sequer tiveram início e o assunto já causa irritações. As negociações oficiais deverão começar logo após as eleições, na segunda quinzena de junho, e deverão se prolongar até fins de 2019. O processso de separação exigirá extraordinário esforço, substância e muito dinheiro. Sobre o último item já existem veementes conflitos: a Grã-Bretanha tenciona bloquear o atual orçamento da União Europeia (medida à qual tem direito) o que indica desentendimentos programados.
Um jantar particular de Jean-Claude Junker, presidente da Comissão Europeia, com Theresa May em princípios de maio em Londres, inicialmente declarado agradável e harmônico por ambas as partes, na verdade nada teve de harmonia conforme indiscrições tornadas públicas, em doses homeopáticas, nos dias subsequentes. Farpas mordazes recíprocas azucrinaram o diálogo de um lado a outro da mesa e o jantar terminou em desastre.
Junker, irritado com as indiscrições vazadas de seu próprio círculo, num momento de descuido, contribuiu para acirrar os ânimos. Referindo-se a Theresa May, ele foi taxtivo ao dizer ante câmeras: “Ela vive em outra galáxia”. No mesmo dia Theresa May retruca: “Durante a campanha eleitoral do ano passado fui criticada por alguns adversários políticos de ser uma mulher bastante complicada. O próximo que irá sentir isto será Jean-Claude Junker em Bruxelas”.
Alfinetadas como esta e outras mais demonstram o estado de espírito e de tensão reinante entre Bruxelas e a 10 Downing Street. O polonês Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, conclamou ambas as partes a baixar o tom de voz no que diz respeito ao Brexit. “As gestões já são suficientemente complicadas”, disse Tusk. “Se já começamos a brigar antes de termos iniciado, as gestões tornar-se-ão impossíveis”.
Boris Johnson, hoje ministro das Relações Exteriores da Grã-Bretanha, o mais intransigente populista a favor do Brexit, acirrou as discussões com um comentário mordaz: “Bruxelas poderia ser forçada a assumir os custos do Brexit”, disse Johnson, sábado 20 de maio passado, em entrevista ao jornal “Daily Telegraph”.
O comentário de Johnson foi causado por um artigo do “Financial Times” segundo o qual a União Europeia poderia emitir uma fatura de 100 bilhões de euros para o Brexit da Grã-Bretanha. O artigo causou nervosismo em círculos londrinos. “Bruxelas quer sugar o sangue de meu país”, arrematou Johnson. Fato é que o valor de 100 bilhões de euros nunca foi mencionado por nenhum dos líderes políticos em Bruxelas.
Enquanto isso os 27 países restantes da UE outorgaram mandato a Michel Barnier, experiente e habilidoso político francês, para dirigir as gestões junto ao governo britânico. Barnier foi ministro das relações exteriores da França em 2004-2005 e comissário de Mercado Interno Europeu de 2010 a 2014, durante o segundo período de José Manuel Barroso quando presidente da Comissão Europeia. “Estamos prontos e bem preparados” disse Barnier, e adiantou que até fins do corrente ano pretende apresentar a conta ao governo da Grã-Bretanha sobre a importância que esta deverá restituir a Bruxelas por seus 40 anos de filiação à UE. Um tema extremamente nevrálgico para os britânicos.
O mandato para as negociações do Brexit prevê duas fases segundo as quais inicialmente deverão ser esclarecidas questões fundamentais para a UE como a garantia de permanência e de trabalho para 3,2 milhões de cidadãos da UE de momento com residência e trabalho na Grã-Bretanha e 1,2 milhão de cidadãos britânicos em países da UE e as exigências financeiras de Bruxelas. Esclarecidos estes detalhes a UE estaria disposta a negociar o futuro relacionamento e um possível tratado de comércio com a Grã-Bretanha. Uma questão de suma importância é a situação da Irlanda do Norte, que faz parte do Reino Unido e ao mesmo tempo é membro da UE. Bruxelas quer evitar a volta dos conflitos na Irlanda do Norte.
O Acordo de Lisboa, documento oficial que regula a convivência entre os Estados membros da União Europeia, em vigor desde 1º de dezembro de 2009, prevê regras para a filiação de novos membros à União Europeia, mas não contém nenhum item ou parágrafo que regula a decisão de um país que queira desligar-se, como ocorre agora com a Grã-Bretanha. Eis porque as gestões com a Grã-Bretanha são terreno novo de extrema complexidade para o qual não existem leis, regras, acordos, diretrizes ou coisa que valha.
Só o bom senso poderá superar as inúmeras dificuldades deste emaranhado. O bom senso é, de momento, o que menos parece existir. A Escócia e a Irlanda do Norte, que foram contra o Brexit e querem permanecer na União Europeia, poderão pôr em jogo a união do Reino Unido. O nervosismo na Grã-Bretanha aumenta. Os súditos de Sua Majestade preocupam-se com o um futuro incerto. William Shakespeare, há 400 anos, já sabia disso. Em “Hamlet”, Ato 4, Cena 5, o grande dramaturgo já vaticinava: „We know what we are, but not what we may be“! (Sabemos o que somos, mas não sabemos o que eventualmente seremos!

Os detalhes narrados a seguir não são ficção, são reais. É a história de um jovem que na onda de refugiados veio à Europa, com falsas aparências, e tornou-se assassino.
É uma história que bem poderá estar em lugar de outras tantas com protagonistas semelhantes que, camuflados, vieram à Europa sob o manto de refugiados debaixo do qual escondem outras, suas verdadeiras, intenções. O atentado terrorista no mercado natalino de Berlim, em 19 de dezembro passado, revela entre outros detalhes, como o Estado, no cumprimento de suas leis, tropeça em suas próprias leis.
Atentados terrorista são hediondos e têm detalhes em comum: são súbitos, inesperados e seus autores desconhecidos. O de Berlim foge desta regra. O autor era conhecidíssimo das autoridades da Itália e da Alemanha que dispunham de volumoso dossiê com provas cabais que teriam permitido medidas legais para evitar aquela desvairada ação.
Além disso o Serviço Secreto do Marroco e dos Estados Unidos, a Central Intelligence Agency (CIA) tinham o autor do atentado de Berlim em seu foco de observação e cuidaram de informar seus congêneres na Itália e Alemanha, alertando sobre sua periculosidade. Este vazamento, não confirmado pelos órgãos responsáveis da Alemanha, está sendo, por isso, interpretado como verdadeiro.
Seu nome: Anis Amri, natural da Tunísia, nascido numa aldeia, cerca de 80 km da capital Túnis, filho mais novo de uma família de três filhos. No seio familiar Anis falou de seus planos de ir à Europa para estudar. Passadas algumas semanas Anis desaparece, silenciosamente, sem deixar informações nem à família, nem aos amigos.
Em princípios de 2011 Anis é resgatado, junto com dezenas de outros náufragos, pela vigilância costeira italiana de um barco procedente da Tunísia que naufragara nas proximidades da Ilha de Lampedusa. Ao ser internado num alojamento de refugiados em Lampedusa, Anis declarou não possuir documentos, ser menor de idade e de nacionalidade marroquina.
Segundo as formalidades da UE um refugiado, sem identificação, não pode ser repatriado a seu país de origem nem a um terceiro. Autoridades italianas solicitaram emissão de papéis junto aos órgãos de segurança em Túnis mas estes nem sequer reagem. Ao mesmo tempo o governo do Marroco informa que Anis Amri não é cidadão marroquino.
Em consequência Anis teve que permanecer no alojamento em Lampedusa (por conta do governo italiano) onde teve problemas de relacionamento com outros alojados. Segundo depoimentos de outros internos, Anis era temido por acharem-no perigoso. De fato Anis agredira várias pessoas, inclusive membros da própria instituição, e ateou fogo no alojamento, o que causou substanciais danos materiais. Nessa altura, Anis declarou ser cidadão egípcio. Autoridades do Cairo, no entanto, informaram não existir cidadão egípcio com o nome de Anis Amri.
Pelo incêndio Anis foi processado e condenado a quatro anos de prisão. Encarcerado no sul da Itália Anis não mudou de comportamento. Em consequência, após dois anos de prisão, foi removido para um presídio em Palermo, na Sicília, onde repetidas vezes ameaçou degolar um carcereiro tão logo estivesse em liberdade.
Cumpriu aí seus quatro anos de detenção e as autoridades italianas, apesar de ainda não terem recebido documentos da Tunísia, tiveram que soltá-lo e o fizeram sob a condição: “Você, sem documentos, não pode permanecer na Itália; siga para qualquer país, mas não permaneça na Itália”. Anis Amri seguiu ao norte e foi parar na Alemanha, no estado da Renânia do Norte-Vestfália (RNV) onde requereu asilo, com nome e cidadania correta, Anis Amri, tunisiano. Mais uma vez declarou não possuir documentos; o requerimento foi indeferido mas as autoridades da RNV solicitaram documentos e informações junto às autoridades em Túnis que, mais uma vez, silenciaram.
Anis foi alojado num abrigo de refugiados, com pensão alimentícia, roupas, artigos de higiene e uma mesada no valor de 340 euros por conta do estado da RNV, ou seja, por conta do contribuinte. Ignorando os regulamentos Anis saía em viagem pelo país. Nessas andanças Anis Amri deve ter descoberto brechas no sistema imigratório da Alemanha. Pediu asilo em vários outros Estados, sempre com nomes diferentes, ao todo 14. Todos os pedidos foram deferidos por falta de documentos.
Segundo Heiko Maas, ministro da Justiça da Alemanha, oito promotorias públicas de vários Estados da federação alemã tinham iniciado processos de investigação contra Anis que, nesta altura, era visto como islamista perigoso com longa lista de acusações. A maioria das investigações acabou sendo arquivada por falta de “elementos mais concretos”.
Anis Amri passou a ser monitorado por por várias instâncias do serviço secreto da Alemanha. O monitoramento durou seis meses quando foi dada ordem de cancelá-la. Estranho é que Anis, durante este período de observação, sempre conseguia “desaparecer do radar” dos vigiadores. Certa vez foi controlado em Berlim. Não chamou atenção.
Em julho passado Anis Amri foi preso em Ravensburg, no sul da Alemanha, com a finalidade de deportá-lo. Como não tinha documentos, foi posto em custódia. Era sexta-feira e, na Alemanha, a custódia é de 48 horas. Segunda-feira, por ordens de um juíz local, Anis foi posto em liberdade.
Em 19 de dezembro o dono de uma empresa de transportes em Stetin, no norte da Polônia, procura entrar em contato com um de seus motoristas, Lukasz Urban, que naquele dia trasportava uma carga da Itália para Berlim. O último contato fora por volta do meio-dia quando Lukasz Urban dissera a seu chefe que chegaria a Berlim bem antes da hora prevista. Pelas 16 horas o dono da empresa tentou novo contato. Lukasz Urban, motorista confiável, não atendeu, detalhe que o empresário estranhou.
A perícia técnica, baseado nos dados do GPS do caminhão, posteriormente constatou que Lukasz realmente chegara bem antes da hora. Supõe-se que, como não estava sob pressão de tempo, parara num ponto que conhecia e onde sabia poder comer um sanduíche para, em seguida, liberar a carga no ponto de destino. Foi aí que entra em cena o tunisiano. Não se sabe como, mas certo é que Anis Amri sequestrou o caminhão e o condutor Lukasz Urban.
No início da noite Anis Amri arremete o caminhão no mercado natalino de Berlim onde, na hora, havia grande aglomeração de visitantes. O tresloucado gesto custou a vida de 12 pessoas e feriu outras 50. Anis Amri, no alvoroço, desaparece por entre a multidão.
Lukasz Urban, o motorista polonês, foi encontrado morto na cabine do caminhão. Um tiro na cabeça e diversas facadas tiraram-lhe a vida. Na Polônia deixou mulher e um filho de 17 anos. Um documento com o nome de Anis Amri também foi encontrado na cabina. Nos quatro dias seguintes autoridades de segurança europeias procuram Anis Amri pelo Continente todo.
Sexta-feira, 23 de dezembro, às 3 horas da madrugada, uma viatura com dois policiais em ronda passa na praça defronte a estação de trem de Sesto San Giovanni, um subúrbio ao norte de Milão. Ao verem um homem, parado àquelas horas da madrugada, resolvem abordá-lo, um trabalho de rotina. Ao pedir seus papéis de identidade, o homem vasculha em sua mochila. Em vez de apresentar documentos saca uma arma e, sem pestanejar, alveja um dos policiais aos brados de “Allahu Akbar”, Alá é grande. O segundo policial, um jovem que apenas há nove meses iniciara seu trabalho e ainda se encontrava na fase de treinamento, reage rápido. Com dois tiros matou o atacante. O policial ferido foi operado e está fora de perigo.
Já às 10h45, em Roma, Marco Minniti, ministro do Interior da Itália, declara à imprensa o que a análise das impressões digitais e a medição biométrica do rosto do cidadão revelaram: “O homem morto em Sesto San Giovanni é o tunisiano Anis Amri. Não existe a mínima dúvida no que diz respeito a sua identidade. O morto não portava documentos; na carteira tinha 1.400 euros”.
Dias depois a perícia técnica da Itália e da Alemanha confirmam que a arma usada por Anis em Sesto San Giovanni foi a mesma usada para matar o motorista Lukasz Urban, uma pistola Beretta, calibre 22.
Na mochila de Anis foram encontrados, além disso, vários bilhetes de passagens graças aos quais as autoridades conseguiram reconstituir o roteiro de suas andanças pela Europa, após o atentado e seu desaparecimento em Berlim. Os detalhes são alarmantes e dão margem a intrigantes perguntas às autoridades.
De Berlim Anis Amri deslocou-se para Nimwegen e Amsterdã na Holanda. De Amsterdã seguiu para Bruxelas, na Bélgica. De Bruxelas seguiu para Lyon e Chambery, na França, onde tomou um trem via Turim para chegar a Sesto San Giovanni em Milão. Foi flagrado por câmeras em várias estações.
É alarmente o fato que um indivíduo tido como perigoso viaja pela metade da Europa, sem que alguém o controlasse; compra várias passagens sem ter documentos, percorre a metade da França, um país que, desde o atentado ao Charlie Hebdo, encontra-se em estado de sítio! Por acaso Anis Amri foi tópico de discussão em seis reuniões da alta esfera das autoridades antiterroristas da Alemanha sempre com a mesma conclusão: “Não dispomos de argumentos suficientes para prendê-lo”.
O atentado de Berlim põem as autoridades numa situação melindrosa. No Parlamento discute-se sobre uma comissão de inquérito. Responsáveis pelos serviços secretos não falam e, quando falam, não dizem nada. Faz parte do ofício. Falhas? Negligência por parte das autoridades? Eis um livro com muitas páginas brancas que precisam ser preenchidas. Fato é que houve falhas! Mas quem falhou quando, onde e por quê? E quantos Anis Amri andam por aí?
Enquanto isso a mãe do terrorista Anis Amri, cuja biografia aqui dada é comprimida, em depoimento à TV, em dilacerantes lamentos sobre a morte do filho disse: “Era um bom menino. Nunca fez mal a ninguém. Radicalizou-se na Europa”! l

[caption id="attachment_85920" align="alignright" width="620"] Terror de hoje não será de curta duração. O mundo ocidental terá que se confrontar com este câncer por muito tempo[/caption]
O termo terror (do latim terrore) surgiu durante a Revolução Francesa, entre a queda dos Girondinos (31 de maio de 1793) e a de Robespierre (27 de setembro de 1794). Milhares de pessoas morreram, arbitrariamente, durante aquele período de 14 meses através da guilhotina. Em determinados dias, o número de guilhotinados ultrapassava a casa dos cem. Ao todo, foram decapitadas mais de um milhão de pessoas. O terror vinha de cima, o que originou a expressão Regime de Terror.
O Estado, como instituição política, servia-se do terror para alcançar seus objetivos políticos. Maximilien de Robespierre, Louis-Antoine de Saint-Just e Joseph Fouché são os homens mais conhecidos que defendiam o regime de terror da época. Seus nomes bem poderiam constar como os primeiros representantes do terror da Idade Moderna. Seguiu-se o período de Napoleão Bonaparte, não menos imbuído de terror, cujas tropas conturbaram a Europa, inclusive o Egito.
Durante a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) o terror era instrumento usual praticado entre ambas as partes: de cima e de baixo. O mesmo sucedeu-se na Guerra Civil Espanhola (1936-1939) na qual os falangistas que, em terminologia atual, nada mais eram do que terroristas treinados para combater o inimigo em emboscadas, explosão de cruzamentos estratégicos em estradas, vias férreas ou de pontes para dificultar o deslocamento do inimigo. Ernest Hemingway, em sua obra “Por Quem os Sinos Dobram”, descreveu os atos de terror praticados naquela guerra civil.
Mais ou menos na mesma época, os “partigiani” na Itália iniciam suas atividades “de baixo” contra o terror fascista de Mussolini; com o mesmo espírito combativo, os “partisanes” ou “partisãos” dos Bálcãs, entre os quais encontrava-se o próprio Josef Broz Tito, agiam nos subterrâneos contra o terror de cima. Tito tinha passado por uma escola de espionagem do Império Áustro-Húngaro antes da 1ª Guerra Mundial e tornara-se o homem forte da ex-Iugoslávia após a 2ª Guerra Mundial. Colega de classe de Tito na escola de espionagem foi Adolf Hitler que, posteriormente, instituiu um dos regimes de terror mais hediondos da História.
Joseph Stálin e seus sucessores lideraram o regime de terror da União Soviética que incluía todos os países comunistas do leste Europeu. Acrescente-se ainda Mao Tsé-Tung da China, Ho Chi Minh da República Democrática do Vietnam e Pol Pot do Camboja. Em termos de atrocidades, onde o terror vinha de cima, encontram-se todos em mesmo pé de igualdade.
Na Europa, os últimos representantes desta espécie foram António de Oliveira Salazar, de Portugal, que morreu em 1970; Francisco Franco, da Espanha, em 1975, e Nicolae Ceausescu, da Romênia, executado em 1989. Os líderes políticos da República Democrática da Alemanha, a Alemanha comunista, que sucumbiu com a queda do Muro de Berlim, também são representativos de um regime de terror.
Fidel Castro, um parente político dos demais citados, morreu há pouco. Entre os vivos encontram-se dois políticos exóticos de idêntica periculosidade: o caricato Kim Jong-un, líder máximo da Coreia do Norte, e Rodrigo Duterte, atual presidente das Filipinas. O último tem demonstrado ser um presidente excêntrico, fascínora psiquicamente desiquilibrado, que se gaba de ter matado pessoalmente dezenas de drogados ao fazer ronda em sua moto, enquanto chefe de polícia de Manila.
A Europa mudou em 1968 com a revolta estudantil, quando a juventude saiu às ruas portando cartazes com Che Guevara, Ho Chi Minh e Mao Tsé-Tung. Foi difícil entender as razões pelas quais a juventude estudantil de então idolatrava líderes que foram, reconhecidamente, os maiores carrascos do século 20. Na Alemanha, surgiu o grupo terrorista Baader-Meinhof, responsável por vários atentados mortais conta altos representantes da política, da indústria e da rede bancária.
Na França, esses acontecimentos quase derrubaram o general Charles de Gaulle, na época, presidente do país. As arruaças em Paris só terminaram quando de Gaulle, num pronunciamento enfático na televisão, advertiu: “Demonstração sim; anarquia não”. A turba entendeu. As arruaças silenciaram, mas alguns arruaceiros daquela época fazem parte da política europeia até hoje.
A Europa mudou em 1968, mas o mundo mudou a partir do 11 de setembro de 2001, o dia que entrou na história com a designação 9/11, “Nine Eleven” , o dia no qual o “terror de baixo” transformou em cinzas as torres gêmeas do World Trade Center em Nova Yorque, símbolo do capitalismo ocidental, odiado por uma parcela do mundo islâmico, na época, representada por Osama bin Laden.
George W. Bush, então presidente dos Estados Unidos, declarou guerra contra o radicalismo islâmico e invadiu arbitrariamente o Iraque, o que terminou com mais um fracasso bélico dos Estados Unidos depois da Guerra do Vietnam (1955-1975) e a Guerra do Afeganistão, que perdura até hoje.
A invasão do Iraque contribuiu para acirrar o já existente profundo ódio de certos grupos islâmicos contra o ocidente. Nasceu daí o Estado Islâmico, que nem Estado é, mas que, com seu regime de terror baseado numa interpretação fanática e duvidosa do Alcorão, ameaça não só a Europa, mas o mundo ocidental em seu todo.
A onda migratória, resultado da total destabilização do Oriente Próximo e a desesperançosa situação de vida de grandes regiões da África, serve aos islamistas radicais como argumento para aniquilar o mundo ocidental que veem como decadente.
A selvageria, o canibalismo e o barbarismo fazem parte da teoria evolucionista de certos grupos em diversas sociedades humanas. Tudo isto pertence ao passado. Mas o islamismo radical, representado pelo Estado Islâmico (EI) e demais grupos e grupelhos idênticos que veem a sua religião como a única verdadeira, demonstra, com seus ataques terroristas no mundo ocidental, querer voltar àquele passado. As imagens transmitidas pelo EI são altamente selvagens e barbarescas.
Muitos atos terroristas de fundo islâmico têm ocorrido depois do 9/11. A lista é longa e os fatos são conhecidos. No entanto, os acontecimentos na passagem do ano em Berlim, em Istambul, na Síria, no Iraque, no Iémen e demais lugares são prova de incidência crescente. Está em mira o mundo ocidental em seu todo e nenhum país sozinho está em condições de garantir sua segurança. O problema é global e, consequentemente, o terrorismo não tem fronteiras e só pode ser combatido no conjunto da comunidade das nações.
Por mais que os serviços secretos do mundo ocidental se esforcem, não há e nunca poderá haver segurança total como demonstra o atentado no mercado natalino em Berlim, na véspera do Natal. A ocorrência foi de tal tragicidade e complexidade que merece comentário à parte. Voltaremos ao assunto.
Afinal, o que é que estamos presenciando? Encontramo-nos numa guerra geoestratégica ou num confronto religioso? Eis a questão que preocupa uma legião de políticos, estudiosos e estrategistas. Os serviços secretos mostram-se nervosos. Apesar dos vultosos investimentos em infraestrutura, pessoal, equipamento técnico e eletrônico, os especialistas confrontam-se com um problema de difícil controle e duvidosa solução.
Segundo dados da Enciclopédia Britânica, a população mundial em 2010 era de 7 bilhões de habitantes, entre os quais 2,4 bilhões de cristãos (31,5%) e 1,7 bilhões de muçulmanos (23,2%). Um estudo minucioso realizado na Áustria em 2015 estima que, até o ano de 2050, a população mundial será de 9 bilhões de habitantes. A participação cristã permanecerá inalterada com 31,5% ao passo que a população islâmica crescerá a 29,7%, o que em números representa um aumento de 2,2 bilhões de muçulmanos. Isto significa que em 2050 o Islã, provavelmente, superará em números a comunidade cristã.
Em 1993, Samuel P. Huntington, cientista político americano, publicou um artigo na revista Foreign Affairs no qual defendera a hipótese de que “a fonte fundamental de conflitos neste mundo novo não será principalmente ideológica ou econômica. As grandes divisões entre a humanidade e a fonte dominante de conflitos será cultural. Os Estados-nações continuarão a ser os atores mais poderosos no cenário mundial, mas os principais conflitos da política global ocorrerão entre países e grupos de diferentes civilizações. O choque de civilizações dominará a política global”.
O artigo foi criticado em quase todo o mundo ocidental, razão pela qual Huntington resolveu aprofundar a ideia o que deu origem a sua obra “The Clash of Civilization” (Simon & Schuster, New York 1996). O livro também causou polêmica. Mesmo assim a obra foi traduzida, em poucos anos, em dezenas de línguas. No Brasil, saiu com o título “O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial” (Editora Objetiva, 1997).
Ao reler o livro, 21 anos depois do lançamento, pode-se constatar que a hipótese de Huntington deixou de ser hipótese. O terrorismo que presenciamos transforma a hipótese do autor em dura realidade.
O terror da Revolução Francesa foi de curta duração e teve outras causas do que o terror de nossos dias. O mundo ocidental de hoje continua a usufruir os resultados do lema daquela revolução, uma condensação das ideias iluministas, “Liberté, Egalité, Fraternité”. Em outras palavras, a nossa liberdade é fruto da Revolução Francesa. É bom lembrar-se disso, o que não significa tolerar o terror daquela época.
O terror de hoje não será de curta duração. O mundo ocidental terá que confrontar-se com este câncer religioso com muitas metástases malignas, por décadas vindouras do século XXI. O terror de hoje não nos deixará nenhum lema que servirá de diretriz para as sociedades do futuro. O grito de guerra do Estado Islâmico, “Alá é grande”, aliado a seus métodos selvagens que pertencem ao baú da História, definitivamente não pode ser tolerado no mundo ocidental. l
Decisão do Reino Unido em separar-se da União Europeia traria consequências danosas e pode nunca se concretizar
Os acontecimentos de 4 de setembro de 2015 mudaram o clima político na Alemanha e na Europa

Partidos de ideias radicais crescem com insatisfação da população em relação às elites políticas

O mundo ocidental vai observar inerte o nascer de nova configuração geográfica no Oriente Próximo?

Com o fim da 2ª Guerra Mundial em 1945, o mundo dividido em dois blocos, teve início à Guerra Fria
[caption id="attachment_51825" align="alignright" width="620"] Vladimir Putin: astucioso, frio, imprevisível e pérfido para uns; para outros, apenas enigmático| Foto: The Presidential Press and Information Office[/caption]
As opiniões sobre o presidente da Rússia, Vladimir Putin, são ambíguas. Para uns é astucioso, frio, imprevisível, pérfido; para outros, simplesmente enigmático. É provável que nenhum dos predicados que lhe são atribuídos corresponda à realidade. Para entender o que se oculta atrás do rosto do chefe do Kremlin é necessário, antes de tudo, conscientizar-se das apreensões que o perturbam. Tentaremos explicá-las.
O malogrado tratado de associação comercial entre a Ucrânia e a UE, em novembro de 2013, que mais tarde culminaria em acordo de livre comércio, prepararia o terreno para a adesão da Ucrânia a UE e possivelmente também a Organi-zação do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Presidente da Ucrânia era, na época, Viktor Janukowytsch, vinculado a Moscou. As gestões, no entanto, já tinham sido iniciadas por seu antecessor, Viktor Juschtschenko, vinculado a Bruxelas.
Após a ruptura da União Soviética, a maioria dos ucranianos ansiava aproximar-se da UE tal qual os países do Leste Europeu e dos Bálcãs, sob hegemonia soviética desde o fim da 2ª Guerra Mundial. Janukowytsch, apesar de seus vínculos com Moscou, mas sentindo a pressão dos ucranianos, optou por dar continuidade às gestões de aproximação à UE iniciadas por seu antecessor Juschtschenko.
Vladimir Putin viu com desagrado a aproximação de Kiev com Bruxelas. Dois dias antes da assinatura do acordo na reunião de cúpula dos chefes de governo dos 28 países da UE em Vilnius, capital da Lituânia, em fins de novembro de 2013, o presidente ucraniano, Viktor Janukowytsch, informou as autoridades em Bruxelas, depois de cinco anos de gestões, que não mais assinaria o documento com o argumento de que “a Ucrânia ainda não estaria preparada” para filiar-se a UE.
O malogro, manuseado à distância diretamente de Moscou, irritou e decepcionou Bruxelas. Na Ucrânia a decisão repercutiu de forma redobrada. Em 21 de novembro de 2013, após o súbito anúncio do governo em Kiev que o acordo, de momento, não seria assinado, os ucranianos foram às ruas.
Tiveram início as demonstrações na Praça Maidan apoiadas com a presença de líderes políticos da Europa e dos Estados Unidos vistos ao lado dos manifestantes, cenas que obviamente não foram do agrado de Vladimir Putin.
Os manifestantes reinvindicavam, entre outras, a assinatura do acordo, a demissão do presidente Viktor Janukowytsch e novas eleições. Os protestos na Praça Maidan terminaram com dezenas de mortos, Janukowytsch perdeu o cargo, houve novas eleições e o sucessor (e atual) presidente, Petro Poroschenko, oligarca avesso a Moscou, faz de conta que esqueceu o assunto.
Com o fim da 2ª Guerra Mundial em 1945, o mundo dividido em dois blocos, teve início à Guerra Fria, o confronto entre Leste e Oeste ou Capitalismo e Comunismo. Em abril de 1949 foi criada a OTAN, uma aliança de defesa entre os EUA e vários países europeus, para enfrentar a influência da União Soviética nos países do Leste Europeu, subjugados pelo comunismo de Stálin e Lenin.
Em maio de 1955 foi criado, no Leste Europeu, o Pacto de Varsóvia, outra aliança de defesa e ajuda mútua em caso de agressões militares liderada pela União Soviética. Signatários, além da União Soviética, foram a Romênia, Polônia, Bulgária, Hungria, Tchecoeslováquia e a Alemanha Oriental. A OTAN propiciou o estacionamento de milhões de soldados americanos na Europa; o Pacto de Varsóvia, milhões de soldados soviéticos no Leste Europeu.
Com a queda do muro de Berlim em 1989, também desabou a União Soviética, fato que Vladimir Putin até hoje lamenta e é a causa de seu distanciado relacionamento com Michail Gorbatchév. Culpa-o pela desagregação da União Soviética, pela perda de segurança da Rússia e argumenta que a abertura à democracia e ao livre mercado também poderia ter sido conseguida sem a queda do Império Soviético. Putin resumiu sua tese numa única frase: “A queda da União Soviética é a maior catástrofe geopolítica do século XX.”
O mesmo fim teve o Pacto de Varsóvia que desagregou-se em 1995. A OTAN continua existindo e, por desgosto de Putin, foi substancialmente ampliada com adesão de vários países do Leste Europeu, anteriormente sob hegemonia soviética, entre os quais todos que pertenciam ao Pacto de Varsóvia.
A OTAN foi criada por 12 países; hoje são 29. A ampliação da União Europeia e da OTAN em direção ao Leste (Teoria de Brzezinski) e projetos de ampliação ao sudoeste Europeu como Geórgia, Ucrânia e Moldávia, países protegidos por tropas russas ou milícias locais pró-Rússia, são incompatíveis com os planos políticos e geoestratégicos de Vladimir Putin.
Com uma superfície de 17.100 milhões de km² (o dobro do Brasil) a Rússia tem uma população multiétnica de 146,5 milhões de habitantes (incluindo a Crimeia), com 34 etnias e línguas. A religião predominante é a Ortodoxa Russa seguida do Islã que representa 15 % da população. A Rússia, portanto, é o país europeu com a maior participação islâmica.
Sabemos, desde as duas guerras na Chechênia, uma república antônoma dentro da Rússia no Cáucaso, onde separatistas islâmicos rebelaram-se contra o governo central em Moscou, que Vladimir Putin não tolera manifestações islâmicas na Rússia e receia movimentos semelhantes nos países que a cercam.
No flanco sul, nos países da Ásia Central que se limitam com a Rússia, predomina o Islã. Dos 15 países islâmicos da ex-União Soviética atualmente apenas 5 demonstram, embora débil, simpatia com Moscou: Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Belarus e a Armênia. Os demais permanecem neutros ou mantêm-se à “reservada distância”.
Nos EUA, durante o governo do presidente Ronald Reagan (1911-2004), foi iniciado o projeto Strategic Defensive Initiative (SDI) incrementado no governo do presidente George W. Bush sob o nome de National Missile Defense (NMD) e prosseguido pelo presidente Barack Obama.Trata-se, resumidamente, de um cinturão de foguetes intercontinentais, guiados por satélites, a serem instalados na Europa em terra e mar, desde a Finlândia, via Báltico, Polônia, Hungria, Romênia e alguns países da Ásia Central, com a finalidade de defender eventuais ataques do Irã, um argumento que nunca convenceu o presidente Vladimir Putin. O argumento atual é o de defender a Europa de um eventual ataque da Coreia do Norte o que o convence ainda menos.
Em maio passado o exército da Polônia realizou a “Anaconda”, uma manobra militar de grande amplitude, com a participação de 31 mil soldados, na qual foi simulado um ataque russo naquele país. “Estamo-nos preparando para um ataque da Rússia”, declarou Andrzej Duda, presidente da Polônia.
Outra manobra militar internacional, a “Saber Strike”, foi realizada em junho passado, com a participação de 10 mil soldados de 13 países membros da OTAN em três campos de treinamento na Letônia, Estônia e Lituânia, a 150 kms da fronteira russa. Mais uma vez, Putin sentiu-se ameaçado.
Jens Stoltenberg, secretário-geral da OTAN, informa que a Aliança incrementará seus projetos armamentistas na Romênia onde colocará à disposição soldados para uma brigada comandada por aquele país. Trata-se de “uma presença feita sob medida” para a região do Sudoeste Europeu sob controle da OTAN, disse Stoltenberg. Putin sente-se ameaçado.
Além destas medidas, a OTAN criou várias unidades menores com um contingente máximo de 4 mil soldados, de rápida deslocação, a serem localizadas nos países bálticos e em outros países do Leste Europeu.
Na reunião de cúpula, realizada em 8 e 9 de julho passado em Varsóvia, a OTAN apresentou novos planos de defesa em reação à crise da Ucrânia e à política de Vladimir Putin com a qual sentem-se ameaçados, em especial, os países bálticos e a Polônia.
Vladimir Putin, chefe-supremo das Forças Armadas da Rússia, ordenou testar a mobilização do exército russo em repressão às manobras da OTAN no Báltico e na Polônia. Putin age e reage de acordo.
Este desenvolvimento está sendo visto por alguns observadores como simples jogo de guerra. Fato é que encontramo-nos em plena 2ª Guerra Fria na qual o confronto não mais é entre Capitalismo e Comunismo. O novo foco de atrito é o Expansionismo ou, em outros termos, a ampliação de áreas de influência. Putin vê a OTAN como agente provocador neste conflito preocupante de interesses que já agora tem ingredientes que poderão torná-lo dramático.
Frank-Walter Steinmeier, ministro das Relações Exteriores da Alemanha, comentou: “Esta corrida armamentista, este tilintar de espadas, não serve para nada”. Steinmeier foi arduamente criticado em círculos da OTAN.
Para os EUA, a Teoria de Zbigniew Brzezinski (ampliação da UE em direção ao leste Europeu), divulgada em 1997 (The Grand Chessboard – American Primary and Its Geostrategic Imperativs, Basic Books), foi um plano estratégico concretizado em grande parte conforme explicado acima. Para a Rússia foi e continua sendo uma agressão.
Paralelamente a estes desenvolvimentos a Europa, concentrada e aturdidada com a onda de refugiados, com a infindável guerra na Síria, com um Iraque desestabilizado, com uma Líbia sem governo e em parte já dominada pelo ISIS, com um Iémen em guerra, com um Afeganistão sob controle de clãs talebanes, com uma Turquia imprevisível e inconfiável e com o terrorismo no próprio Continente, esqueceu-se completamente de que, em sua porta sul, na Ucrânia, borbulha uma guerra na qual a Rússia ameaça abocanhar uma parte do país.
Moscou não poupará esforços para impedir a ampliação da UE e da OTAN em direção ao Sudoeste Europeu ou à Ásia Central. Uma questão de hegemonia que precisará de muita diplomacia a fim de evitar um conflito de proporções imensuráveis na porta sul da Europa.
Vladimir Putin, astucioso, frio, imprevisível? Talvez de tudo um pouco. Ou apenas lúcido?
Após o golpe, receia-se que a Turquia estará condenada a entrar em um colapso programado
[caption id="attachment_72741" align="alignright" width="620"] Presidente Recep Tayyip Erdogan: o homem que pode conflagrar a Europa[/caption]
A União Europeia (UE), desde 23 de junho passado envolta com o Brexit da Grã-Bretanha, vê-se subitamente confrontada com outro problema de proporções ainda maiores. Os acontecimentos na Turquia na noite de sexta-feira, 15 de julho passado, ocupam, desde então, as manchetes dos jornais.
A Turquia está sendo foco de preocupações mundiais. Há indícios de que esta preocupação não se abrandará em curto tempo. As repercussões atigem a UE em cheio. Há mais de uma década o presidente Recep Tayyip Erdogan é uma das figuras políticas mais controvertidas do cenário político internacional.
Muito antes do golpe de 15 de julho a Turquia já deixara de ser um país democrático. Para alguns o golpe veio inesperado; para outros, vinha-se anunciando há mais tempo e há até os que afirmam que o golpe provavelmente teve a conivência do presidente Recep Tayyip Erdogan. Talvez, num futuro qualquer, saberemos a verdade.
Para Erdogan o golpe veio em hora oportuna, pois propiciou-lhe oportunidades há muito sonhadas e as quais, sem o levante frustrado, nunca pôde por em prática. A Turquia encontra-se em estado de emergência e está sendo governado por decreto, via “canetaço”, medida usual em regimes de partido único, militares ou ditatoriais que no Ocidente pertenciam ao passado. Em uma de suas primeiras aparições após o golpe Erdogan declarou: “O golpe é um presente do céu”.
O presente celestial serviu a Erdogan como instrumento de vingança. Começou a caça às bruxas. Em apenas 48 horas, cerca de 15 mil pessoas, entre militares, funcionários públicos, professores, jornalistas, radialistas e profissionais liberais foram destituídos de seus empregos.
A medida deu margem a uma pergunta preocupante: como foi possível despedir 15 mil pessoas, de diversas entidades públicas e particulares, em tão curto tempo? A suspeição de que as listas já se encontravam prontas, engavetadas, à espera da hora oportuna é, para muitos, indício de que alguns membros da cúpula do governo devem ter tido noção dos planos golpistas.
Passadas quatro semanas, segundo o semanário britânico “The Economist”, o número de destituídos já aumentara para cerca de 60 mil pessoas das quais 26 mil encontram-se em prisão. Três mil juízes, dezenas de advogados e promotores foram destituídos de suas funções. Muitos tiveram seus bens particulares confiscados. Mais de 40 jornalistas encontram-se presos, 45 jornais e 16 canais de TV foram forçados a encerrar suas atividades.
Quinze mil professores, do ensino elementar até ao ensino superior, perderam seus empregos. Passaportes de 50 mil profissionais foram cancelados entre outros os de dezenas de cientistas turcos que trabalham em ou com institutos europeus e americanos. Com tal expurgo pergunta-se como poderá funcionar o serviço público, o magistério, a justiça, a polícia e o próprio exército? Receia-se que a Turquia estará condenada a entrar em colapso. Um colapso programado.
O expurgo atingiu também a liderança militar onde 50% dos generais foram afastados de seus cargos dos quais cerca de cem encontram-se presos. Entre outras o governo turco assumiu o controle de fábricas e estaleiros do exército. As Forças Armadas sempre foram um baluarte do laicismo e herdeiros do fundador da atual Turquia, Kemal Atatürk. No entanto, a paixão e o fervor islâmico de Erdogan sempre causou suspeita aos militares turcos.
Após a 2ª Guerra Mundial não houve, em nenhum país desenvolvido, e a Turquia até aqui foi um país desenvolvido, com posição singular dentro do mundo islâmico, um expurgo de tais proporções. As medidas lembram a era de Stálin na União Soviética e a Alemanha de Hitler, nos dez anos antes e durante o III Reich.
Há mais de 15 anos a Turquia tenta tornar-se membro da União Europeia e Erdogan nunca deixou de perder oportunidade em demonstrar sua brusquidão contra Bruxelas e contra a OTAN, organização da qual a própria Turquia faz parte. O presidente Erdogan até acusa a Europa e os Estados Unidos de terem participado do golpe e se posicionado ao lado dos golpistas.
Caso esta situação continuar a Turquia não terá chances de participar do “Clube de Cristãos”, denominação usada por Erdogan para a UE. O conceito de democracia da atual liderança turca, a supressão da liberdade de expressão, a instituição da planejada pena de morte e outros fatores são incompatíveis com os valores éticos, sociais e morais de uma sociedade ocidental.
A Turquia é uma nação dividida entre seguidores e opositores de Erdogan. Entre os dois blocos encontra-se o movimento separatista curdo, representado pelo partido PKK, lá proibido. Após o golpe Erdogan declarou: “A Turquia não será dividida”. Uma mensagem direta aos curdos que há muito reinvidicam a independência, movimento que, com as premissas atuais, poderá terminar em banho de sangue.
Turquia, no conceito geoestratégico ocidental, é um país imprescindível à Europa apesar de apenas 5% de seu território, aquém do Bósforo, pertencerem ao continente europeu; os demais 95%, além do Bósforo, para alguns, fazem parte da Ásia; para outros, pertencem ao Oriente Próximo.
A Turquia filiou-se à OTAN em 1952, três anos antes da Alemanha e 30 anos antes da Espanha, que só em 1982 aderiu ao Pacto do Atlântico Norte. Com um contingente de 411 mil soldados, a Turquia dispõe do segundo maior exército dentro da OTAN, superado apenas pelos EUA com um contingente de 1,3 milhão de soldados. Na base aérea de Incirlik, no sul da Turquia, os EUA mantêm o maior depósito de arsenal atômico da OTAN.
Por outro lado, a Turquia precisa da Europa. A economia turca depende da UE que participa com 75% dos investimentos estrangeiros naquele país. Seis mil e 300 empresas na Turquia são, em parte ou em seu todo, de capital alemão. Entre 2003 e 2013 a Turquia teve excelente fase de crescimento. O PIB per capita cresceu de 4.500 para 11.000 dólares e a inflação caiu de 25,3% para 6,5%. Este desenvolvimento contribuíu em muito para a ascenção e o prestígio de Recep Tayyip Erdogan. Na situação insegura atual, investidores mostram-se cautelosos em novos investimentos. Com regime ditatorial a Turquia terá muito a perder.
A trajetória política de Recep Tayyip Erdogan revelou-nos um personagem com insaciável fome de poder comparado a muitos que ilustram tanto a História antiga como a Moderna. As biografias destes homens têm um elo comum. Com poucas excessões sofrem da síndrome do medo e costumam ver inimigos atrás de cada porta. Quando não os encontram, criam-nos.
Erdogan não demorou em encontrar um inimigo responsável pelo golpe: Fethullah Gülen, intelectual turco que há 15 anos vive nos EUA, de onde controla uma rede mundial de organizações caritativas, escolas, universidades, jornais, empresas midiáticas, etc. Gülen, inspirador do movimento Hizmet, foi um ex-aliado de Erdogan, que o apoiou até 2013. Há pouco Erdogan confessou: “... foi um de meus maiores erros”.
Críticos de Erdogan, que não são poucos, sustentam que culpar Fethullah Gülen por envolvimento no golpe é mera quimera. O movimento Gülen está mais para Mahatma Ghandi do que para Napoleão Bonaparte. Seu movimento não tem ingredientes militaristas. Seu lema “construam escolas em vez de mesquitas” é ilustrativo e deveria apaziguar o estado de espírito de qualquer político sedento de poder. Gülen criticou severamente Erdogan por levar a Turquia “cada vez mais ao autoritarismo e afastar-se da democracia”. No que diz respeito ao golpe, Gülen declara: ... critiquei reiteradas vezes o golpe e refuto não ter tido qualquer conhecimento nem participação”.
Erdogan, que tem pouco de ideólogo mas muito de populista, procura sustentar-se no poder com perfídia e boa dose de instinto maquiavélico. “Temos um plano e vamos concretizá-lo”, é a mensagem por ele divulgada em um de seus recentes depoimentos sem explicar no que consiste o plano. Para quem acompanha sua trajetória há mais tempo o plano é claro: Erdogan quer um governo forte no qual todo o poder se concentra em suas mãos à lá Luís XIV, “o Estado sou eu”! O Parlamento será mero atributo.
No auge da onda de refugiados a UE estabeleceu um acordo com o governo da Turquia. Os refugiados chegados à Grécia (ou em uma das ilhas gregas) foram e estão sendo reencaminhados à Turquia. A UE comprometeu-se a ajudar a Turquia com uma verba de 6 bilhões de euros para alojamento, alimentação e assistência médica. Em contrapartida a Turquia pleiteou isenção de visto em passaporte de cidadãos turcos em viagem para a UE.
Após o malogrado golpe e as medidas internas tomadas por Erdogan, as relações entre Ancara e Bruxelas encontram-se em escala de frialdade beirando o grau zero. Por enquanto não há consenso entre os países da UE com respeito a filiação da Turquia. Alguns pedem a interrupção dos diálogos; outros opinam pelo seguimento.
Erdogan ameaça anular o acordo caso a UE não cumprir a promessa da isenção de visto até outubro próximo. Na situação interna atual da Turquia, torna-se difícil para UE abdicar do visto e o relacionamento entre Bruxelas e Ancara tende a piorar. Caso o acordo fracasse, a onda migratória recrudescerá, a Grécia teria uma catástrofe insolúvel e a Europa uma tragédia e um pesadelo a mais.
O golpe de 15 de julho continua envolto em mistérios. Sobre muitos detalhes paira densa neblina. Recep Tayyip Erdogan, o homem que os golpistas queriam tirar do poder, acabou saindo mais fortalecido e não são poucos os analistas que veem o malogro do golpe como positivo. Em caso de êxito a Turquia estaria envolta numa guerra civil entre sunitas, alevitas e curdos; o país esfacelar-se-ia e teríamos mais um Afeganistão e mais uma Síria. Um cenário dantesco! Enqunto isso Erdogan polariza e critica em especial a Alemanha.
Mas quem é que diz que o golpe fracassou? O golpe está em pleno andamento. Mudaram apenas os lados com futuro incerto...

Substituta de David Cameron, a nova 1ª-ministra do Reino Unido tem agora a ingrata tarefa de lidar com o Brexit e todas as suas resistências
Brexit foi a vitória do populismo e seus artífices se esconderam depois do resultado que chocou até a população da Grã-Bretanha
Tratado de livre comércio entre UE e EUA divide opiniões e, se não sair rápido, pode não sair mais
Faltam poucas semanas para o dia que, provavelmente, entrará na história da Grã-Bretanha. Em 23 de junho próximo eleitores britânicos estão sendo chamados às urnas para votar o Brexit (Breta-nha+exit=Brexit), palavra artificial usada para decidir se os súditos de Sua Majestade, a rainha Elisabeth II, continuarão sendo membros da União Europeia (UE) ou se decidirão andar sozinhos num mundo globalizado, sem apoio ou ingerência dos, por eles, abominados burocratas de Bruxelas. A Grã-Bretanha, mais ainda a UE, bem como o mundo ocidental em geral e o Comonwealth aguardam, alguns com expectativa, outros com apreensão, o desfecho da votação. Caso os britânicos optarem pelo desligamento da UE, a data talvez será o Waterloo do primeiro-ministro David Cameron. Afinal, foi o próprio Cameron que, na campanha eleitoral de 2015, propôs a realização de um plebiscito para terminar com a eterna discussão dos britânicos sobre o permanecer ou não permanecer na UE. Na época o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, recomendou, reiteradas vezes, David Cameron a não transformar o tema em assunto eleitoral e que não propusesse a realização de um referendo popular sobre o assunto. Não dando atenção às recomendações do presidente Obama e, contrariamente as previsões, Cameron conseguiu reeleger-se, inesperadamente, com maioria absoluta. O plebiscito de 23 de junho, portanto, é um cumprimento eleitoral de David Cameron no qual está em jogo tanto o seu próprio futuro político quanto o futuro político, econômico e social do país que governa. A Grã-Bretanha encontra-se numa encruzilhada. É um direito democrático do povo britânico decidir sobre o caminho a tomar nesta encruzilhada, que decidirá sobre o futuro da nação britânica, orgulhosa de ser a mais antiga democracia europeia. Muitos britânicos creem que a Grã-Bretanha terá um futuro promissor em se desmembrar da UE; e há os que receiam que o país marchará ao isolamento, interpretado por muitos como sinônimo de abismo. David Cameron comenta: “O Grexit é um salto no escuro”. Nestas semanas que antecedem a decisão a situação continua ambígua. Segundo as últimas pesquisas de opinião, há uma divisão equânime entre os britânicos a favor e contra o desmembramento, mas 17% dos eleitores ainda continuam indecisos e serão estes que decidirão o resultado final. Ambas facções não poupam esforços para convencer o grupo dos indecisos. Nos pubs britânicos a conversa normalmente gira em torno do futebol; de momento é o Brexit que domina as discussões entre Londres até aos mais escondidos estabelecimentos entre a Cornuália, no sudeste, e os Highlands da Escócia, no nordeste do Reino Unido. Margaret Thatcher (1925-2013), do partido conservador, chefe de governo britânico de 1979 a 1990, sempre às turras com a União Europeia, já conseguira vantagens especiais de Bruxelas conhecidas como “Bônus Britânico” ou “Cheque Britâ-nico” (O jogo ousado da Grã-Bretanha, Jornal Opção, edição n°2.120 de 21 a 27 de fevereiro de 2016). Dando continuidade a política thatcheriana, David Cameron também não poupou críticas em relação à Bruxelas no que, mais do que vantagens especiais, tem pleiteado reformas. Em acirradas discussões em fevereiro passado, os pleitos de Cameron foram atendidos, se bem que só em parte, por Bruxelas; em contrapartida, Cameron passou a defender, no Reino Unido, a permanência da Grã-Bretanha na União Europeia. Desde então Came-ron luta incansavelmente para sair-se vitorioso da proposta que fizera em sua campanha eleitoral de 2015. No entanto ele sofreu um revés, um infortúnio que lhe veio de soslaio, desencadeado por um membro de seu próprio partido e que ameaça transformar o processo democrático do plebiscito em derrota política pessoal de Cameron e um golpe com possíveis consequências para a UE. Uma eventual separação da Grã-Bretanha poderia servir de motivação para outros, especialmente para alguns países do leste europeu, igualmente descontentes com Bruxelas. O responsável pelo revés é Boris Johnson, político do partido conservador, desde maio de 2008, prefeito de Londres. Em virtude de seu reiterado comportamento excêntrico, Bo-Jo, como é chamado por alguns tablóides britânicos, é um dos mais conhecidos e mais controvertidos políticos do Reino Unido. Boris Johnson é um homem culto. Estudou história da Antiguidade Clássica no célebre Balliol College de Oxford. É jornalista, publicista, autor de várias obras e poliglota. Foi editor da revista política “The Spectator” de 1999 a 2005. Deixou o cargo ao ser nomeado ministro da educação, indicado por David Cameron, seu aliado de partido, na época, líder oposicionista. Foi membro do parlamento britânico do qual se afastou ao assumir a prefeitura de Londres. Boris Johnson conhece bem os meandros das instituições em Bruxelas, onde viveu de 1989 a 1994 como correspondente do “Daily Telegraph”. A biografia do prefeito londrino é tão impressionante quanto sua genealogia. Boris Johnson tem ancestrais turcos. Seu bisavô, Ali Kemal, foi o último ministro do interior do Império Otomano. Nesta função autorizou a prisão de Mustafa Kemal Atatürk (1881-1938), fundador da atual República da Turquia, ato pelo qual foi linchado. Em consequência seu avô, Osman Ali, fugiu para Londres onde asumiu o nome de Wilfred Johnson. O neto, Boris Johnson, é parente distante da rainha Elisabeth II e do príncipe Charles através dos remanescentes do não mais existente reinado de Baden-Württemberg, região no sul da Alemanha. Bo-Jo é aficcionado do ciclismo tanto que costuma ir a seu gabinete de trabalho em bicicleta vestido a rigor em traje escuro, camisa branca e gravata. Acrescido a todos estes de-talhes, Johnson é homem de língua solta, característica que lhe deu tanto popularidade quanto aborrecimento. Mesmo assim continua dizendo o que pensa! Tem-se a impressão de que Johnson sente-se feliz sempre que consegue provocar uma discussão com papas na língua que, indubitavelmente, tem. Pior é, quando não diz nada. Assim, por exemplo, não se pronunciou quando David Cameron propôs publicamente a realização do plebiscito. Deixou seu companheiro de partido por meses em dúvida quanto ao seu posicionamento em relação ao assunto. Deu-lhe um golpe à lá Brutus só em 22 de fevereiro passado, quando revelou que votaria a favor do Brexit. Cameron sentiu-se traído, traído por um homem que ajudara a tornar-se ministro. A questão do Brexit transformou Johnson no mais perigoso contraente interpartidário de Cameron que procura, seriamente, preservar a Grã-Bretanha na UE. Como prefeito londrino, Boris Johnson, apesar de ser personalidade conhecida no Reino Unido, politicamente não tem muita influência a nível nacional. Mas ele não se contenta com isto e quer mais. Quer ser primeiro-ministro e quer ser sucessor de David Cameron já que seu mandato como prefeito termina em 5 de maio próximo. Entrementes Johnson já revelou algumas de suas críticas em relação a UE. Algumas são contundentes de forma que o excêntrico prefeito londrino demonstrou ser, de momento, o maior antieuropeu do Continente. “Livrar-se da UE é como fugir de um presídio”, comenta. Com tais comentários Johnson influenciará os debates até o dia 23 de junho e talvez será o fiel da balança que decidirá sobre o Brexit. Enquanto isso David Cameron recebeu apoio de alguém que, no passado, lhe dera bons conselhos que não seguira. Barack Obama veio a Londres por oportunidade dos festejos do 90º aniversário da rainha Elisabeth II. Na oportunidade fez pronunciamentos exortando os britânicos, especialmente os eleitores jovens, a votar contra o Brexit. “A União Europeia deverá permanecer unida. Os Estados Unidos querem e precisam de uma União Europeia forte e unida”, disse o presidente. Seus pronunciamentos foram criticados pelos defensores do Brexit que interpretaram suas palavras como ingerência em assuntos internos, estritamente britânicos. De Londres o presidente estadudinense veio a Hannover onde, junto com a chanceler Ângela Merkel, inaugurou a Feira de Hannover, a maior feira industrial do mundo, neste ano, em parceria com os Estados Unidos. Consciente de que lhe restam poucos meses na Casa Branca e, consciente de que esta tem sido sua última visita oficial à Alemanha, Barack Obama aproveitou a oportunidade para pronunciar impressionante discurso por oportunidade da inauguração. Entre os vários assuntos abordados voltou ao que já dissera em Londres: “Pois, uma Europa Unida, no passado um sonho a menos, é hoje uma esperança e uma necessidade para todos nós”. Além disso, Barack Obama exortou os líderes europeus a não se azucrinarem a vida reciprocamente com detalhes mesquinhos. A Europa tem grandes problemas a resolver e estes só poderão ser resolvidos de forma unida. Resumindo, o discurso do presidente Barack Obama em Hannover foi um tremendo puxão de orelhas aos líderes europeus. É lamentável que foi necessário vir alguém, do outro lado do Atlântico, para dizer o que foi necessário ser dito. Ele fez, no entanto, uma excessão. Referindo-se a chanceler Ângela Merkel Barack Obama comentou: “Ela está no lado certo da história”. l

[caption id="attachment_63176" align="aligncenter" width="620"] Refugiados querem escapar da guerra e da miséria: só em 2015, mais de 1,5 milhão deles chegaram à Europa[/caption]
Caso houvesse um estudo que nos revelasse o vocábulo mais usado na imprensa europeia nestes últimos 15 anos, é provável que o substantivo crise estaria no topo da lista. A palavra crise serviu e continua servindo de epíteto para designar tudo que não se enquadra na rotina ou desvia da normalidade mesmo não sendo crise no sentido etimológico do latim crise ou do grego krísis.
De tanta crise, uma seguida a outra, o termo tornou-se corrente, habitual, tanto na mídia quanto em círculos políticos, em reuniões de empresas e mesmo em encontros sociais e casuais. Tornou-se inflacionário, desgastou-se, perdeu seu verdadeiro sentido para descrever uma situação real de uma fase difícil, grave, na evolução das coisas, dos fatos, das ideias.
Algumas destas crises já pertencem ao passado e outras há que, mesmo sendo recentes, já se apagaram da memória de muitos observadores. É oportuno, portanto, relembrar algumas daquelas com as quais a UE confrontou-se, direta ou indiretamente, de forma quase contínua.
Comecemos com a crise bancária oriunda dos Estados Unidos, resultado da ganância desenfreada de alguns bancos, que atingiu a Europa e levou o mundo à beira do precipício. Seguiu-se a crise do euro, a crise da Irlanda, da Islândia, de Portugal, da Espanha, da Grécia, do Chipre, da Praça Maidan em Kiev na Ucrânia e os consequentes conflitos no leste do país, do Mediterrâneo, da Somália, do Chifre da África, da Crimeia e o embargo comercial da UE contra a Rússia, a crise da Líbia, do Iraque, da Síria, do Egito, da Tunísia, a crise do juro baixo e, algumas geograficamente mais distantes que também tangem a Europa como a do Sudão, Níger, Chade, Mali, Nigéria, E como se tudo isso não bastasse, veio ainda a crise dos refugiados e a crise terrorista que, com atentados cruéis e desumanos sacrificou a vida de muitos civis inocentes em várias cidades não só europeias, mais recentemente em Paris e em Bruxelas.
A relação não é cronológica e nem completa mas confirma o quanto a UE esteve engajada para resolver crises próprias e mais ainda crises alheias que, caso não controladas, refletiriam na Europa ou, no pior dos casos, tornar-se-iam próprias. Algumas destas crises foram superadas, outras encontram-se em fase de extinção e outras mais ainda merecem controle.
Ninguém mais fala da crise da Irlanda, da Islândia, do Chipre, de Portugal que tanto alvoroço causaram mas, após estes países terem ajustado suas contas, pagaram com antecedência os empréstimos recebidos da União Europeia, do Banco Central Europeu, do Fundo Monetário Internacional e de outras fontes. A crise financeira da Grécia, acrescido de milhares de refugiados que se encontram naquele país, é um caso isolado sem sinais de estar sob controle.
Há, no entanto, duas outras questões cruciais, na Europa também denominadas de crise, embora na realidade não façam justiça a tal conceito. Ultrapassam-no em longe: uma, a questão dos refugiados, um flagelo humano, em sentido mais amplo, uma tragédia civilizatória de dimensões calamitosas sinistras não havida desde a 2ª Guerra Mundial; a outra, a barbárie do terrorismo, sob o manto do islamismo radical, entrementes, de atuação global. Ambas são questões abertas, de difícil solução que, provavelmente, preocuparão a Europa e o mundo por décadas vindouras e marcarão a história deste século XXI.
O número de refugiados é alarmante. Os que chegaram à Europa em 2015 (cerca de 1,5 milhão, a maioria à Alemanha), representam apenas uma pequena parcela dos refugiados ou deslocados de suas raízes que mais vegetam do que vivem em campos sustentados pelas Nações Unidas e por organizações caritativas e filantrópicas na Síria, Turquia, Líbano, Iraque, Jordânia, Palestina, no Paquistão, no Afeganistão e outros países. Segundo as Nações Unidas, a nível global a cifra eleva-se a 70 milhões de famintos e desesperados, à procura de simples sobrevivência ou de vida melhor.
Em 1945, após a 2ª Guerra Mundial, a Europa aniquilada encontrava-se sob escombros. Através do Plano Marshall, organizado e custeado apenas por um país, os Estados Unidos, foi possível salvar e recuperar o Continente, na época, com cerca de 350 milhões de habitantes. A comunidade internacional de hoje, pelo que se vê, demonstra pouca solidariedade para, através de um programa igual ou parecido como o Plano Marshall de então, resolver o problema de 70 milhões de desesperados!
Drama internacional
A Europa e o mundo ocidental não poderão resolver este drama de proporções preocupantes. Só uma ação conjunta da comunidade internacional poderá tomar medidas imediatas para, no mínimo, amainar a catástrofe que ameaça transformar-se em hecatombe. Isto inclui também a colaboração dos países islâmicos mais ricos como a Arábia Saudita, os Emirados e outros da Ásia Central que, até agora, têm feito pouco ou nada para amainar o sofrimento de seus irmãos em fé religiosa.
Na recente conferência das Nações Unidas sobre refugiados realizada em Genebra em fins de março passado, o secretário-geral Ban Ki-moon em discurso enfático e muito pessoal disse:
“Eu só sabia que meu estômago sentia fome”, lembrou-se ele de sua infância durante a Guerra da Coreia quando seus pais e avós, desesperados, saíam de manhã para encontrar comida para alimentar a família.
Ban Ki-moon veio a Genebra com a firme ideia de retirar 480 mil refugiados retidos nos países vizinhos da Síria como Iraque, Jordânia e Líbano aliviando aqueles países do peso que suportam há vários anos. Representantes de 170 países presentes à conferência concordaram em aceitar 178 mil refugiados, uma cifra muito abaixo da prevista por Ki-moon.
O último encontro dos chefes de Estado da UE em Bruxelas, em meados de março passado, terminou com um acordo com a Turquia que, em seu território, já abriga 2.7 milhões de refugiados, na maioria sírios.
O acordo estabelece, entre outras medidas, que todos os refugiados que chegam à Grécia ou numa de suas ilhas, serão reencaminhados à Turquia. Em contrapartida a UE assumirá, para cada refugiado devolvido à Turquia, um refugiado sírio retido num campo daquele país, inicialmente, no máximo 170 mil pessoas a serem distribuídas entre os 28 países. O governo da Turquia receberá, como ajuda de custo, um auxílio adicional de 3 bilhões de euros, somados a uma quantia igual já prometida em fins de 2016. O acordo entrou em vigor em 4 de abril passado.
Com esta medida a UE junto com a Turquia e a Grécia visam impedir o tráfego criminoso dos intermediários que, em embarcações primitivas, transportam refugiados às ilhas gregas e italianas com preços de passagens altíssimos e todo risco de vida. Em suma o acordo deverá transmitir a mensagem: “Não venham à Grécia. Nós levaremos vocês de volta à Turquia”. Há dúvidas quanto à efetividade desta medida.
Eliminação de visto
Um item adicional do acordo, uma exigência do governo turco, inclui a eliminação do visto de entrada em passaportes de cidadãos turcos à UE. As gestões acerca desta complexa temática deverão começar em junho próximo. Entre a população já agora há receios de que, com a liberação do visto para cidadãos turcos à União Europeia, o Continente teria nova onda de imigrantes.
O acordo foi mais criticado do que elogiado. Organizações de direitos humanos como a Amnesty International e mesmo várias organizações das Nações Unidas declararam-no desumano por envolver características de tráfico humano. A devolução dos refugiados da Grécia à Turquia lembra a “deportação”, um termo com o qual os europeus não simpatizam por ter sido usado durante o período nazista em relação ao extermínio de judeus.
Vários órgãos da mídia europeia criticaram o acordo por ter sido feito com um país que, no que diz respeito aos direitos humanos, deixa muito a desejar. A própria União Europeia há tempos tem criticado a falta de liberdade de imprensa na Turquia onde, de momento, há 30 jornalistas presos. O presidente Recep Tayyip Erdogan é criticado por seu comportamento autocrático não raro denominado de Sultão do Bósporo, Putin da Turquia e mesmo de Gadhafi Turco. Erdogan, por sua vez, também não é lisonjeiro em relação à União Europeia que publicamente denomina de Clube de Cristãos.
Na questão dos refugiados, a Turquia se colocou numa posição de país chave. Há indícios que a assistência dada pelo governo turco, com apoio da Europa e das Nações Unidas, não se baseia apenas em motivos humanitários. Interesses políticos, geoestratégicos e econômicos de curto, médio e longo prazo, envoltos sob um manto de filantropismo, escondem-se atrás do comportamento de aparência humanitária da Turquia, para o qual cobra um bom preço. E não são poucas as vozes que dizem que Europa deixou-se extorquir pelo governo turco.
Um dos objetivos do presidente Recep Tayyp Erdogan é concretizar a filiação da Turquia à União Europeia. As gestões, há tempos engavetadas, deverão ser reativadas no contexto do acordo agora estabelecido. O problema interno não resolvido da Turquia com a população curda será um dos maiores entraves ao projeto da filiação. Nenhum político europeu quer ver o problema turco-curdo trasladado para o centro da Europa.
Com a acordo realizado, a Europa contribuíu para que a Turquia, um país islâmico com 80 milhões de habitantes e cerca de 15 milhões de curdos, se tornasse o verdadeiro baluarte das fronteiras externas da União Europeia com o objetivo de controlar a onda de refugiados provenientes do Oriente Médio, da África e da Ásia Central com destino à Europa.
A recente história da União Europeia (UE) é marcada por solavancos e tropeços. Feitos políticos, estratégicos e econômicos modelares não têm sido frequentes nestes últimos anos. O acordo agora estabelecido com a Turquia tem ingredientes complexos com resultados não promissores com os quais a próxima geração de políticos europeus terá que se confrontar. l
Desde o ataque às torres gêmeas do World Trade Center, nos EUA, o terrorismo faz parte do jogo político